Por Lucas Franco Freire
A presença de celulares se tornou certa em momentos marcantes, sejam eles as primeiras palavras de um bebê ou shows de grandes artistas. Ela substitui o real aproveitamento do presente em prol de marcar a lembrança no digital ou angariar interações nas redes sociais. O celular funciona como uma janela para o paradoxo contemporâneo: a busca pela experiência autêntica e o impulso de mediar essa experiência através da tecnologia.
Pensemos no esforço e no custo que cada pessoa investiu para ser testemunha de um espetáculo, por exemplo. Para muitos, pode ter sido o culminar de um sonho, um item riscado da lista de desejos, uma aventura planejada com antecedência e expectativa. Vídeos e mais vídeos circulam na internet das enormes plateias, sempre segurando algum dispositivo no alto para capturar todos os detalhes.
As pessoas estão ali, mas, ao mesmo tempo, não estão; física e financeiramente presentes, mas psicológica e emocionalmente em algum lugar entre o aqui e o agora e o mundo digital onde sua experiência será compartilhada. Esta cena reflete uma nova forma de consumo: consumir para produzir conteúdo, onde o valor da experiência é, em parte, determinado pela sua capacidade de ser compartilhada e apreciada virtualmente. É “instagramável”? Essa se tornou a nova medida de interesse da vida.
A tela hoje já não é um hábito, é um vício, e tem todas as consequências que um vício traz. Ou seja, constrói uma relação de dependência que cria um ciclo nocivo, e é isso que observamos com os algoritmos de alguns aplicativos: as pessoas são capturadas no âmbito neurológico e as recompensas oferecidas – geralmente picos de dopamina associados a novos likes, comentários e compartilhamentos – fazem com que entrem nesse loop contínuo, que muitas vezes causa prejuízos físicos, psicológicos e cognitivos.
O que hoje chamam de demência digital é o principal sintoma disso. Grupos vulneráveis como crianças e adolescentes sofrem especialmente, já que têm seus cérebros e funções cognitivas ainda em desenvolvimento, capturados desde cedo pelas recompensas e os gatilhos neurológicos que as redes sociais e os artefatos digitais trazem.
Nos tornamos “neuro-escravizados”, não porque somos forçados por algum mestre externo, mas porque nossas próprias redes neurais foram recondicionadas para ansiar pela dopamina que só o algoritmo traz. O momento presente, rico em potencial para experiência do Play, da leveza do dia a dia, começou a perder sua cor para a tela brilhante do conteúdo digital.
Os neuro-escravizados, embora fisicamente presentes, tornaram-se cada vez mais ausentes. O zumbido suave dos smartphones e o brilho de notificações emergentes se tornaram o coro de fundo de suas existências. Viver o momento foi substituído por um desejo insaciável de documentar, de produzir conteúdo, de criar uma narrativa editada de suas vidas para o consumo público.
Nosso apelo agora deve ser para que o celular seja deixado de lado nos momentos importantes da vida para podermos valorizar novamente o que é físico e real.
Lucas Franco Freire é psicólogo, especialista em bem-estar e autor do livro “Playfulness: Trilhas para uma vida resiliente e criativa”