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Nem Bolsonarismo, nem Lulopetismo: Brasileirismo

15/02/2022

Meus 4 avós eram imigrantes.

Meu pai era o caçula dos 5 filhos de um casal que no começo do século 20 saiu de uma região da Rússia, depois foi Polônia e hoje é Ucrânia. Salomão e Sofia Guelmann tinham então os pequenos Sara e Moyses.

A região onde eles e seus ancestrais nasceram teve muitas mudanças em sua geopolítica, mas uma coisa nunca mudou: o péssimo humor dos governantes em relação aos judeus.

Costumo dizer que jamais alguém saiu de seu torrão natal por excesso de felicidade. Assim foi com eles e com todos os que historicamente tiveram que abandonar a família e singrar oceanos em busca de uma nova vida. Diga-se, a propósito, que viessem eles de qualquer paragem, eslavos, italianos, alemães, japoneses, árabes, judeus, etc, a viagem era sempre na 3a classe, porque não havia 4a.

Salomão e Sofia chegaram em Curitiba em 1912 após rápida passagem pela Argentina. Buenos Aires era então uma espécie de Nova York do hemisfério sul e atraia legiões de judeus escorraçados de seus lugares de origem.

Marceneiro de profissão, ao cabo de dois anos e enfrentando dificuldades, Salomão foi aconselhado por patrícios a mudar para o sul do Brasil, onde havia abundância de madeira, a matéria-prima para seu ofício. Na bagagem trouxeram o terceiro filho, José. Em Curitiba nasceram Bertha, em 1918, e Isaac, meu pai, em 1923.

Pelo lado materno meus avós Moses e Eugênia saíram da Lituânia, outro lugar nada amigável aos judeus e, ironia, foram exatamente para a Alemanha, onde em 1925 nasceu Selda, minha mãe. Em 1934 e já com um segundo filho, Isaak, embarcaram para o Brasil a tempo de escapar da besta-fera já no poder.

Aqui, em 1937, nasceu minha tia Nena, que as pessoas que conhecem minha história sabem que em tristes circunstâncias veio a substituir a minha mãe e passou a ser a avó de meus filhos.

Faço esse histórico para contextualizar o que me levou a escrever sobre o título acima.

Sou um Brasileiro que se emociona com o hino cantado no jogo e que vibrava com os filhos ainda pequenos nos desfiles de 7 de setembro. Lamento ver que dois deles já repetiram o que fizeram os bisavós, dessa vez “atravessando ares” em busca de seus sonhos. Me entristece também pensar que de vez em quando ocorre aos outros dois fazer o mesmo, recorrendo – ironia – à nacionalidade eventualmente oferecida pela mesma Alemanha, que grafou “staatenlos” (apátrida) no passaporte da avó.

Enquanto isso, aos 74 anos, assisto perplexo o embate que a pretexto de ser ideológico tornou-se irracional, com os extremos representados pelos Lulistas e Bolsonaristas, que agem como se não existisse alternativa, uma solução melhor que a representada pelos modelos que defendem.

Estou cansado de uns e de outros. Cansado de ter que argumentar que quero mais que isso, assim como quero um STF mais qualificado, com seus integrantes escolhidos pelo perfil terrivelmente profissional e não por serem ligados a uma religião ou ideologia.

Estou cansado de brigar com amigos e de discutir com familiares e pessoas inteligentes que reduzem tudo à dicotomia do 100% correto ou absolutamente equivocado.

Estou cansado dos que ignoram que o projeto da esquerda falhou ao enveredar pelo caminho da corrupção e dos interesses pessoais. Cansado dos que, descontentes com isso, decidiram eleger um político de passado obscuro e que se revelou ignorante, autoritário e preconceituoso.

Quero o Brasil dos sonhos dos meus avós.

Será que estou querendo muito?

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Gerson Guelmann
Pitadas da sabedoria e do humor judaicos, assuntos do momento e um pouco das histórias que vivi e testemunhei.

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