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24/04/2024



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O rei do cuspe

 O rei do cuspe

O velho Estádio Joaquim Américo tinha seu charme, apesar de desconfortável e mal-acabado. A única entrada era pela Rua Buenos Aires. Os degraus, de tijolo cru, sem reboco. Era o segundo estádio do Atlético no mesmo local, depois do campo original do Internacional. As tribunas, de concreto, tinham a frase pintada no alto da cobertura: “Uma vez Atlético, sempre Atlético”.

 

Ali não havia refletores, limitação que obrigava o Atlético a desempenhar seu papel em campo nas tardes da quarta-feira, assistido por público fiel, composto por conspícuos senhores de gravata e pasta executiva, a olhar para os lados com aquela expressão aterrorizada de quem podia encontrar o chefe – coxa-branca, sem dúvida – à procura de funcionários atleticanos gazeteiros.

 

Pois na Baixada, assisti assim, dia de semana, a um Ferroviário x Rio Branco que nada teve de épico, de inesquecível para a história do futebol mundial. Para mim, estará sempre na memória, pelo prosaico motivo que me apresso a relatar.

 

A Federação Paranaense de Futebol, movida pelos esdrúxulos critérios que regem as federações, marcou para a Baixada o dito jogo, sob a alegação de se tratar de partida válida pelo 3º Turno do campeonato, portanto, batalha a ser travada em campo neutro. Ora, campo neutro para jogo entre um time de Curitiba e outro de Paranaguá deveria ser o estádio do Cruzeiro de Morretes ou alguma clareira ao pé do Pico do Marumbi. Mas não discordemos do local da partida, visto ter me facilitado a ida ao estádio.

 

O Rio Branco trouxe o time de sempre, comandado por Calé e Odair, mas ainda sem Mandrake, apelido gerado por sua capacidade de esconder a bola com dotes de ilusionista. Do lado boca-negra, um time que não deixou saudades, com Osires no gol e jogadores de nome estranho, como tivemos o Mililique. Naquela tarde alinhamos um centroavante chamado Demeterco, que deve ter sido mais bem sucedido na rede de supermercados da família.

 

E lá estava eu, na doce inocência infantil, a assistir as botinadas de lado a lado, naquele quase pasto castigado por dois times de pernas-de-pau. O Ferroviário, não satisfeito em jogar mal, ainda perdeu o jogo. Perdeu perdido – e não roubado, ainda que este não tenha sido o entendimento da torcida.

 

O árbitro era um homem de tez escura, cabelos salpicados de branco – Ataíde Santos, a trazer um bíblico José como prenome. Terminada a batalha, o cansado árbitro ia descendo as escadas do vestiário, com a massa pendurada no alambrado a chamá-lo de ladrão. Carimbavam o velho homem de fardamento preto com uma série de cusparadas, a lhe escorrerem pelo rosto.

 

Quase a ponto de desparecer no túnel que dava acesso aos vestiários, sua senhoria virou-se para cima e disparou uma cuspida, certeira como tiro de revólver na mão de Clint Eastwood. E lá veio o torpedo. Passou ao lado de um braço, desviou um ombro e acertou em cheio o rosto daquele torcedor mirim, o futuro Hermann, como sempre no lugar errado, na hora errada.

 

O pobre garoto, agora cuspido e batizado, por algum estranho prurido jamais voltou a se aproximar de alambrados.

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