Em 1992, já no final do 3º e último mandato na Prefeitura de Curitiba, o Jaime Lerner recebeu a visita de um grande amigo, o também arquiteto Allan Jacobs. Allan é professor emérito de Planejamento Urbano e Regional na Faculdade de Design Ambiental da Universidade de Berkeley, na Califórnia, e se D’us permitir, completará 96 anos no próximo dia 28.
Considerado o maior especialista em “ruas” do mundo, Allan é autor dos livros “The Boulevard Book”, “Great Streets” e “Looking at Cities”. Algumas de suas frases:
• “As ruas moderam a forma, a estrutura e o conforto das comunidades urbanas”.
• “Ruas são os lugares de encontro e troca social e comercial. É onde você encontra pessoas — o que, afinal, é a razão fundamental para a existência das cidades”.
• “Nenhuma grande cidade jamais foi conhecida por sua abundância de vagas de estacionamento”.
• “Se o orçamento for limitado, o gasto mais eficaz para melhorar uma rua provavelmente seria com árvores”.
Pela visão do Allan, é fácil perceber por que ele e o Jaime se tornaram tão próximos. Allan era professor em Berkeley e a amizade começou quando o Jaime foi professor visitante da cadeira de Urbanismo no curso de pós-graduação daquela universidade na Califórnia. Allan é um sujeito formidável, uma figura que cativa de pronto. Tenho certeza de que um outro fator que contribuiu para que ele e o Jaime fossem excelentes amigos foi o bom humor de ambos. Sentar-se à mesa com os dois era um enorme prazer.
Tive a sorte de estar com o Allan Jacobs em algumas oportunidades aqui em Curitiba e uma vez em São Francisco. Ao pensar em escrever este artigo, lembrei de quando o conheci, apresentado pelo próprio Jaime:
– Allan estava aqui no dia 5 de julho de 1980, um sábado, por coincidência o primeiro dia da visita do Papa João Paulo II à Curitiba. Jaime estava no segundo mandato como Prefeito e foi com as demais autoridades recepcionar o Papa no aeroporto. Após a agenda oficial, ele levou o Allan Jacobs para almoçar no “Restaurante do Guilhobel”, que funcionava junto ao Posto Sideral, no Alto da XV. Lá, Guilhobel de Camargo servia sua “Feijoada Trinity”, prato criado por ele mesmo e que tinha como principal característica a cor avermelhada do feijão paulista, substituindo o tradicional feijão-preto.
Feita a apresentação, sentei e conversamos enquanto eu aguardava a comida encomendada para viagem. Depois disso, voltei a estar com Allan em outras vindas dele a Curitiba e também uma vez em São Francisco, retornando com o Jaime de viagem ao Japão. Mas quero contar um fato muito engraçado que aconteceu em 1992, pouco antes de terminar a terceira e última gestão do Jaime na Prefeitura.
Era época das eleições municipais, e Allan foi conosco a Paranaguá, para um compromisso político. O Jaime ia discursar no comício do Joaquim Vanhoni, candidato a Prefeito. Conduzidos pelo Alceu Ceccon, motorista de Jaime por longos anos e que também já nos deixou, lá fomos nós. O comício era à noite, e saímos de Curitiba um pouco mais cedo para poder visitar o Dr. Vidal Vanhoni, pai do Joaquim e também do Ângelo, hoje vereador reeleito aqui em Curitiba. O Professor Vidal, como era conhecido, era um homem notável; foi deputado estadual, secretário de Educação e professor da Universidade Federal. Uma pessoa de bem, respeitada por todos. Terminada a visita, seguimos para o comício, na Vila Guarani.
A atração da noite era a cantora Sula Miranda, que, seguindo o costume dos “showmícios” seria a última a entrar no palco. Antes dela, falariam todos os candidatos a vereadores, o Jaime e, por último o próprio Joaquim Vanhoni. O “Mestre de Cerimônias” tentava manter o interesse do público que compareceu em grande número para assistir à apresentação da chamada “Rainha dos Caminhoneiros”. Detalhe: o slogan do candidato era “Paranaguá Já”, que o apresentador gritava sempre que podia — sem parar, na verdade — exercitando a criatividade possível naquelas circunstâncias:
• “Joaquim Vanhoni é…” — “Paranaguá já!” — respondiam.
• “A Sula Miranda vai cantar para…” — “Paranaguá já!” — berravam.
• “E o que nós queremos?” — “Paranaguá já!” — gritava a multidão.
No fundo do palco, Allan Jacobs parecia não acreditar no que via. Ele jamais havia participado de algo minimamente parecido; era um acontecimento inusitado, nem de perto parecido com qualquer outra coisa que ele pudesse ter experimentado. Jaime e eu ríamos com o êxtase dele. Terminados os discursos, embarcamos no carro para voltar a Curitiba.
Saindo da Vila Guarani, já no início da BR-277, pegamos um trecho com muitas lombadas. Ceccon dirigia a uma velocidade razoável e algumas delas, mal sinalizadas, eram solenemente ignoradas. Jaime, sentado ao lado do motorista, era um péssimo vigia, e depois de umas 2 ou 3 batidas de cabeça no teto, Allan tomou para si a tarefa de dar o alerta. Atento à estrada e, certamente, temeroso de danos cerebrais, assim que avistava o perigo, gritava, misturando o nome do ritmo da época e daquele “artefato urbanístico” ao qual havia sido dolorosamente apresentado minutos antes:
• “LAMBADA / DJÁ.”
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