A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça admitiu, na última quarta-feira (15), recurso extraordinário ajuizado pela União e pelo Ministério Público Federal para rediscutir o valor de uma indenização pelo descumprimento de um contrato de venda de árvores a particulares em 1952. A ação foi movida pela extinta Companhia de Madeiras do Alto Paraná, que era de Alberto Dalcanale, cujo processo beneficia os herdeiros. Hoje o valor está estabelecido em R$ 1 bilhão a ser pago pela União.
Esse valor foi definido em sentença transitada em julgado, mas ainda é contestado pela União e pelo MPF, agora por meio de ação civil pública. A alegação é de que o valor foi alcançado “mediante erro em laudo preparado por perito, e que por isso é abusivo e desproporcional”.
Por maioria de oito votos a seis, a Corte Especial concluiu que a definição do caso depende da ponderação de diversos princípios constitucionais. Isso porque a causa está relacionada à defesa do patrimônio publico e possui expressividade econômica suficiente para ocasionar danos ao erário.
Desta forma, caberá ao STF definir se a União pode usar ação civil pública para relativizar a coisa julgada com base nos princípios da justa indenização, da moralidade e da razoabilidade, bem como na expressão econômica da demanda. A União foi condenada ao pagamento de 200 mil pinheiros ou de indenização equivalente por descumprir contrato assinado em 1951.
A decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça beneficia os herdeiros de Alberto Dalcanale, detentor dos direitos da extinta Companhia de Madeiras do Alto Paraná. O STJ julgou improcedente a ação rescisória proposta pela União para anular sentença de condenação confirmada pelo extinto Tribunal Federal de Recursos.
Histórico
A empresa venceu, em 1950, concorrência pública para a compra de 300 mil árvores de diversas espécies. Entre elas, 200 mil pinheiros adultos de 20 polegadas de diâmetro sem casca, ao preço total de Cr$ 24,6 milhões, moeda da época. A concorrência feita pela extinta Superintendência das Empresas Incorporadoras ao Patrimônio Nacional (SEIPN), autarquia federal, teve como alvo uma reserva florestal ocupada por posseiros. A autarquia, em nome da União, “vendeu bens de terceiros, dos quais não adquirira, ainda, nem a posse nem a propriedade”, constata um relatório oficial elaborado na época. Para os advogados dos herdeiros de Dalcanale, a Companhia de Madeiras “sofreu um verdadeiro conto do pacote oficial”.
Devido às dificuldades em fazer cumprir um acordo com os posseiros da Serra do Espigão, a SEIPN propôs, em 1953, a entrega de pinheiros de uma outra região, a gleba de Missões, no Paraná. Mas a Companhia de Madeiras recebeu apenas 43 mil unidades. Em 1973, a família Dalcanale entrou na Justiça para cobrar da autarquia 57 mil árvores e, dez anos depois, em 1983, ajuizou outra ação contra a União para reclamar os demais 200 mil pinheiros previstos no contrato.
A Justiça Federal de Curitiba reconheceu a prova de pagamento de Cr$ 24,6 milhões efetuado pela Companhia de Madeiras e condenou a União a fazer a entrega dos pinheiros “ou a proceder a indenização cabível, pelo valor das mencionadas espécies adultas”. A decisão transitou em julgado, ou seja, a União esgotou todas possibilidades de recorrer , levando-a a propor ação rescisória para não ser obrigada a cumprir a sentença.
Em 1992, a União ajuizou ação rescisória, julgada improcedente em recurso no STJ, cujo trânsito em julgado se deu em 2002. Não satisfeita, a União ajuizou em 2005 uma ação civil pública com o objetivo de declarar a nulidade da decisão proferida na primeira ação ordinária, por erro no laudo que calculou a indenização.
Na ação civil pública, a 4ª Vara Federal do Paraná antecipou a tutela para impedir que a dívida fosse executada pelos particulares, mas o Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou parcialmente a decisão, em agravo de instrumento, permitindo o levantamento de 50% dos valores dos precatórios.
Contra essa decisão, a União ajuizou suspensão de liminar no Supremo Tribunal Federal, em 2007. Inicialmente, a então presidente, ministra Ellen Grace, suspendeu a decisão do TRF-4 até o trânsito em julgado da ACP.
Em 2009, o Plenário do STF reformou em parte a monocrática, permitindo, por fim, o levantamento de até 50% dos valores, descontando a parte que já havia sido paga originalmente pela União.
Em 2019, a ACP foi julgada pelo STJ em recurso especial, no qual a 1ª Turma concluiu pela improcedência do pedido. O voto vencedor destacou que o caso é de inexecução contratual. Portanto, não há possibilidade de relativizar a coisa julgada, tal como o STF admite nos casos de desapropriação.
Ao todo, o Judiciário está há 40 anos lidando com a causa, que trata de uma dívida de 70 anos. Essa demora fez o valor acumulado alcançar a casa do bilhão.