O novo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos que se inicia nesta segunda-feira (20), coloca a economia global num contexto de incerteza. Se ainda não é possível saber qual será o impacto das promessas do republicano, o novo cenário de imprevisibilidade já acarreta custos mais elevados para o comércio internacional.
Desde que foi eleito, em novembro do ano passado, Trump já fez um série de ameaças. Afirmou, por exemplo, que pretende voltar com tarifas de importação e prometeu a deportação em massa de imigrantes. São políticas que, se adotadas, podem piorar o quadro inflacionário nos Estados Unidos, fazendo com que os juros globais permaneçam num patamar elevado.
Para o Brasil, representa uma dificuldade a mais na condução da política monetária num quadro que já é bastante delicado devido à elevada incerteza fiscal.
No comércio internacional, o que se espera é que o Brasil perca um aliado importante para o fortalecimento da sua agenda verde. Neste ano, o País será sede da COP-30 (Conferência das Nações Unidas Sobre Mudança Climática).
Nesse cenário internacional, o segundo mandato de Trump reforça a necessidade de o País seguir com uma agenda de melhora do ambiente de negócios e de busca pela diversificação de mercados no comércio exterior.
Abaixo, cinco analistas dizem o que esperar do novo governo Trump e quais serão os possíveis impactos para o Brasil.
Lia Valls Pereira: ‘Diversificar mercados e pauta de exportações continua sendo boa opção de proteção para o Brasil’
As incertezas no cenário político e econômico mundial dominam o início de 2025 com o governo Trump 2.0. Ressaltam-se, aqui, os temas que podem ter impactos no comércio exterior do Brasil.
No governo Trump 1.0, foi imposto um aumento de tarifas de importações sobre produtos siderúrgicos e de alumínio brasileiro, assim como para outros países. A proposta de um aumento generalizado de tarifas de importações como anunciado por Trump 2.0 poderia ser justificada pela Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA). No entanto, é mais provável, segundo declarações não oficiais de representantes do governo Trump, a escolha de setores/produtos a serem taxados, como seria o caso brasileiro. Na ausência da disciplina multilateral, o caminho é a negociação, como o Brasil fez em 2018. Nada é certo, porém. Já no caso da China não se descarta a ideia do uso do IEEPA, nem que seja como ameaça.
A posição da diplomacia brasileira é a de não alinhamento, e a agenda de acordos visa beneficiar os interesses nacionais. No final de 2024, foram assinados 37 acordos entre a China e o Brasil, sendo 11 memorandos de entendimento. Chama atenção a abertura do mercado de sorgo para as exportações brasileiras. Esse movimento de abertura para as exportações brasileiras mostra que o governo chinês já está antecipando possíveis estratégias para os conflitos que poderão vir com Trump. No governo Trump 1.0, a retaliação chinesa sobre as importações de soja oriundas dos Estados Unidos favoreceu o Brasil, que teve sua participação elevada, chegando ao redor de 70%, em 2023. Observa-se, porém, que a China pode usar “alívios na retaliação de produtos agrícolas” como moeda de troca com os Estados Unidos. Além disso, já existe pressão nos Estados Unidos para que se evitem perdas para o setor agrícola.
O grau de liberdade da diretriz do não alinhamento, no entanto, depende de quão “belicosa” será a disputa entre a China e os Estados Unidos. Mais do que a questão tarifária, temas associados às novas tecnologias preocupam. Entre os memorandos de entendimento assinados entre o Brasil e a China existe a proposta de uma parceria entre a Telebras e a Shanghai Spacesail Technologies Co., empresa chinesa, potencial concorrente da Starlink (de Elon Musk). Também há memorandos para cooperação na área de inteligência artificial, indústria fotovoltaica, ente outras. Memorandos são intenções muitas vezes não cumpridas, mas abrem espaços para outras interpretações num cenário de agravamento de tensões.
Por último, o Brasil irá sediar a COP-30 e a reunião anual dos Brics. Dois temas que o governo Trump não apoia. No primeiro caso, uma possível saída, novamente, do Acordo de Paris, enfraquece a procura por soluções de financiamento globais para a transição energética, um campo que o Brasil teria vantagens comparativas em alguns setores. No caso dos Brics, as propostas de intensificar o uso de moedas locais nas trocas comerciais entre os membros dos Brics foi interpretada como ameaça ao dólar. É esperar e observar como será o primeiro semestre do governo Trump 2.0. O desafio para o Brasil será o de reforçar a mensagem de que os Brics não são uma aliança “anti-Ocidente” e “anti-Estados Unidos”.
Diversificar mercados e a pauta de exportações continua sendo uma boa opção de proteção para o Brasil, além de prosseguir com a agenda de acordos de comércio e investimentos. Trump é, até o momento, um fator de geração de incertezas e imprevisibilidade no cenário mundial. A imprevisibilidade eleva os custos de transação no comércio. Manter sempre os canais abertos com os Estados Unidos numa visão “pragmática e negociadora” faz parte do cenário de minimização de custos.
Lia Valls Pereira é professora da UERJ, pesquisadora associada do FGV/Ibre e senior fellow do Cebri
Lucas Ferraz: ‘Brasil precisa seguir na busca contínua por reformas que levem à melhoria do ambiente de negócios’
O novo mandato do presidente Trump tem potencial para impactar significativamente a economia global. Caso venha a implementar tarifas de importação da ordem de 60% sobre as exportações chinesas e de cerca de 20% sobre as exportações do resto do mundo, a geografia do comércio internacional poderá sofrer novo e importante abalo, com consequências negativas para o crescimento global, sobretudo em um provável cenário de retaliação envolvendo China e União Europeia.
Para o Brasil, país que tem a China e os EUA como primeiro e segundo maiores parceiros comerciais, as exportações para estes destinos seriam impactadas de forma não trivial. Segundo estimativas do Centro de Negócios Globais da FGV-EESP, o agronegócio poderia aumentar as exportações para a China em cerca de 10,5%, enquanto as exportações manufatureiras para os EUA cairiam similares 10%. De forma geral, as exportações totais do Brasil sofreriam impacto negativo da ordem de 2,20%, enquanto China e Estados Unidos teriam seus PIBs reduzidos em 0,53% e 0,68%, respectivamente.
Em que pese a complexidade do cenário externo, o Brasil poderia tentar tirar proveito de movimentos de nearshoring (políticas para incentivar empresas a mudarem suas cadeias de fornecedores e logísticas para países próximos) e friendshoring (busca de parcerias estratégicas com países mais amigáveis nas relações diplomáticas), que tenderão a se intensificar, impulsionados pelo aumento da percepção de risco associado às cadeias de suprimentos internacionais. Para tanto, faz-se necessária a busca contínua por reformas que levem à melhoria do ambiente de negócios e ao aumento da nossa inserção internacional.
Sob o ponto de vista da economia americana, movimentos de maior protecionismo comercial e de expansionismo fiscal, em uma economia já aquecida, tenderiam a gerar maior pressão inflacionária. O consequente aumento das taxas de juros pelo Fed (o Banco Central americano) tem potencial para causar mais desvalorização da moeda brasileira e aumento da taxa Selic, alimentando uma dívida bruta que já se encontra em trajetória de crescimento acelerado.
Lucas Ferraz é coordenador do Centro de Estudos de Negócios Globais da FGV EESP
Welber Barral: ‘Desafio para o Brasil será navegar pela volatilidade global impulsionada pela imprevisibilidade do governo Trump’
O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos marca uma nova fase de incertezas para a economia global. Com um foco renovado em políticas protecionistas, como tarifas sobre aço e alumínio, e a ênfase em proteger indústrias americanas, espera-se que a política comercial dos EUA siga uma linha mais agressiva. Ainda assim, o impacto para o Brasil, em comparação a outras nações mais dependentes do mercado norte-americano, tende a ser moderado.
Um dos principais desafios virá da possibilidade de uma nova guerra comercial entre EUA e China. Trump já sinalizou a intenção de retomar medidas tarifárias contra Pequim, e a China, por sua vez, está se preparando para diversificar suas importações, ampliando compras de países como Brasil e Argentina. Para o agronegócio brasileiro, isso representa uma oportunidade de consolidar sua posição como fornecedor estratégico de alimentos e commodities. Contudo, a dependência crescente do mercado chinês também aumenta os riscos de retaliações caso a tensão entre as potências se intensifique.
No cenário geopolítico, a postura de Trump em relação à Ucrânia e à Rússia pode alterar significativamente as dinâmicas globais. Uma redução no apoio dos EUA à Ucrânia poderia desestabilizar ainda mais os mercados, impactando preços de commodities como grãos e energia, setores nos quais o Brasil é um exportador relevante. Além disso, o isolamento americano de fóruns multilaterais pode fragilizar instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), prejudicando a previsibilidade do comércio internacional.
Por outro lado, o retorno de Trump também pode abrir oportunidades. Países como México e Canadá, caso sejam diretamente afetados por políticas protecionistas, podem retomar negociações com o Mercosul, fortalecendo os laços comerciais regionais. Essa reconfiguração de alianças comerciais cria um espaço para que o Brasil amplie sua presença no mercado global, desde que adote estratégias assertivas e diversifique seus parceiros comerciais.
De toda forma, o principal desafio para o Brasil será navegar pela volatilidade global impulsionada pela imprevisibilidade do governo Trump. A fragmentação interna de seu governo, a disputa entre grupos descoordenados, a falta de uma agenda estruturada e a necessidade de equilibrar interesses no Congresso norte-americano tornam a construção de uma política externa coerente altamente improvável.
Diante disso, o Brasil deve se preparar para agir com flexibilidade e pragmatismo, fortalecendo suas relações bilaterais, investindo em competitividade e consolidando seu papel como um fornecedor confiável de alimentos, energia e minerais estratégicos. Em um contexto de incerteza, a missão do Brasil será transformar a volatilidade em oportunidades.
Welber Barral é consultor e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil de 2007 a 2011
Alessandra Ribeiro: ‘Efeitos da agenda de Trump evidenciam que o contexto internacional deve ser mais adverso para a economia brasileira’
Os efeitos da agenda sinalizada pelo governo Trump para a economia americana já têm sido, em parte, incorporados nos preços dos ativos financeiros nos Estados Unidos e no restante do globo. Além da calibragem que virá com o entendimento do grau de execução da agenda defendida durante a campanha, o mundo terá que lidar com suas consequências para crescimento econômico e para o comércio.
A reação tem sido: dólar mais apreciado e juros mais altos. No curto prazo, essa política deve impulsionar a demanda, o que, em conjunto com o aumento de tarifas de importação e a alteração na oferta de mão de obra, deve resultar em inflação mais pressionada. Isso exigirá postura mais dura do Banco Central americano com relação à política monetária, reduzindo menos a taxa de juros do que se projetava antes da eleição de Trump. No médio prazo, as consequências devem aparecer via menores ganhos de produtividade e crescimento potencial, além de dívida pública no país e juro de equilíbrio mais elevados.
Para a economia brasileira, pelo canal financeiro, parte dos efeitos dessa agenda já está incorporada nos ativos, especialmente via juros mais elevados e câmbio mais depreciado, na medida em que se tem pressão adicional sobre a inflação pelo canal da moeda, com necessidade de execução de política monetária mais dura pelo Banco Central brasileiro. Adicionalmente, tem-se os novos níveis de juros futuros nos Estados Unidos, balizando os juros futuros aqui no Brasil, o que magnifica a elevação do custo do crédito e de financiamento da dívida pública brasileira. Nos últimos meses, entretanto, esses efeitos foram potencializados pelo aumento de percepção de risco doméstico, diante da evolução da dinâmica dos gastos e do aumento da dívida pública, ampliando o desafio para o País navegar nesse novo contexto internacional.
Além das consequências pelo canal financeiro, devem ser observados efeitos pelo canal de comércio, que podem ser diretos e indiretos. No primeiro caso, por meio de taxação de produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos como ocorreu no primeiro mandato de Trump e, indiretamente, via menor crescimento da economia global. Ainda como consequências para o crescimento econômico, além do efeito ambiental para o mundo, espera-se limitação de oportunidades de investimentos em projetos relacionados à agenda verde na qual o Brasil tem claras vantagens comparativas.
Em suma, os efeitos da agenda de Trump evidenciam que o contexto internacional deve ser mais adverso para a economia brasileira, o que eleva a necessidade de execução de política econômica doméstica responsável, em especial com continuidade de endereçamento da dinâmica dos gastos obrigatórios, dado o risco de o País ser duramente penalizado em ambiente externo mais hostil e seletivo.
Alessandra Ribeiro é diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria
José Augusto de Castro: ‘Ameaça de possível elevação de tarifas seria um contrassenso, um tiro no pé’
O comércio exterior do Brasil com os EUA mostrou equilíbrio na balança comercial nos últimos dois anos. Enquanto nas importações predominam produtos manufaturados, nas exportações as commodities e produtos com pequeno beneficiamento se sobressaem. A consequência é a geração de déficit na balança de manufaturados, com perdas de empregos no Brasil e ganhos nos EUA, cenário muito interessante para os EUA.
Face a este quadro, não vislumbro uma ação contra o Brasil, mas que estes dados sejam mostrados e alardeados preventivamente.
Outro ponto que merece atenção é o fato de que, no comércio entre Brasil e EUA, são destaques as operações intercompanhias, realizadas entre matrizes e filiais sediadas nos dois países, com vantagens competitivas. Também neste caso não deve haver mudanças.
Em resumo, a ameaça divulgada de possível elevação de tarifas seria um contrassenso, representando um tiro no pé. Da mesma forma, as apregoadas barreiras às operações com países membros dos Brics, para atingir a China, também não devem prosperar.
Por outro lado, a adoção de quaisquer barreiras unilaterais podem afetar o comércio mundial, podendo provocar retração econômica, desemprego, menor comércio exterior, entre outros fatores. Entendo que as ameaças divulgadas até agora não têm força para causar problemas e impactos no cenário mundial.
José Augusto de Castro é presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB)
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