Além dos clássicos A Sangue Frio e Bonequinha de Luxo, Truman Capote deixou muitas obras incompletas e inéditas.
Capote, que morreu em 1984, pouco antes de completar 60 anos, passou boa parte de seus últimos anos lutando para escrever sua planejada obra-prima proustiana, Súplicas Atendidas, da qual se divulgaram apenas alguns trechos. Quando jovem, ele escreveu um romance sobre um caso de amor entre uma socialite e um vigia que foi publicado postumamente com o título Travessia de Verão.
Trabalhos mais curtos também foram deixados de lado, inclusive um conto lançado pela primeira vez em inglês neste mês.
Capote tinha vinte e poucos anos e era uma estrela em ascensão quando se mudou de Nova York para Taormina, na Sicília, em 1950, e se estabeleceu numa villa pitoresca chamada Fontana Vecchia, outrora ocupada por D.H. Lawrence. Aclamado por seu romance de estreia, Outras Vozes, Outros Lugares, e por seu misterioso conto Miriam, Capote descreveria a mudança para a Europa como uma fuga necessária da cena literária americana, que ele comparava a viver dentro de uma lâmpada. Na Sicília, ele escreveu o romance A Harpa de Ervas e trabalhou em vários contos.
“Estou muito feliz por voltar a escrever contos – são meu grande amor”, escreveu ele a um amigo.
Um dos contos da Sicília, Another Day In Paradise aparece agora na nova edição da The Strand Magazine (a revista dos EUA aceita pedidos de assinatura e venda avulsa com entrega internacional, com taxa de US$ 15 – cerca de R$ 75 para o Brasil).
Escrito num momento de relativo contentamento para Capote, Another Day é uma narrativa de desilusão e armadilha: a herdeira americana de meia-idade Iris Greentree usou sua herança – uma herança pequena, porque sua mãe não lhe confiava dinheiro – para comprar uma villa na Sicília. Ela acabará traída pelo homem que a convenceu a investir seu dinheiro, o signor Carlo Petruzzi, e arrasada o bastante para vender a casa e voltar para os Estados Unidos.
“Ele era um bandido emocional e, além disso, um gangster comum que embolsara pelo menos metade do dinheiro supostamente gasto em Belle Vista. Ela até poderia perdoar tudo isso – poderia perdoar, mas não perdoou. O imperdoável do comportamento daquele homem horrível era que ele destruíra o significado destas linhas de seu diário: ‘Eu pertenço. Finalmente, a algum lugar’”.
Grande parte da ficção de Capote se ambientava em Nova York ou no sul dos Estados Unidos, mas Another Day in Paradise tem o ritmo fácil, a linguagem adornada e o humor cortante – às vezes cruel – de sua obra mais conhecida, com temas como solidão, medo e arrependimento. Thomas Fahy, autor de Understanding Truman Capote, diz que o autor provavelmente se identificava com a sensação de deslocamento e distanciamento de Iris Greentree.
“Ele estava sempre se mudando, desde a infância, de Nova Orleans ao Alabama, de Nova York a Connecticut”, diz Fahy. “Dava para ver como a vida dele era solitária e isolada”.
The Strand publicou obras raras de Ernest Hemingway, John Steinbeck e muitos outros. O editor-chefe Andrew Gulli encontrou o conto de Capote na Biblioteca do Congresso, dentro de um “velho caderno florentino de capa vermelha e dourada”, escreve ele no editorial da Strand. O manuscrito, trabalhado a lápis, às vezes era tão difícil de decifrar que Gulli precisou de um transcritor para ajudá-lo a preparar a publicação.
Fahy diz que a estada de Capote na Sicília, onde permaneceu por pouco mais de um ano, o deixou com o tipo de sentimento que muitos autores têm quando estão longe do país de origem: uma sensação intensificada de distância que provavelmente inspirou Another Day in Paradise e uma clareza maior, de que ele se valeu para escrever A harpa de ervas e suas memórias dos anos em Monroeville, Alabama.
Gerard Clarke, biógrafo de Capote, diz que o autor se mudou para a Sicília em parte porque seu companheiro, Jack Dunphy, queria morar no exterior e porque o forte dólar americano fazia com que a Itália fosse mais acessível que Nova York. Nem Clarke nem Fahy conseguiram apontar para um modelo específico de Iris Greentree na vida real, mas Capote se refere a uma possível inspiração – a tia de um menino que entrega gelo – em seu ensaio Fontana Vecchia, escrito no início dos anos 1950.
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