Como nunca falamos de Alfred Hitchcock por aqui? Falha minha, peço perdão. Para corrigir o incorrigível, proponho trocar uma ideia sobre um filme diferentão do diretor. The Birds (1963, disponível no Telecine) é um filme de terror que teve a missão de vir logo depois de um dos maiores filmes de terror da história, também de Hitchcock – Psicose (1960). Claro que o cara não ia apelar para alguma coisa que repetisse o molde do longa anterior e correr o risco de baixar o nível. Com a premissa mais louca possível, em Os Pássaros, o inimigo agora é outro: corvos e gaivotas que atacam pessoas com um motivo misterioso.
Inspirado no livro de terror da escritora britânica Daphne du Maurier, o filme usa uma história trivial para fazer o espectador comprar toda a situação absurda dos pássaros assassinos. Em um pet shop em São Francisco, a socialite Melanie Davis (Tippie Hedrer) se encontra com o advogado Mitch Brenner (Rod Taylor), que a reconhece no tribunal e entra na loja à procura de um par de passarinhos da espécie love birds para presentear sua irmã mais nova (Veronica Cartwright; a Lambert, de Alien, o Oitavo Passageiro!).
Interessada em Mitch, Melanie viaja até a pacata cidade de Bodega Bay para lhe entregar os pássaros. À procura de um lugar para ficar, acaba fazendo amizade com a ex-namorada de Mitch, Annie Hayworth (Suzanne Pleshette), que a alerta sobre a mulher difícil que a mãe de Mitch (Jessica Tandy) pode ser. E enquanto o casalzinho vai se apaixonando nesse vai e vem água com açúcar, as gaivotas e os corvos começam a apresentar comportamentos estranhos, se reunindo em bandos para atacar os moradores.
A produção é impecável. Além da trabalheira enorme de treinar 3,2 mil aves e fazê-las atuar direito (rumores de que elas eram alimentadas com uma mistura de uísque), o filme teve que lidar com todas as limitações tecnológicas da época para montar as cenas dos ataques. Antes do chroma key, as produções utilizavam a técnica de vapor de sódio, com uma câmera Technicolor de três tiras. Para piorar, a técnica era monopolizada pela Disney. E claro, a maquiagem cheia de cortes e sangue parecem terem sido tiradas de um filme trash do Zé do Caixão (entenda como um elogio).
O que eu mais curto nesse filme são os pontos fora da curva. Em um longa do começo dos anos 60, é difícil encontrar personagens femininas super interessantes e com tanto tempo de tela assim. Aliás, em The Birds, quem faz toda a trama girar são as mulheres. Melanie já teve problemas com a justiça, e é daquele tipo com personalidade forte, teimosa e bem humorada. Que protagonista daora. Outro desvio é a falta de trilha sonora. O compositor Bernard Herrmann, grande colaborador do diretor, atuou apenas como consultor de som. A música foi substituída por bater de asas frenéticos e gralhadas.
Hitchcock acertou demais. Como todo bom filme de terror, quanto menos explicação mais assustador. E assim de cara pode até não parecer um filme de terror no estilo mais convencional. Logo antes de ver Os Pássaros, assisti o clássico absoluto O Massacre da Serra Elétrica (1974), e realmente, é outra parada. Mas é inegável que o longa inaugurou algumas ideias que nunca abandonaram o gênero. Toda aquela coisa do terror psicológico do filme de sobrevivência, dos personagens isolados em uma casa distante da cidade e sendo atacados um por um, das roupas rasgadas, e do vilão como um observador distante, sempre à espreita. Está tudo ali. Ah, e o filme acaba do nada. Daquele jeitinho bem Hitchcock.
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1 Comentário
Adorei a coluna! Parabéns! Obrigada por compartilhar essa fascinante apresentação do diretor!!!!!