Desde 2009, quando os primeiros modelos chegaram ao mercado, os relógios inteligentes têm sido úteis para as pessoas que se exercitam com regularidade, seja para mostrar a pulsação, o número de passos dados, as calorias gastas. A tecnologia se aprimorou e, atualmente, os smartwatches podem mostrar muito mais do que isso: qualidade do sono, frequência cardíaca e pressão arterial. O maior problema com o uso da tecnologia digital na saúde, no entanto, é a falta de estudos sobre segurança de dados e sobre questões éticas envolvendo as informações geradas, por exemplo.
Os aparelhinhos podem, em alguns casos, detectar precocemente alguns problemas de saúde e avisar ao usuário de eventuais alterações preocupantes, além de oferecer conselhos personalizados. Alguns modelos podem até enviar as informações remotamente para o médico. Profissionais de saúde se mostram otimistas com as inúmeras perspectivas na área da medicina e do bem-estar em um futuro próximo, para controle da asma, da pressão sanguínea e dos níveis de açúcar no sangue.
“A inteligência artificial incorporada aos relógios veio para ficar e auxiliar na busca por melhores resultados para os pacientes”, afirmou Maurício dos Santos, especialista em fisiologia do exercício da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Já conseguimos monitorar a pressão arterial e a frequência cardíaca por exemplo. Caso algum índice seja extrapolado, o usuário já sabe que deve procurar um médico. Já existem outros indicadores que devem ser incorporados em breve aos relógios, que nos permitirá monitorar a glicemia de indivíduos diabéticos e pré-diabéticos e enviar alertas como ‘cortar o açúcar’, ‘reduzir a ingestão de ultraprocessados’.”
Outra vantagem dos relógios inteligentes, segundo o especialista, é a conscientização dos usuários em relação à própria saúde.
“As pessoas que usam os dispositivos se engajam melhor no tratamento e no aprendizado sobre as suas condições; elas aprendem a lidar com os indicadores, os limites e respondem melhor ao tratamento”, afirmou. “Ou seja, os relógios só têm nos ajudado, no monitoramento, no engajamento, no aprendizado e no controle das condições.”
Avanço
A tecnologia dos dispositivos inteligentes móveis foi criada na década de 60, no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, mas só se popularizou na última década. Atualmente, pelo menos 30% dos americanos usam algum tipo de dispositivo, como relógios, anéis, patches (adesivos) e até roupas. Não há uma estimativa semelhante no Brasil, onde a tecnologia ainda é mais cara, mas vem se tornando mais popular.
Em 2021, um estudo publicado na Frontiers in Digital Heatlh demonstrou a eficiência de um dispositivo inteligente para monitorar a dispneia do sono em pacientes terminais. Colocado no peito do paciente, o dispositivo avisa quando detecta a dificuldade de respirar.
Embora a ideia seja valiosa, nenhum profissional de saúde minimamente preparado teria dificuldade de detectar o problema em um paciente terminal. Trata-se de um sintoma simples de ser detectado e tratado. Ainda assim, poderia ser útil para um cuidador sem treinamento médico, por exemplo, ou membros da família do doente.
Especialistas alertam para os riscos de passar a monitorar um dispositivo, em vez de monitorar um paciente. Já virou piada a história do sujeito que deu entrada em uma emergência porque estava “sem pulso”. Diagnóstico do médico: recarregar a bateria do smartwatch.
Mas nem sempre é assim.
“O meu smartwatch detectou fibrilação atrial no dia seguinte da minha primeira dose de vacina contra a covid”, afirmou o chef brasileiro Fernando Peralta, de 52 anos, que vive nos Estados Unidos. “O cardiologista atestou que estava relacionado. Tomei outras três doses depois e monitorei sem problemas. Também costumo medir o número de passos e quilômetros de caminhada todos os dias.”
Doenças crônicas
Pacientes com doenças crônicas também são grandes candidatos a usar, cada vez mais, os relógios inteligentes. Um estudo de 2019 mostrou que os dispositivos podem ser muito úteis para monitorar pacientes com câncer, por exemplo. Alguns modelos podem detectar um declínio na condição do paciente e enviar a informação para o médico, de uma forma mais rápida e eficiente do que esperar pela ida do doente a um hospital.
É o caso de Laura Lessa, de 45 anos, que tem lúpus, uma doença inflamatória autoimune.
“Eu dei de presente para a minha esposa um smartwatch para que ela pudesse medir os batimentos cardíacos, devido à sua condição de saúde. Como ela é portadora de lúpus, precisa ter cuidados redobrados”, disse o jornalista Diogo Tirado, de 49 anos, que vive com a mulher em Lisboa. “Em novembro do ano passado, ela teve covid-19 e, em seguida, uma pneumonia. Então precisa ficar monitorando a saturação de oxigênio. Tivemos que trocar o relógio por um novo modelo, mais atual, que faz isso.”
Smartwatches capazes de detectar dados cardiológicos, como batimentos cardíacos, pressão sanguínea e atividade elétrica do coração, podem ajudar a monitorar pacientes com problemas cardíacos. Relógios inteligentes também podem aprimorar a detecção precoce de doenças infecciosas, como a covid-19. Um estudo feito pela Oura, empresa americana de tecnologia de saúde dos EUA, sustenta que o seu dispositivo inteligente pode indicar a infecção 2,75 dias antes da média.
Detecções precoces de determinados parâmetros de saúde são benéficas aos pacientes de forma geral e podem reduzir custos de novas internações. Esses dados também podem tornar mais eficazes as teleconsultas ao enviar informações para o médico antes do atendimento, por exemplo.
Confiabilidade
Outro trabalho, de 2021, buscou entender a relevância dos dispositivos inteligentes para a indústria do bem-estar. Eles conseguiram determinar que 71% dos pacientes que buscavam baixar a pressão sanguínea e usavam smartwatches foram bem sucedidos em seu objetivo, contra 30% dos que conseguiram sem a ajuda dos dispositivos.
A tecnologia ainda está em desenvolvimento, segundo especialistas. O tipo de dado levantado e sua acurácia são alguns parâmetros que devem melhorar muito. Mas ainda há grandes desafios, como o custo dos aparelhos e a integração dos dados gerados ao sistema de saúde, além da questão da segurança das informações geradas.
“Os dispositivos têm melhorado muito em relação à acurácia, estamos no caminho certo, mas eles ainda não oferecem a confiabilidade necessária para diversos parâmetros”, afirmou Luis Katake, presidente da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS). “Outro ponto importante é a integração dessas informações a outros sistemas de saúde. É preciso trazer esses dados para o mundo médico, para os prontuários eletrônicos dos pacientes, para os sistemas de beira-leito. Esses dispositivos precisam se comunicar com o mundo médico. Essas duas barreiras ainda não foram ultrapassadas.”
Chefe da disciplina de telemedicina da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação Brasileira de Telemedicina e Telesaúde, Chao Lung Wen acredita que o futuro é muito promissor.
“Até 2025 esse campo vai crescer muito, vamos poder fazer um acompanhamento pessoal de pacientes, principalmente com doenças crônicas, como hipertensos e diabéticos”, disse o especialista. “Além disso, vamos poder usar a inteligência artificial de forma preditiva, antecipando problemas. Esse vai ser um dos modelos de saúde mais importantes para os dispositivos. Um pouco mais no futuro, poderemos checar o padrão de voz das pessoas e interpretar alguma condição de doença e também pelo suor.”
(Estadão Conteúdo)
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