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KARIN-CABECA-COLUNA

Crônicas de Curitiba de outros tempos

08/01/2025
Eu em München, na Alemanha

Houve um tempo que os pais levavam os filhos passear no aeroporto aos domingos para ver a aterrissagem e decolagem dos aviões.

Tinha um espaço envidraçado no pavimento superior do Aeroporto Afonso Pena. Os visitantes tinham acesso.

Gostava de olhar os aviões quando apareciam no céu e de observá-los descendo e se aproximando do solo, ainda sem ruído.

De repente passavam rasgando em linha reta no horizonte fazendo um barulhão ensurdecedor de turbinas, reversos e freios.

Do alto dos meus 64 anos vou avistando as trajetórias que percorri e vôos que me trouxeram até aqui.

Verifico que em grande parte das vezes tomei decisões levada por reveses e atribulações, sem analisar nem pensar a fundo nas circunstâncias.

Foi assim quando escolhi o curso superior. Lembro que no dia da inscrição liguei para a mãe do telefone público que havia no Centro Politécnico e perguntei qual curso deveria optar: Nutrição ou Medicina? Ela disse para eu escolher Nutrição. O outro iria tomar toda a minha vida.

Era o primeiro ano do curso de Nutrição na Federal. Não tinha a menor ideia do que se tratava. Alguns familiares achavam que iria aprender a cozinhar. Também tinha essa dúvida.

Foi assim quando decidi ir para a Alemanha aos 21 anos.

Por que? Para que? Viajar para o exterior era algo extraordinário.

Hoje é até relativamente comum vermos jovens fazendo intercâmbio em outros países. Vão para aperfeiçoar idiomas, conhecer outras culturas e viver novas experiências.

Há 40 anos não era desse jeito. E quando vendi meu carro e piano aos 21 anos e encaminhei os trâmites entrando em um avião rumo à Alemanha, não foi uma decisão pensada ou realização de um sonho. Foi uma fuga.

O aeroporto foi a saída que se apresentou para fugir do momento em que vivia.

Saguão do Aeroporto Afonso Pena

O calendário marcava 23/12/82. Nesta data a passagem era bem mais em conta. Incluía escala e mudança de avião no Paraguai. Com direito a grandes filas e incertezas quanto ao destino da mala.

Ao desembarcar às 17h00 em Frankfurt no dia 24/12/82 já era noite. Tudo escuro e deserto.

Ninguém nas ruas. Não existia Internet e as poucas anotações que levei estavam escritas em um caderno.

Sabia a direção do metrô que devia tomar e o ponto onde descer.

Cheguei no endereço da Associação Cristã Feminina. Uma casa antiga com 2 andares, porão e sótão onde vivia uma senhora solitária que hospedava 4-5 estudantes.

Nessa época do ano não havia ninguém no local . As moças estavam com suas famílias.

A senhora me mostrou o quarto, o banheiro não privativo.

Pouco depois desci nos aposentos comuns procurando a cozinha e me deparei com a senhoria montando uma árvore de Natal que alcançava quase o teto, um pinheiro plantado em um latão.

Estranhei porque ela pendurava maçãs nos galhos da árvore e pelo motivo de estar enfeitando o pinheiro exatamente na noite de Natal.

Colocou os enfeites um a um e a seguir acendeu as pequenas velas assentadas em lamparinas.

Não consegui dizer nada porque não sabia conversar em alemão. Dominava o básico mas tinha vergonha de falar.

Subi as escadas. Olhei a vidraça embaçada. Desembaçei com a mão e vi que a noite era escura.

Só lembrava da minha família. Queria tê-los por perto. Meu pai havia falecido há 5 meses. Na ocasião do funeral, não lembro de ter chorado.

Nesta noite de Natal, olhando pela janela e com a mala intocada junto à porta, a única certeza era que muitos meses teriam que se passar até poder retornar à minha casa.

Encolhida na cama, chorei.

Entre soluços abafados me senti por vezes afogar nas próprias lágrimas.

Chorei a noite escura que habitava em mim: o luto imenso da perda do pai somado às dores emocionais que carregava, frutos de uma adolescência cheia de conflitos.

Aeroporto Afonso Pena na década de 80

Uma dor de cabeça forte veio a seguir que foi vencida pelo cansaço extremo. Adormeci.

As lágrimas não se esgotaram nessa noite.

Diariamente floresceram durante quase um ano, não obstante às belas oportunidades, países lindos e pessoas maravilhosas que tive a oportunidade de conhecer.

Aprendi uma lição:

Não importa aonde você vá, os problemas e os sentimentos mal resolvidos irão te acompanhar, sua bagagem emocional irá junto.

As feridas precisam antes ser curadas e depois pode ocorrer a mudança de lugar. E não o inverso.

Não há lugar no mundo por mais lindo que seja que te livre da dor. E dores da alma bem como a depressão podem doer insuportavelmente.

Contrariei todas as idealizações que meu pai projetou em mim.

Porém, com ele já em outra esfera, minha vida seguiu.

Saguão do Aeroporto Afonso Pena

Ainda ouço o eco barulhento das aterrissagens de vôos do passado. Muitos turbulentos, alguns belos e emocionantes.

Penso que se não tivesse sido assim, não teria hoje o que tenho e não me imagino feliz de outro jeito.

Sempre teve algo de inexplicável, uma “mão de Deus” para colocar as coisas no lugar na minha conturbada vida.

Tenho certeza que cada um de vocês sente essa “mão Divina” em suas vidas.

Isso fez toda a diferença.

E que nunca nos falte em 2025 e nos anos restantes do resto de nossas vidas.

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1 comentário em “Crônicas de Curitiba de outros tempos”

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