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Pesquisa aponta influência da ideologia dos ministros do STF em decisões; veja como vota cada um

16/11/2024

estadão

As decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são influenciadas, em grande medida, por suas orientações ideológicas, desafiando a visão tradicional de que os juízes da Corte atuam de forma neutra e isenta de influências externas. A conclusão é resultado do estudo realizado pelo pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Shandor Torok. Além de mostrar como as crenças pessoais moldam o comportamento judicial dos magistrados, a pesquisa também identifica a formação de blocos conservadores e progressistas no Supremo a partir de critérios definidos pelo pesquisador.

Especialistas ouvidos pelo Estadão destacam que, em tese, não há problema em os ministros terem ideologias, já que crenças são inerentes a qualquer indivíduo. No entanto, o que gera uma percepção negativa é o histórico de atuação dos magistrados da Corte, frequentemente marcado por comportamentos alinhados à conjuntura política, falta de transparência e excesso de individualismo – fatores que, somados à ideia de que as decisões são influenciadas por crenças pessoais, comprometem a reputação do Supremo, além de afetar a percepção de imparcialidade e legitimidade da instituição. Procurado pela reportagem para comentar os resultados da pesquisa, o Supremo não respondeu. O espaço segue aberto para manifestação.

O estudo empregou uma metodologia quantitativa originalmente aplicada na análise das decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos e adaptada ao contexto brasileiro. Foram avaliados cerca de 1.500 processos julgados no plenário do STF entre 2010 e 2018 em que houve divergências de votos entre dois ou mais ministros. Com base nos resultados, foi desenvolvido um modelo replicável, capaz de mapear a ideologia de qualquer magistrado da Corte, mesmo em períodos posteriores, além de identificar padrões de posicionamento em diferentes contextos.

Para determinar a direção ideológica das decisões, a pesquisa identificou inicialmente o tema que motivou a divergência entre os votos dos magistrados e, na sequência, classificou como progressistas quando o posicionamento favorecia o lado mais vulnerável da disputa ou conservadores quando beneficiavam a parte mais poderosa. Assim, decisões favoráveis a consumidores ou grupos minoritários, como indígenas e pessoas LGBTQIA+, foram consideradas progressistas. Por outro lado, posicionamentos que favoreciam, por exemplo, grandes empresas em disputas trabalhistas foram definidos como conservadores. Casos em que a posição do juiz não alterava o resultado ou não se encaixava nessas duas categorias foram considerados neutros.

“Essa é uma pesquisa que busca, essencialmente, uma compreensão mais sofisticada dos padrões comportamentais dos ministros do STF e procura entender qual é o papel da ideologia no processo de tomada de decisão. Os resultados ajudam as pessoas a compreender melhor o comportamento dos ministros, contribuindo para o aperfeiçoamento da Corte”, afirmou Shandor, que também atua como procurador do Estado de Mato Grosso do Sul.

Foram identificadas três tendências na composição do STF: o grupo conservador, composto por Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Dias Toffoli; o centro, representado por Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Cristiano Zanin; e a ala progressista, formado por Flávio Dino e Edson Fachin. As posições de Nunes Marques, Mendonça, Zanin e Dino foram projetadas pelo pesquisador, considerando que esses ministros ingressaram na Corte recentemente.

Embora tenha sido observada uma estabilidade ideológica significativa entre os ministros, mesmo diante de crises políticas ou mudanças na composição da Corte, alguns magistrados apresentaram variações ao longo do tempo. Um exemplo é Dias Toffoli, indicado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2009, que, de garantista no caso do Mensalão, em 2012, passou a adotar uma postura mais conservadora a partir do impeachment de Dilma Rousseff, em 2015, chegando a negar a Lula o direito de comparecer ao velório de seu irmão em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). No entanto, no novo mandato do petista, o ministro tem assumido posições diferentes, como a anulação de provas obtidas pela força-tarefa da Lava Jato e a suspensão de acordos de leniência firmados com empresas investigadas pela operação.

Já Barroso, apesar de adotar uma postura progressista em questões relacionadas a direitos individuais, como o aborto, apresenta votos conservadores em disputas trabalhistas, decidindo a favor de empresas em conflitos com empregados e contra sindicatos. O estudo usa como exemplo a posição do ministro na discussão sobre a Reforma Trabalhista, em casos tributários envolvendo empresas e no apoio à autonomia do Banco Central – uma visão liberal na economia que o posiciona como centrista na classificação.

Por outro lado, Moraes, indicado por Michel Temer em 2017, inicialmente se destacou como um dos mais conservadores na Corte, segundo os critérios da pesquisa, mas se tornou um dos principais algozes de Bolsonaro durante o mandato do ex-presidente. “Apesar de Moraes ser um conservador, quem não lembra dele cortando pés de maconha no Paraguai, quando assumiu a relatoria dos diversos inquéritos contra o governo anterior, o ministro foi muito duro com o ex-presidente, a ponto de inviabilizar qualquer proximidade entre ambos”, diz Shandor.

Comportamento dos ministros gera percepção negativa sobre ideologia

Para o jurista e professor do Insper Diego Werneck Arguelhes, a conotação e o estigma negativos atribuídos às ideologias decorrem do comportamento judicial dos ministros, caracterizado, entre outros fatores, pela politização e pelo controle informal da pauta de julgamentos, em que os juízes da Corte decidem, na maioria das vezes, o que será julgado e quando, de acordo com a conjuntura do momento.

“O mais preocupante é os ministros serem percebidos como atores alinhados ao cenário político atual, o que compromete a confiança pública na Corte,” disse Werneck.

A coordenadora do Núcleo de Justiça e Constituição da FGV-SP, Luciana Gross, por sua vez, avalia que a ampla gama de poderes constitucionais atribuídos à Corte, combinados à conjuntura política polarizada e à exposição midiática assumida por alguns ministros, aumenta o risco de que, em determinadas ocasiões, surja a percepção de que as regras possam ter sido suprimidas por crenças individuais – especialmente em decisões controversas –, comprometendo a imagem de imparcialidade técnica do Tribunal.

“A grande discussão que precisamos considerar é se cabe a um único tribunal ter tantas funções e competências tão diferentes, como o STF, que exerce controle de constitucionalidade e atua como tribunal originário para foro privilegiado em questões criminais. Assim, a Corte se expõe a um risco ainda maior”, afirmou.

Na mesma linha, o pesquisador e doutor em Ciência Política pela University of Illinois, Chicago (EUA) Luciano da Ros explica que a legitimidade do STF está fundamentada em um discurso de imparcialidade técnica, que diferencia a Corte – uma instituição não eleita – dos poderes eleitos e marcados por ideologias. Em sua avaliação, os ministros se apresentam como “agentes do Estado”, distantes do varejo político e dos interesses que caracterizam outros atores, devendo, portanto, exercer suas prerrogativas constitucionais de forma mais contida e restritiva, com uma atuação transparente e colegiada – um comportamento essencial para evitar o aumento da desconfiança pública na instituição.

Igualmente, a jurista e coordenadora do Observatório da Justiça no Brasil e na América Latina, Marjorie Marona, ressalta que as evidências de que as decisões dos ministros refletem suas crenças, valores e visões de mundo, mesmo no complexo contexto brasileiro da Corte, destacam a necessidade de uma reflexão que amplie as abordagens sobre o desempenho do tribunal, levando em conta também o “material humano”.

“(Os resultados do estudo) abrem um universo de possibilidades para lidarmos com o desempenho do STF considerando, também, o material humano. Isso pede uma reflexão que vai desde o modelo de ensino jurídico que adotamos no Brasil, passando pelos processos de socialização nas carreiras jurídicas, até os métodos de seleção dos ministros do STF, por exemplo”, disse.

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