O Brasil é uma República Federativa e Democrática. Os entes federados (Estados e o Distrito Federal) são igualmente representados no Senado Federal e os eleitores elegem seus representantes democraticamente para compor de forma proporcional à Câmara dos Deputados. Tanto a composição do Senado quando a da Câmara padecem de graves distorções que comprometem sua legitimidade e representatividade. Tais distorções remontam ao século passado e devem ser assim entendidas para serem o mais rapidamente possível superadas.
O caso do Senado é mais fácil de se entender e resolver. Sua função é representar de forma equitativa os 26 Estados da federação brasileira e mais o Distrito Federal. Todos estes entes federados enviam o mesmo número de três representantes para tomar parte no corpo legislativo de 81 senadores. Entre as questões que merecem ser revistas neste esquema de representação cabe citar: o número de senadores por unidade da federação; o caráter antirrepublicano da escolha dos suplentes; a duração do mandato; a função institucional do Senado.
O número de senadores pode ser revisto para baixo, no caso de um ou dois senadores por Estado ser considerado suficiente. Longe de ser sintoma de desprestígio, um Senado com menor número de integrantes aumentaria a importância relativa de cada senador. Seus suplentes devem ser escolhidos pelo voto direto, como são os titulares. Isso evita práticas patrimonialistas e arcaicas. Atualmente fica a critério exclusivo do titular escolher seu suplente. Geralmente a escolha recai sobre algum parente, um sócio, algum patrocinador ou aliado econômico.
A duração de oito anos para cada mandato pode ser excessiva. Em algum momento devemos considerar um mandato de quatro anos como é o caso dos deputados federais. Finalmente, o Senado deve deixar de ser revisor ou competidor da Câmara dos Deputados na elaboração de leis para se dedicar ao papel de organizador do pacto federativo, tratando de questões de interesse da federação, bem como assumindo suas responsabilidades na elaboração e monitoramento da política externa e de defesa, há tempos fora do âmbito das preocupações dos parlamentares.
Já o caso da Câmara de Deputados é crítico uma vez que se trata de um caso de aberrante distorção do princípio da representação proporcional que, no limite, invalida a própria ideia de democracia representativa. O problema ganhou nova e ainda pior dimensão em abril de 1977. Naquela época, usando do autoconcedido poder autoritário, a ditadura militar impôs um novo piso e teto para o número de deputados por Estado.
O objetivo deliberado era aumentar o controle sobre o Congresso Nacional. Por um lado, foi inflada a representação dos Estados menos povoados, mais pobres e, portanto, mais dependentes do repasse de verba federal, inclusive como instrumento de competição eleitoral. O número mínimo de deputados federais por Estado passou de três para oito. Por outro, se buscava a contenção na Câmara do número de deputados federais oriundos dos Estados mais populosos, ricos e desenvolvidos, até então os principais focos de oposição à ditadura. Foi imposto então o teto máximo de apenas setenta deputados federais por Estado.
É realmente espantoso que tamanha causa de desproporcionalidade eleitoral tenha sido mantida pelos deputados constituintes em 1988 e, de fato, siga em vigência até hoje. O resultado é a completa anulação do princípio fundamental da democracia representativa segundo o qual todo eleitor é igual e cada voto vale o mesmo: um eleitor.
Os resultados são grotescos. Estados como Roraima, Amapá e Acre que deveriam ter apenas um deputado tem oito. Outros Estados beneficiados pelo elevado piso de oito deputados são Tocantins e Rondônia (que deveriam ter três), Sergipe, Amazonas e o DF (deveriam ter cinco), Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (deveriam ter seis) e Alagoas (sete). No outro extremo, dos Estados cujos eleitores foram condenados à sub-representação, estão os mais populosos do Brasil como São Paulo (ao qual falta 54 deputados), Minas Gerais e Rio de Janeiro (falta cinco), Rio Grande do Sul (falta quatro) e Bahia (falta três). Nos demais Estados a representação se aproxima bastante da proporcionalidade entre bancada eleita e número de eleitores, com variação de um ou dois deputados.
Há tempos se fala que a democracia brasileira está em crise, por conta deste ou daquele fator ou série de fatores. Dado o bizarro critério vigente de distribuição de cadeiras na Câmara dos Deputados por Estado é o caso de perguntar se algum dia, de fato, tivemos democracia no Brasil.
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Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR, autor do livro História do Brasil: política e economia (IBPEX, 2009)