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DENNISON-CABECA-COLUNA

A Campanha da Nacionalização (1930-1945)

24/09/2024

A extensa e radical Campanha da Nacionalização movida durante o governo Vargas (1930-1945) visava erradicar os “quistos inassimiláveis” de imigrantes estrangeiros e integrá-los à comunidade nacional. O resultado foi a imposição da língua portuguesa e da cultura brasileira às comunidades de imigrantes que até então se conservavam à margem da comunidade nacional. Seu principal alvo foram as colônias de origem alemã. Tal campanha conduzia ao antigermanismo, ou mesmo, à germanofobia.

Um grande impulso para a Campanha da Nacionalização ocorreu no mês de março de 1938 quando se anunciou o desbaratamento de uma conspiração por parte da então ilegalizada Ação Integralista Brasileira (AIB), uma organização de extrema direita com simpatias pelos regimes nazifascistas, que visava matar Vargas e boa parte dos membros do seu governo. Centenas de prisões foram feitas.

No mês seguinte os governos dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul deram início a uma nova fase da política de nacionalização compulsória do que afirmavam serem “quistos inassimiláveis de estrangeiros”, através da imposição às escolas particulares de novas regras de funcionamento. Todas as aulas deveriam ser ministradas em português, todos os professores e diretores deveriam ser brasileiros natos e nenhum subsídio poderia ser fornecido as escolas por entidades estrangeiras.

Incapazes de se adaptarem às novas regras, cerca de 600 escolas se viram obrigadas a fecharem suas portas sem que, necessariamente, houvesse oferta de vagas correspondentes na rede pública de ensino. Para complicar, muitas eram as crianças na fase inicial do processo de alfabetização que não falavam português, de forma que, mesmo que houvesse vagas, não faria sentido seu comparecimento às escolas públicas. Mas, a despeito dos problemas insanáveis de ordem didático-pedagógica criados para milhares destas crianças, a disposição do governo em levar adiante a política de nacionalização se mostrou inabalável.

Esse processo seria decisivamente impulsionado pela desastrada tentativa de golpe contra Vargas desencadeada pelos integralistas em maio de 1938. Depois de alguns confusos combates a tentativa de golpe foi debelada e, imediatamente, centenas de prisões foram feitas. Em poucos dias o número de presos, implicados ou suspeitos de participar do golpe integralista havia subido para mais de 1.600. Entre os suspeitos de dar apoio ao golpe estavam membros do corpo diplomático das embaixadas da Alemanha e da Itália, o que aumentou ainda mais a determinação do governo em eliminar quaisquer bases sociais de apoio à subversão nazifascista.

Um decreto de abril de 1941 restringia o ingresso de novos imigrantes no Brasil, buscando-se reforçar a política de nacionalização vigente. Impuseram-se barreiras à entrada de negros, árabes e judeus, inclusive aqueles de origem alemã. Estes desde 1933 sofriam com as perseguições do regime nazista na Alemanha. Ao tentarem fugir para o Brasil eram eufemisticamente denominados de “alemães não-arianos” e esbarravam em restrições para aqui conseguirem refúgio.

Uma vez instalados em território brasileiro, seus vizinhos se referiam à eles como os “alemães”, condição que jamais poderiam manter na Alemanha, onde seriam considerados judeus, isto é, estrangeiros. Serem considerados judeus na Alemanha e, ao aqui chegarem, alemães no Brasil, se constituiu em mais um conflito no longo capítulo das perseguições à que este grupo teve de se submeter na crítica conjuntura anterior à Segunda Guerra Mundial.
Ainda naquele ano se impôs a nacionalização do nome de registro dos filhos de estrangeiros aqui nascidos, obrigando-se a tradução do nome. Igualmente foram proibidos os jornais exclusivamente em língua estrangeira, levando ao encerramento das atividades de quase toda imprensa de origem alemã, italiana e japonesa.

As medidas nacionalizantes atingiram também as igrejas. Embora distantes dos ideais nacional-socialistas, tanto a igreja católica quanto a protestante de origem alemã tiveram de se nacionalizar. Em agosto de 1939 estabeleceu-se que todos os cultos deveriam ser ministrados em português o que, naturalmente, gerou resistências e protestos. Isso levou ao fechamento de várias igrejas e à prisão de diversos padres e pastores. Com o rompimento em 1942 das relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo, isto é, a aliança militar entre Alemanha, Itália e Japão, as medidas relativas à campanha da nacionalização se tornaram mais e mais drásticas. Em janeiro de 1942 foram proibidos os hinos, músicas, formas de cumprimento e até mesmo o uso cotidiano dos idiomas alemão, italiano e japonês.

A Segunda Guerra Mundial foi o grande catalisador do processo de nacionalização no Brasil. Os controles sociais impostos pela ditadura de Getúlio Vargas, tornaram-se ainda mais estreitos com a entrada do Brasil na guerra em agosto de 1942. Foi nestas circunstâncias que se logrou a imposição à força da homogeneidade cultural a toda população aqui residente. Desta forma, materializaram-se antigos projetos de nossa elite dirigente. A partir daí não haveria mais “quistos” de estrangeiros “inassimiláveis” à cultura nacional. Haveria apenas e tão somente brasileiros, falando uma única língua e partilhando de uma mesma cultura e um passado nacional comum.

Embora essas medidas tivessem validade para todo território nacional, especial atenção foi dedicada às regiões de intensa colonização germânica. Para estas foi providenciada a transferência de unidades militares do exército, encarregadas da vigilância da população e da defesa do litoral contra possíveis desembarques de elementos hostis, isto é, agentes ou tropas alemãs. Suas entidades culturais, esportivas e sociais foram fechadas, e suas propriedades transferidas para a administração da Liga de Defesa Nacional (LDN).

Rapidamente caminhou-se para uma situação em que ser alemão era considerado sinônimo de “nazista”, ou “quinta coluna”. Este último termo foi originalmente empregado durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39) para se referir aos agentes que, na retaguarda Republicana, trabalhavam para as tropas do General Francisco Franco. No Brasil ele designava os supostos sabotadores, divulgadores de boatos ou espiões que ameaçavam – entendida da forma a mais genérica possível – a segurança nacional, e se dedicavam a subverter a ordem vigente em prol de um levante de inspiração nazista ou integralista. Desta forma tornaram-se comuns as prisões de pessoas de origem alemã, italiana ou japonesa, geralmente por motivos fúteis ou arbitrários, não raro motivadas por vinganças ou ressentimentos puramente pessoais.

Com a declaração de guerra do Brasil à Alemanha em agosto de 1942 as medidas de nacionalização compulsória assumiram um caráter francamente arbitrário, quando não, terrorista. Estabeleceu-se o confisco de bens e imóveis das empresas acusadas de colaborarem com a “subversão eixista”. Vários empreendimentos industriais foram colocados sob controle direto do poder público, para os quais se nomearam interventores, em substituição aos seus gerentes anteriores. Foram efetuadas novas levas de prisões. Para dar conta do volume de detidos acusados de colaborarem com as potencias do Eixo, o sistema prisional teve de se adaptar, surgindo inclusive autênticos campos de concentração onde eram encarcerados descendentes de alemães, italianos e japoneses e, muito frequentemente, ex-integralistas.

Além de medidas de ordem repressiva contra os “súditos do Eixo” que supostamente estariam promovendo atividades de espionagem, sabotagem e propagação de boatos em prejuízo da segurança nacional, a ditadura Vargas implementou novas formas de acelerar a nacionalização pela via cultural. Foram nacionalizados nomes de cidades e locais, logradouros públicos e acidentes geográficos, bem como estabelecimentos comerciais e entidades associativas. Retomou-se o culto e a veneração aos grandes feitos pátrios e aos heróis nacionais apagando-se, tanto quanto possível, a memória da contribuição dos imigrantes ao progresso nacional.

Do ponto de vista do governo, a manutenção da fantasia de uma enorme e invisível “quinta-coluna” de nazistas perigosos não só ajudou a legitimar a repressão da ditadura varguista, como permitiu tornar inquestionáveis as violações e arbitrariedades perpetradas contra os direitos básicos dos cidadãos, em especial se estes fossem “súditos do Eixo”. É quase certo que o processo tenha escapado do controle do governo Vargas, impulsionado tanto pelos interesses escusos de membros do aparelho repressivo do Estado, quanto de cidadãos comuns.

É tentador imaginar como seria o Brasil na ausência da campanha da nacionalização. Em algumas décadas, por toda região sul do país, haveria milhões de pessoas fluentes em português, mas também em polonês, alemão, italiano, japonês etc. que teriam sido educadas numa língua estrangeira moderna nos melhores, mais eficazes e de baixo custo dos ambientes de ensino de idiomas estrangeiros jamais inventados: o lar e a comunidade. Infelizmente, tal situação era impensável para as elites governantes brasileiras, obcecadas com a segurança nacional em tempos de guerra mundial. Para elas, a homogeneização cultural se transformou em imperativo de sobrevivência do Brasil, permanentemente ameaçado de vir a se desintegrar politicamente, se fosse tolerada a diversidade étnica, cultural e linguística.


Dennison de Oliveira é Professor Sênior de História na UFPR e autor de “Os Soldados Alemães de Vargas” para adquirir clique aqui.

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