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Um homem fora do tom

04/10/2022
mutantes

Hermann Sheffield sempre foi mutante. Não da linha Frankenstein, mas da corrente Rita Lee & Irmãos Batista. Como a banda, ao longo da vida Hermann não se livrou do espectro de ser meio desligado. Muito desligado.

Perder chaves, celulares, carteiras e outros objetos de pequeno porte faz parte da rotina do velho Hermann. A síndrome ataca de forma severa quando vai a eventos em Santa Catarina, ocasiões em que costuma esquecer de levar sapatos – não tão pequenos assim, posto que o desastre ambulante calça 44.

O escritor norte-americano Marshall Berman escreveu o clássico ensaio “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Hermann observou que, em suas mãos, tudo o que é líquido também. Como o conteúdo de um copo de Coca-Cola, que derramou sobre o vestido da aniversariante então comemorando seus 15 anos. Ele assustou-se por algum motivo relevante, como ouvir alguém chamá-lo pelo nome.

Com o passar dos anos, o processo estendeu-se para outros cenários. Na rua, já deu com o nariz na haste de um sinal de trânsito, enquanto caminhava no calçadão da Boca Maldita. Ou talvez tenha sido um poste, surgido do nada para humilhar o pobre transeunte.

Cair é outra de suas qualidades, já que é hábil na função de tropeçar. Sua obra-prima foi cair de uma cadeira e ralar de tal forma a canela em um gaveteiro estacionado sorrateiramente ao lado que foi encaminhado pelos colegas de trabalho ao serviço médico. Quase foi exigido a tomar vacina antitetânica.

Em um fim de tarde na semana passada, Hermann trafegava sua placidez em direção ao lar quando se deu conta de que era preciso levar manteiga para casa, como determinado por D. Rosita. O solícito marido estacionou o carro no estacionamento do subsolo de um supermercado e animou-se quando viu um vasilhame de líquido escocês envelhecido oito anos a brilhar em oferta. Imperdível.

Pagou a conta e, todo pimpão, empurrou o carrinho em direção ao estacionamento. Ao voltar ao congestionamento da avenida, procurou a sacola no chão do carro – e não encontrou. Fez a volta no quarteirão e retornou ao supermercado.

O carrinho não estava mais onde ele havia deixado. Irritado, subiu a escada rolante. O segurança acompanhou-o até o local do crime: nenhum vestígio.

Hermann chegou à conclusão de que precisaria refazer a compra. Antes, pôs-se a destratar até a última geração de seus ancestrais, reconheceu mais uma vez ser uma excrescência produzida por algum erro genético e, antes de pegar novo carrinho, passou no caixa em que havia sido atendido. A jovem funcionária o reconheceu. “O senhor pagou a conta, deixou a sacola no balcão e saiu empurrando o carrinho”.

Bingo. A compra estava a salvo, no setor de atendimento ao cliente, com a ampola britânica e a manteiga batava. Ele só não foi poupado do riso dos funcionários. Ninguém esquece de levar a própria compra, garantiram.

É que eles não conhecem as artes do nosso protagonista. Hermann Sheffield é mestre em estultices, doutor em desafiar a lei da gravidade, desligado como motor sem bateria. Um homem fora do tom, com sentença transitada em julgado.

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