Em tempos marcados pela sucessão de conflitos armados, mudanças bruscas no equilíbrio de forças mundial e de incerteza quanto aos cenários futuros é instrutivo examinar a experiência histórica da participação direta do Brasil nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Há tempos o país carece de uma política nacional de defesa digna do nome e, se e quando o desafio de construí-la voltar a ser encarado, a reflexão sobre a experiência da Força Expedicionária Brasileira (FEB) certamente será de grande importância.
No segundo semestre de 1943 todas as dúvidas sobre qual lado venceria a Segunda Guerra Mundial foram encerradas. A partir de então passou a ser considerado inevitável o esmagamento do Eixo (Alemanha Nazista, Itália Fascista e Império do Japão) e, com ele, o prestígio e influência das ideologias totalitárias. Outra novidade era que a detestada e hostilizada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) havia deixado momentaneamente de ser o foco de propagação mundial da revolução comunista para se converter na principal potência em defesa do mundo livre contra a tirania nazifascista e, ao fim da guerra na Europa, também contra o Império Nipônico.
No Brasil, diante deste novo contexto, a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), baseada na intensa imitação das instituições nazifascistas e no anticomunismo, parecia fadada a desaparecer. Assim, Vargas percebeu que precisava se reposicionar no campo político e ideológico, repudiar suas conexões com o Eixo, relativizar seu anticomunismo, aderir ao compromisso com o combate ao nazifascismo e o restabelecimento da ordem democrática no pós-guerra.
Nesse sentido, assumia enorme importância para o projeto continuísta de Vargas a formação de uma Força Expedicionária Brasileira (FEB) e seu envio para lutar contra os países do Eixo junto as potências Aliadas. Outros membros do seu governo também entendiam que a FEB traria enormes vantagens, aumentando a importância política e diplomática regional do Brasil e garantindo um lugar de destaque para o país entre as potências mundiais nas negociações do pós-guerra.
A FEB foi criada em 6 de agosto de 1943, quase um ano depois da entrada do Brasil no conflito, especificamente para lutar além-mar. Planejada para ser formada aos moldes estadunidenses por três divisões, acabou sendo composta por uma única divisão, a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária (1ª DIE), comandada pelo General João Baptista Mascarenhas de Moraes e integrada por 15.069 militares. Também fazia parte da organização os militares lotados em unidades de apoio (órgãos não divisionários), 67 enfermeiras e um Depósito de Pessoal que somavam outros 10.265 indivíduos, perfazendo o total de 25.334 indivíduos.
Os efetivos iniciais, cerca de um terço do total, entraram em combate em setembro de 1944. Em novembro daquele ano a divisão estava completa e ficou na linha de frente até o fim da guerra na Itália em 2 de maio de 1945. No decorrer das operações militares a FEB teve 457 mortos, dos quais 13 eram oficiais e 68 sargentos. A grande maioria dos mortos (83%) pertenciam aos regimentos de infantaria (RI), sendo 144 do 1º RI, 124 do 11º RI e 103 do 6º RI. Foram feridos 1.549 brasileiros, sendo que a grande maioria, 1.146 militares ou 73% do total, foi vítima de estilhaços de granadas, tanto de morteiros quanto de artilharia. Outros 10% de feridos, ou 156 homens, foram atingidos por balas de armas portáteis, geralmente fuzis ou metralhadoras. Número quase igual de 153 feridos (9,8%) sofreu os efeitos do deslocamento de ar das explosões (“blast” ou “sopro”). Outros 84 (5,4%) foram feridos pela detonação de minas plantadas no solo pelos alemães. Diferentes tipos de armadilhas explosivas (“booby trap”) vitimaram outros oito brasileiros. Finalmente houve um único caso de brasileiro ferido por baioneta e um outro por Panzerfaust, que era como se chamava um dos tipos de bazuca alemã. Uma vez mais a vasta maioria das vítimas, 92% dos feridos, era da infantaria.
Além dos mortos e feridos a FEB teve 373 baixas psiquiátricas e o impressionante total de 7.396 doentes. Ambos os números provavelmente estão muito subestimados, devendo o verdadeiro total ser bem maior. Dos baixados ao hospital um grande número sofreu de doenças do aparelho respiratório, resultado da prolongada exposição ao clima de inverno no decorrer da guerra travada a temperatura de vinte graus negativos nas montanhas italianas. Cerca de 250 feridos, mutilados e doentes foram enviados para tratamento especializado em hospitais nos Estados Unidos e só voltariam ao Brasil vários meses depois do fim da guerra.
A FEB era apenas uma divisão entre as outras 23 que os aliados mantinham na frente italiana. Embora reduzido o efetivo sua contribuição acabou sendo importante. No que se refere aos êxitos da FEB cabe destacar o enfrentamento de inimigos oriundos de 13 diferentes divisões das potências do Eixo, das quais 3 italianas e as demais alemãs. Dentre as realizações da FEB, para além das vitórias em diferentes combates, se incluem a captura de 20.573 prisioneiros, em contraste com os 35 brasileiros capturados pelos alemães.
A fase inicial da história da FEB revela numerosas falhas nos processos de mobilização, seleção e treinamento, a maioria das quais perfeitamente evitáveis. Superada essa fase e tendo ganho experiência de combate, a FEB finalizou sua participação na Segunda Guerra Mundial de forma impressionante. Entre 26 e 28 de abril de 1945 cerca de três mil de seus integrantes derrotaram e praticamente cercaram, obrigando a rendição, toda uma divisão alemã, a 148ª. DI, e restos de outras unidades italianas, totalizando cerca de 15 mil prisioneiros.
Por conta de seu desempenho em combate e devido ao excelente relacionamento com a população civil italiana, ao acabar a guerra o governo Vargas foi sondado pelos EUA sobre a possibilidade de manter a FEB na Áustria como tropa de ocupação. Tal oferta não chegou a ser considerada no interior do governo, tendo sido examinada – e rejeitada – com base exclusivamente no parecer do próprio comandante da FEB, contrário à proposta. É de se imaginar que o Exército contasse com a FEB para atuar como instrutores e professores dos integrantes das demais unidades militares do Brasil. Contudo, não foi isso que aconteceu, já que a quase totalidade dos efetivos da FEB foi devolvido à vida civil às pressas e para sempre logo ao final da guerra.
A dissolução da FEB está ligada às providências do Ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, para neutralizar qualquer impacto político que a organização pudesse vir a ter nas eleições presidenciais. Dutra era candidato à sucessão de Vargas e temia que a FEB fosse mobilizada para engrossar a Campanha Queremista. O movimento reivindicava a eleição de uma assembleia nacional constituinte com Vargas no poder. Neste caso, não haveria eleições presidenciais.
Outros receios de Dutra se relacionavam à associação da FEB com o movimento comunista, então em franca ascensão dada a recente legalização do Partido Comunista, por um lado, e a pretendida “americanização” do exército brasileiro que os EUA pretendiam impor usando os quadros dirigentes da FEB, por outro. O primeiro receio era infundado, uma vez que apenas uns poucos ex-combatentes aderiram ao Partido Comunista. O segundo receio era bem real, uma vez que a FEB era a mais “americanizada” das unidades do Exército Brasileiro. A manutenção de todos seus quadros numa organização de pouco mais de cem mil homens, de fato, impulsionaria de forma irreversível a conversão de nosso exército em uma cópia subordinada e dependente do exército dos EUA.
Ainda assim a dissolução da FEB representou um enorme prejuízo para o Exército Brasileiro. Praticamente toda experiência de combate adquirida à duras penas na guerra foi perdida. Já para os veteranos de guerra o fim da FEB foi uma catástrofe sem paralelo. A rápida e atabalhoada desmobilização foi causa da maioria dos problemas que os ex-combatentes viriam a enfrentar em seu processo de reintegração social no pós-guerra. Uma desmobilização planejada e gradual muito teria feito por evitar uma grande quantidade de misérias, vexames e privações de que seriam vítimas os veteranos de guerra da FEB.
DENNISON DE OLIVEIRA é professor de História na UFPR, autor do livro “Aliança Brasil-EUA: nova história do Brasil na Segunda Guerra Mundial” (Juruá, 2015)
2 Comentários
Belo artigo professor! Sou militar do Exército e infelizmente a sociedade não conhece e tão pouco cultua os feitos heroicos dos nossos pracinhas.
Sirvo no Arquivo Histórico do Exército.
Abraço!
A cobra fumou!
A FEB foi uma das melhores tropas em combates da II Guerra Mundial; Jamais deveria ter sido extinta, pois serviria de Unidade Escola do Exército Brasileiro, meu pai Sebastião Rocha foi do 2º Escalão – 1º/1º RI.
Infelizmente o governo da época não valorizou os Ex-Combatentes, nem mesmo aqueles que foram recrutados para extrair borracha na Amazônia, eles também tinham direitos a penão especial e a medalha de esforço de guerra;
Hoje ao falar da FEB, as gerações mais novas não conhecem aqueles que ostentavam o símbolo da cobra fumando e, enfrentaram com coragem as tropas nazitas que atuavam na Itália;
Gente brava de todo o Brasil, incluíndo até nossos indígenas que foram recrutados e partiram para a Europa!