Por Isabella Honório
Entre a última quinta-feira (16) e esta segunda-feira (20) aconteceu em Curitiba o Psycho Carnival, o maior festival de psychobilly da América Latina, que retornou após o hiato da pandemia. Quando o sol se punha e a lua aparecia – como já diria The Cramps – o som começava a rolar no Jokers Pub. Além das 39 atrações nacionais e internacionais, a programação paralela contou com shows gratuitos, bazar, esquenta com DJs e rodas de bate-papo. Os shows foram memoráveis, com performances clássicas do billy, fazendo casais se tirarem para dançar no estilo anos 1950, dividindo a pista com as rodas punk dos shows de hardcore. O evento foi um ponto de encontro dos grupos apaixonados pelo gênero, renovando por mais um ano o título da cidade de capital do psychobilly.
O festival, que está na sua 22ª edição, funciona como uma vitrine da cena local e internacional do estilo que mistura rockabilly, punk e o que mais der na cabeça. Em 2023, foram oito nomes estrangeiros. Participaram bandas do Chile, Colômbia, Espanha, Alemanha e Países Baixos. Entre as brasileiras de destaque estão Os Replicantes, Sick Sick Sinners, Agrotóxico, Kães Vadius e Flicts. O Jokers Pub estava preparado para receber o festival, com o bar e cozinha a todo vapor, além de um bazar no segundo andar, com stands de discos de vinil, artigos de tabacaria, camisetas e artesanatos. A programação paralela aconteceu à tarde no Lado B e Janaíno Vegan.
Line-up de arrepiar
A festa começou na quinta-feira, para acompanhar o clima frio do carnaval curitibano. A noite teve show de três bandas locais – Hillbilly Rawhide, Double Shot e Cavaleiros Temporários – para dar um gostinho do que seria o festival. Na sexta (17), o line-up foi variado. O grupo Vurtu, do interior de São Paulo, foi o primeiro a subir ao palco, seguido de Cowboys From Hell, trazendo seu psychobilly clássico diretamente da Colômbia para o Brasil pela primeira vez. Rob, o baterista do Cowboys conta sobre o contato com o público brasileiro: “foi incrível, não esperávamos que as pessoas reagissem da forma que reagiram. O público ficou louco, dando golpes e dançando. A cena de Curitiba é muito receptiva”.
A noite estava longe de acabar quando Tampa do Caixão, de Joinville, e a local Mongo se apresentaram. 13 Bats, que está na sua terceira participação no festival, se apresentou logo em seguida. Quem fechou a noite foi No Milk Today e os gaúchos Os Replicantes, um dos maiores nomes do punk brasileiro, na estrada desde 1983, quando o gênero começava a chegar por aqui. O vocal de Julia Barth não decepciona. O destaque vai para a querida faixa Quero Uma Festa Punk, com uma performance cheia de energia.
No sábado (18), a abertura da noite ficou por conta dos paulistanos The Edwoods, seguidos de Stompin’ Mutants, de Londrina, e Sangue de Androide, também de São Paulo. O resto da programação agradou quem curte música mais pesada. Os alemães do Church Of Confidence tocaram alto e rápido. A banda existe desde 1995, combinando elementos do rock da época de Chuck Berry com punk e glam. A banda ainda incluiu no set-list uma versão de Going To Brazil, do Motorhead.
Uli, vocalista e guitarrista do Church of Confidence afirmou que sua primeira passagem pelo país termina deixando uma boa impressão: “O público foi muito acolhedor e caloroso. Quando você toca nesse tipo de evento, onde não são todos que te conhecem, nunca se sabe como vai ser a recepção. Mas quando começamos a tocar, estavam nos assistindo, adoraram e dançaram […] A noite foi ótima”.
Os londrinenses do Frenetic Trio fizeram a casa tremer ao som dos guturais absurdos – dá para sentir a forte influência de death metal assim que o vocalista, Frenetic Z, começa a cantar. O trio tem a ideia de fazer um som original e agressivo, revela o baixista Theo. O trio agitou a platéia, que abriu uma roda punk na pista. A banda Flicts, consistente nome da cena punk nacional, se apresentou logo depois. Sick Sick Sinners, uma das principais bandas de psychobilly de Curitiba, encerrou o sábado do festival, com a levada do contra-baixo típico do estilo musical. O vocalista e guitarrista do Sinners, Vlad Urban, é um dos produtores do evento, que ele descreve como “uma agenda mundial do psychobilly”.
Domingo (19) começou com punkabilly. Diablos Suicidas, do Chile subiu ao palco às 19h. Com toda a potência do hardcore, palhetadas rápidas e letras politizadas, Agrotóxico trouxe a mais pura atitude punk. As bandas paulistas Run Devil Run e The Mullet Monster Mafia também deram um show. O headliner do dia foi a tradicionalíssima Ovos Presley, que fez o público pular e cantar. Disturbance, dos Países Baixos e Rat Demons, da Colômbia, também se apresentaram.
Os colombianos tocaram uma música em homenagem à Gus Tomb, baixista da banda lendária Os Catalépticos e dono do instrumento mais famoso do psychobilly, o Coffin Bass (um contra-baixo em formato de caixão), que faleceu em 2021 e a quem foi dedicada esta edição do festival. Mi Mejor Pesadilla, a faixa escolhida para a homenagem é a primeira da banda, e tem um valor sentimental para Billy, baixista e vocalista. Ele conta: “é uma música para pessoas que já não estão mais conosco. Eu perdi minha irmã por causa da violência do Estado e perdi meu pai há alguns meses. Tudo na vida é tão valioso… se você não vive a vida como deve ser vivida, quando percebe, você fecha os olhos e já deixa de existir”.
Os curitibanos do Psycho Daime e Fish’n Creepers foram os primeiros a subir ao palco no domingo, com um psychobilly clássico. Pisscharge chamou a atenção. A banda, formada na Alemanha, é formada pela vocalista Kassandra e o baterista João, ambos brasileiros, e Cris na guitarra, do Chile. Apenas Nico, o baixista da banda de d-beat, é alemão. O show foi perfeito para quem curte música tocada com um ritmo frenético e muita gritaria. As letras tem uma proposta interessante – falar da política brasileira na Europa. Kassandra explica que os alemães, no geral, tem bastante interesse em entender o que acontece aqui. “Já tive a experiência de virem me agradecer por levar essa informação. Tem coisas que não saem na mídia e as pessoas não ficam sabendo, então é bem importante espalhar isso. E eles adoram, por mais que não entendam o que a gente fala, nós disponibilizamos a tradução das músicas no Bandcamp“, diz ela.
O último dia do Psycho Carnival teve um line de peso – Billys Bastardos e Red Lights Gang vieram logo em seguida. Kães Vadius, banda pioneira do psychobilly brasileiro, fez um show animado e com um toque de psicodelia – não é a toa que seguem firmes na cena desde a década de 1980. Quem encerrou a festa, às 01h de terça-feira (21), foi o grupo Damage Done By Worms, de Berlim, com um riffs e solos de guitarra que levaram de volta aos tempos de Elvis Presley.
Capital do psychobilly
“Curitiba é uma cidade que roubou nosso coração. Chegamos justamente na época de carnaval e vimos como as pessoas dançam e se divertem. Estamos emocionados com toda a cena de psychobilly daqui, o que vocês fazem é muito bom. No Chile também temos uma cena, mas é algo mais desorganizado, é diferente. Aqui se nota uma organização, e que vocês tem muita vontade e energia”.
É assim que Sammy, vocalista e guitarrista do Diablos Suicidas, descreve o clima que sentiu na cidade sede do festival. Curitiba se consolidou como capital do estilo na década de 1990, e concentrando bandas que foram responsáveis por manter a cena viva, como Os Missionários, Os Cervejas e Os Catalépticos – que, inclusive, está com uma biografia no forno. O livro Psychobilly Is All Around – A História do Trio Curitibano ‘Os Catalépticos’, escrito pelo jornalista Marcos Anubis e que será lançado ainda neste ano de forma independente, conta a história da banda e da música curitibana. A pré-venda está disponível no link.
Espaços devotos ao estilo de vida psychobilly também estão espalhados pela cidade, como aponta Miguel, guitarrista do Rat Demons. “Curitiba me impressionou muito. Aqui existem muitas coisas dedicadas ao psychobilly, tipo lojas que vendem roupas do estilo e barbearias”, apontou.
No feriado, tanto as bandas locais quanto as internacionais puderam perceber a importância da cidade para o cenário. Para Theo, baixista do Frenetic Trio, “sem dúvida alguma Curitiba é a capital do psychobilly, e isso faz parte da nossa história. Nós somos de Londrina e frequentamos Curitiba há 30 anos. São muitas amizades e muitas bandas. Curitiba representa tudo isso, o espírito do psychobilly saiu daqui”.
O line-up ainda valorizou o movimento latino-americano. Billy, vocalista e baixista do Rat Demons, conta sobre as dificuldades de se fazer música no continente e acredita que o sucesso da apresentação da banda é resultado da forma com que Curitiba compreende a essência do gênero. “O psychobilly na Colômbia era muito primitivo. Se você conseguisse um contra-baixo, ele tinha cordas de metal para fazer música clássica. Mas interpretar o psychobilly exige instrumentos e ferramentas com as quais seja possível fazer com que a música soe como deveria, como soou aqui, porquê aqui existe história, e se compreende o som”, disse ele.
Fora dos palcos
O evento também contou com a presença do Instituto Todas Marias, que acolhe pessoas em situações de abuso e violência doméstica, com um stand no segundo andar do Jokers durante todos os dias do festival. De acordo com a fundadora do projeto, Goretti Bussolo, a presença do instituto nesses espaços é essencial para abrir o diálogo com mulheres e homens sobre o tema.
Ainda na Rua São Francisco, o Janaíno Vegan, bar com cardápio vegano, recebeu o esquenta com discotecagem dos DJs Jeferson Red Star, Kelley Joy e Therencio. No Lado B, houveram os shows gratuitos das bandas paranaenses Wi-fi Killse Zabilly, e Resistentes, de Rio Claro.
O festival se espalhou pelo centro da capital paranaense. No Teatro Universitário de Curitiba (TUC), as manhãs de sábado e segunda receberam o workshop de produção audiovisual do produtor e fotógrafo Cleiner Micceno. O período da tarde contou com bate-papos com as bandas. No sábado, Cowboys From Hell, Rat Demons e Diablos Suicidas, Angelo Stroparo e Jeff Araújo, do Coletivo das Culturas, e o produtor Fabricio Vitor foram convidados para falar sobre iniciativas no underground. Na segunda, foi a vez da banda Pisscharge trocar uma ideia sobre intercâmbio cultural, com a participação de Péricles Bostelmann, do Instituto Goethe, e Otavio Bob Zucon, também do Coletivo das Culturas. A mediação foi da jornalista Adriane Perin.
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(Fotos: Isabella Honório)