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O Congresso e Defesa Cibernética Nacional

04/10/2022

As questões afetas à Defesa Nacional continuam longe de merecer atenção da sociedade em geral e do Congresso Nacional em particular com uma frequência que esteja à altura da sua importância. Não será possível planejar e executar qualquer Política Nacional de Defesa adequada ao enfrentamento das ameaças que pairam sobre o país sem o amplo envolvimento no debate do povo brasileiro e suas instituições políticas a começar pelo Congresso Nacional.

É possível afirmar que não só ainda estamos muito longe de obter tal envolvimento, como pode estar em curso até mesmo um grave retrocesso. Há muito tempo que diferentes pesquisadores têm notado a falta de interesse dos parlamentares brasileiros pelos temas de defesa. Em particular no que se refere a guerra cibernética, a motivação para o debate parece derivar de injunções peculiares da conjuntura internacional da época, não de um processo consciente de aperfeiçoamento institucional.

À título de comparação cabe examinar dois episódios de grande impacto social e extrema relevância política relacionados a um aspecto-chave da Segurança Nacional: a espionagem dos Estados Unidos no Brasil. O primeiro evento diz respeito a revelação dos vazamentos das comunicações da Presidente Dilma Roussef e membros do seu governo pela espionagem eletrônica e cibernética americana em 2013. O segundo foi a divulgação na imprensa entre 2022 e 2021 de uma pesquisa sobre máquinas de criptografia importadas pelo Brasil da empresa suíça Crypto AG que, numa operação encoberta, eram usadas para fins de espionagem pelos serviços secretos dos EUA e da Alemanha desde a Guerra Fria até os dias de hoje, manifesta nas compras destes equipamentos pela Marinha de Guerra do Brasil para seus novos submarinos.

Comparando ambos os episódios se percebem que houve reações significativas apenas no primeiro caso. Entre 2013 e 2015 ocorreram diversas manifestações de importantes autoridades brasileiras contrárias as revelações das atividades de espionagem americanas no Brasil. A Presidente da República e o Ministro da Justiça pediram explicações formais ao governo americano. A Presidente chamou o embaixador dos EUA no Brasil para cobrar explicações sobre o suposto esquema de espionagem. O Congresso Nacional também se mobilizou para tratar do assunto. Foram então realizadas nada menos de oito audiências públicas sobre o tema da espionagem estadunidense no Brasil.

Nota-se então um notável contraste com o mutismo praticamente total adotado pelas autoridades brasileiras no caso das revelações sobre a espionagem da Crypto AG. Da parte do governo apenas a Marinha de Guerra do Brasil se manifestou sobre o assunto, refutando publicamente as descobertas da pesquisa sobre a Crypto AG e reiterando a segurança dos sistemas adquiridos para seus submarinos. No que se refere ao Congresso Nacional apenas um único parlamentar demonstrou interesse pelo assunto, elaborando requerimentos de informações às autoridades do governo envolvidas e pretendendo mobilizar – sem sucesso – apoio para investigar as atividades da espionagem americana através da venda ao Brasil de máquinas de criptografia fraudadas da Crypto AG.

O que se percebe é que foi praticamente nula a repercussão obtida na grande imprensa pelas revelações da pesquisa sobre a Crypto AG tanto no Senado quanto na Câmara Federal. O fato tem relação, primeiro, com a pouca importância que o Legislativo Federal confere aos assuntos relacionados às questões de Defesa, por um lado. E, por outro, com a relevância ainda menor dos assuntos afetos à Defesa Cibernética e temas correlatos como são espionagem, inteligência e contrainteligência no Congresso Nacional.

As questões relativas à Defesa parecem condenadas a algum tipo de limbo legislativo, cujas consequências podem ser potencialmente ameaçadoras à Segurança Nacional. É urgente e vital que os poderes constituídos, especialmente o Congresso Nacional, atentem para os riscos envolvidos na negligência no trato das questões de defesa em geral e da guerra cibernética em particular.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e coautor em parceria com Vitelio Brustolin e Alcides Peron do artigo “Exploring the relationship between Crypto AG and the CIA in the use of rigged encryption machines for espionage in Brazil” (Cambridge Review of International Affairs, 2020)

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