As conversas de botequim são uns dos mais autênticos traços da personalidade nacional. Bater-papo em boteco, jogar conversa fora enquanto toma-se umas e outras é uma delícia, impossível de traduzir em outros idiomas porque o ambiente, as expressões faciais, os subentendidos não se traduzem.
Há também outra coisa que gringos têm dificuldade em assimilar. É a ironia, o sarcasmo e a mordacidade contidos em comentários maldosos sobre pessoas ausentes. Sim, porque não haveria nada mais chato do que uma mesa de bar em que só se falasse bem dos outros.
– Alguém tem falado com o Abílio?
– Encontrei com ele semana passada. Está bem, com aquele sorriso permanente, dando a graças a Deus pela vida. Sua esposa está cada vez mais animada, o casal é admirável.
Isso não dá liga. Não é possível que o Abílio não tenha um dedão inflamado, que não diga palavrões. À mulher não falta um molar, que a impede de rir? Como sabemos, ninguém é perfeito – e nada mais normal que aumentar o defeito dos outros.
O princípio é o seguinte. Se a pessoa é conhecida da mesa, suas qualidades não precisam ser ressaltadas. Todos as conhecem. Mas para se tornar assunto da roda, só as deficiências morais é que contam.
Tem mais um problema. É provável que o tal Abílio tenha sido convidado para aquele aperitivo e dele se esquivou. Um ingrato, não tem mais respeito pelos amigos. Pelo menos poderia ter arrumado desculpa melhor do que buscar a neta na escolinha. Ou dizer que está de dieta devido a uma gastrite. Para a neta, um Uber resolveria. A gastrite seria mascarada com um omeprazol, porque não há nada mais importante do que encontrar os amigos – e falar mal dos que não apareceram.
Falar bem dos outros em mesa de boteco faz mal à saúde. É um impeditivo total para que se desopile o fígado, medida tão necessária no bar, já que é ali que ele tem de lidar com os torresmos, as pingas e as cervejas, as batatas oleosas, os pasteis, as coxinhas e o rollmops.
Falar nisso, parceiro de mesa que come rollmops deve ser elogiado. O elogio é em tudo pertinente a um incauto de tal ordem. Sua coragem deve ser exaltada. De preferência, com mais brinde, outra talagada e, garçom, traga mais meia-dúzia, por gentileza.