Há algo de quimera em ver, logo nos primeiros minutos de Turma da Mônica – Origens, série original do Globoplay que estreou nesta quinta-feira (24) a Dona Mônica em cena. A personagem criada por Mauricio de Sousa virou adulta e se tornou uma bela senhora personificada pela atriz Louise Cardoso. Tem até uma neta. É a primeira vez que Mônica e seus amigos são apresentados dessa maneira nas telas, adultos.
É como se a turminha nascida nas tirinhas de jornais, lá no fim da década de 1950, fosse ainda mais real do que a imaginação de seus fãs pudessem supor. Além da Dona Mônica, que conservou sua braveza e ganhou fios de cabelos brancos, há o Senhor Cebola (Daniel Dantas), com cabelinhos ainda em pé; a Dona Magali (Malu Valle), meiga e comilona como sempre; o Senhor Cascão (Paulo Betti), cuja vida ensinou a ter hábitos mais higiênicos; e a Dona Milena, sempre confiante e simpática.
m oito episódios, a live-action produzida pela Biônica Filmes em coprodução com a Mauricio de Sousa Produções poderia quebrar o encantamento ao expor a turma à finitude ou ao peso da idade. No entanto, o roteiro da série criada por Marina Maria Iório e Daniel Rezende e dirigida por Isabel Valiante não deixa que isso ocorra. Partindo de um pequeno acidente doméstico que faz a Dona Mônica perder a memória, a produção conserva o espírito de amizade e aventura tão característico da Turma da Mônica. A fantasia resiste para todas as idades – também dos espectadores.
Na trama, cabe a Cebola, Magali, Cascão e Milena ajudarem a amiga a recuperar a memória. O tempo será curto. O caminho, pelo afeto. Eles levarão suas lembranças – a série corre em dois tempos, passado e presente – de volta ao Hotel Limoeiro (referência ao bairro dos quadrinhos), onde se conheceram na infância, antes de se tornarem amigos. Uma tempestade no local os coloca em uma gincana comandada por um funcionário do hotel, personagem de Érico Brás. É lá também que o coelho Sansão some das vistas de Mônica.
Na cronologia de produções audiovisuais da turma, Origens situa-se antes dos filme Laços, que trazia os personagens já amigos e com cerca de 10 anos de idade. Em Origens, os atores mirins filmaram com idades entre oito e nove anos. São eles Giovanna Urbano (Mônica), Felipe Rosa (Cebolinha), Manu Colombo (Magali), Bernardo Faria (Cascão) e Sabrina Souza (Milena). Há ainda a fofoqueira Denise, interpretada por Mel Dutra.
Segundo Marina Maria Iório, uma das criadoras da série, o mote da história nasceu de uma necessidade de começar do zero, depois de dois filmes, mas sem perder a essência da história da turma. “Foi quando veio a ideia de, então, falar sobre a origem dessa amizade entre eles”, explica. O primeiro encontro entre Marina, Isabel e Daniel Rezende ocorreu em uma padaria, com tortinhas de pistache no cardápio. À moda Turma da Mônica.
“Chegamos a pensar que os pais dos personagens poderiam contar como os filhos ficaram amigos, mas chegamos a conclusão de que eles próprios deveriam relembrar como tudo começou. Gosto de ideias que surgem da necessidade. O que poderia ser um problema, um desafio, ficou a nosso favor”, explica Marina.
O cuidado, a partir disso, era apresentar a turma, que tem uma imagem tão forte na infância, aos 70 anos – e fazer com que a mudança não gerasse rejeição nos fãs. Mônica, por exemplo, ainda não é a grande líder de sempre. Mostra-se, por vezes, insegura. “Foi estranho escrever para essa Mônica. Um trabalho minucioso, com a lupa em cada frase”, afirma a criadora.
“São crianças de 70 anos. Eles são os mesmos personagens. Divertidos, animados, ágeis. Eles preservaram a criança que todos nós temos – e ainda bem, pois muitos não a preservam. Esse foi o norte que nos guiou no roteiro, no figurino, na caracterização e nas filmagens”, afirma a diretora Isabel Valiante.
O processo, entre escolha de elenco, escrita do roteiro, escolha de locações, ensaios e filmagem, durou pouco mais de dois anos. Tempo, segundo Isabel, precioso para que o trabalho pudesse chegar ao resultado impresso na tela.
A diretora promoveu o encontro entre o elenco infantil e o adulto na sala de ensaios. “Eles descobriram o jeito de falar, o gestual, o que um centro para as crianças. Um peso, no bom sentido. Elas não sabiam sobre os atores adultos. Contamos pouco tempo antes das filmagens se iniciarem. Isso as manteve com os pés no chão”, conta a diretora.
Isabel evitou que as seis crianças do elenco lessem o roteiro ou ficassem andando com os textos na mão para decorá-los. A ideia era de que fosse o mais natural possível, que a cena surgisse de uma conversa antes do “gravando”.
Celulares proibidos e choro no set
Turma da Mônica – Origens se passa em um tempo analógico. O passado da turma era feito de brincadeiras. O presente, de papos, passeios e ginástica ao ar livre. Um lição para crianças e adultos que não largam o celular por nada. A ordem no set também era essa, para todos: nada de celulares.
“Para um roteirista, é uma delícia escrever para um universo que não tenha celular. Ele acaba com a maioria dos suspenses. Qualquer drama que criamos, pensamos: mas isso seria resolvido com uma mensagem ou uma busca na internet”, diz Marina.
A dinâmica proposta pela produção foi aprovada pela atriz Louise Cardoso, a intérprete da Dona Mônica. Ela achou, em um primeiro momento, o convite um pouco estranho. Louise conta que sua empresária negociou com a produção da série sem saber qual era a personagem.
Quando foi definido que ela interpretaria a Mônica, sua representante lhe deu a notícia quase chorando. “Ela ficou emocionada e eu, perplexa. ‘Como assim, vou fazer a Mônica? Uma criança?’”, conta. Ao ler o roteiro, Louise, formada em Letras e fã dos gibis da personagem, entendeu a proposta. “Fiquei completamente apaixonada. A Turma da Mônica pertence à cultura pop brasileira”, diz.
Emoção também quando o elenco adulto usou pela primeira vez a caracterização de seus personagens. A diretora Isabel Valiante conta que a equipe caiu no choro quando Louise, Daniel Dantas, Mallu Valle, Dhu Moraes e Paulo Betti saíram do camarim vestindo os figurinos de seus personagens.
“Eu não entendi nada. Todo mundo chorava. Daniel me disse: ‘eu acho que eles superestimam a Turma do Mônica’. Eu respondi: será, Daniel?. Agora, eu entendo”, diverte-se Louise.
Foi no texto, e nos encontros propostos pela direção da série, que Louise encontrou um caminho para uma personagem tão emblemática, seja nos quadrinhos, nos palcos ou no cinema. Ela vestiu com cuidado a roupa vermelha da menina mandona.
“Sou muito criativa, invento sempre na ação, no corpo. Essa é minha escola. Porém, entendi que nesse trabalho eu não o seria. Tudo estava ali (no texto e roteiro). Tudo muito pertinente. Tive essa humildade de fazer o que me pediam. Tudo!”, enfatiza.
Louise, acostumada a interpretar mulheres destemidas, como Leila Diniz (1945-1972), por exemplo, no filme Leila Diniz (1987), diz que, como mostra a série, a força de Mônica se transformou, dentro dessa proposta de ter a turma com cerca de 60 +. “Ela luta pelo seus direitos sempre. Mas, adulta, a força dela é interior, na mente. Mas tem também a boa saúde”, opina. Em um dos episódios, Louise faz uma posição de ioga, prática da qual ela não é adepta. “Mas faço pilates”, diz.
O elenco adulto ganhou, no set de filmagem, o apelido de “sacudidos”. Louise, de 69 anos, conta que a série lhe deu uma “alegria colorida, felicidade e frescor”. Ela sabe que daqui em diante será, para o público, em meio a tantos personagens que já fez TV, teatro ou no cinema, também a Mônica. “É esse afeto que eu quero!”, diz.
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(Foto: Fabio Braga)