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Famílias disfuncionais e o processo sucessório

04/04/2025

Conforme abordado no artigo anterior, um dos obstáculos para a transformação de Empresas Familiares para Família Empresária são as famílias disfuncionais:

É sabido que tais famílias têm dificuldade de comunicação, em resolver conflitos e conviver harmoniosamente. Esse grupo familiar é caracterizado por condutas desrespeitosas em relação a hierarquia familiar e uma dinâmica pouco saudável entre seus membros. Por essa razão tal cenário impacta quando se busca estabelecer mecanismos de governança técnicos na família, na empresa e no patrimônio. Infelizmente não é incomum testemunharmos situações de absoluto desconforto e desrespeito em formações de conselhos de família ou empresariais. 

Famílias disfuncionais são aquelas que não tem uma dinâmica estruturada e, dentro dos respectivos núcleos, fazem migrar todas essas dificuldades de natureza emocional afetiva, e até relacional, para outras vertentes de suas relações, entre as quais as empresas. O impacto disso tudo se dá na fantasia que um filho ou filha tem das lacunas afetivas que ele ou ela imagina tem do pai. Um sentimento de carência ou de desamparo que poderão ser compensadas na cadeira do reinado empresarial que é o “trono” que o pai ocupa na empresa. Portanto, a cadeira do pai é como se fosse um “colo” que o filho ou filha fantasia não ter tido dentro de da sua casa.

Por outro lado, existe também a fantasia do poder do reinado do primogênito, que vê na figura do pai uma extensão da sua existência criando nesse filho a percepção, também fantasiosa, de que o pai é um modelo quase que heroico. E esse aspecto do “Pai Herói” se destrói a partir do momento em que o filho vê que o pai não é um herói e que ele, filho, tem que ter a sua própria identidade. Por isso mesmo, surge a crença que vai destruir a figura paterna sendo diferente do pai dentro da empresa, então ele imagina bom: “eu estou aqui agora, assumi a empresa, mas é o meu jeito de ser”.

Isso também é um reflexo de uma disfuncionalidade que vem de casa. Como esses problemas disfuncionais acontecem em casa, podem se manifestar em inveja e ciúme, por exemplo. E aí podem surgir as armadilhas de irmão – “Caim e Abel”. Tudo isso acaba sendo levado para o ambiente empresarial.

Outro exemplo de disfunção nas relações familiares é quando o pai não tem o controle do limite que tem que dar dentro de casa, ou seja, mima os filhos para compensar certas falhas relacionais na família. Não faz os filhos trabalharem com a frustração e filhos não frustrados se acham internamente poderosos também dentro da empresa. Portanto, essa dinâmica relacional tende a criar maus líderes, líderes tirânicos, sem limites. Especialmente se ele quiser se distanciar da figura emblemática e quase paterna que o pai tem dentro da empresa, uma vez é muito comum que o pai que é tirano dentro de casa seja um é bom líder na empresa, quase paternal. Isso pode ser porque o pai também vem de uma linhagem cuja ascendência era disfuncional, com ele transmite isso para a sua família e por essa razão ele é bom lá na empresa e tirânico dentro de casa. Nesse caso, modelo que está criado pelo fundador para os seus sucessores é um modelo tirano.

Mais uma consequência da disfuncionalidade nas relações familiares é a questão da relação fraterna doentia, quando há a percepção entre os filhos de que o afeto é maior para um filho do que para o outro filho, o que pode não ser uma realidade, mas que impacta nas escolhas, pois pode criar a sensação de que o pai tem uma preferência por um filho em relação a outro. Isso pode fazer com que a autoestima do filho supostamente preterido, o que eu chamo de “Patinho Feio” fique abalada, e oprimida. Porém, esse Patinho Feio pode aflorar com um bom líder, apesar de ele ter sido tão oprimido pelos pais. Quando é tirada dele a oportunidade de ter uma “arena” própria, uma boa liderança pode aflorar na sua essência, até com mais saúde do que os demais membros da família disfuncional. É aquela história da pessoa assustada que está num ambiente de susto, que é um indivíduo fora do rebanho que pode se tornar um líder mais saudável.

É uma ambiguidade: líder mais saudável fora de casa do que dentro de casa. E temos visto isso em várias situações no nosso dia a dia trabalhando com empresas familiares que desejam fazer a transição para famílias empresárias. Isso traz condutas irreverentes na relação de poder, de lidar com autoridade. Quantos e quantos herdeiros e sucessores não respeitam o pai? A autoridade paterna? Porque isso vem de casa. E impacta o quê na sucessão, na liderança.

Uma outra consequência dessa disfuncionalidade fraterna é a voracidade de um irmão, que quer “o fígado” do outro, seja por inveja ou pela percepção distorcida de que teve menos afeto. Como eu falo, são situações que impactam na sucessão e na produção da empresa e até na escolha do sucessor. Ainda como consequência das relações disfuncionais, é a falta de preparo, porque a formação e a informação têm que se democratizar. Não existe uma família empresária sem que haja, por parte dos pais, intenção em preparar todos de forma democrática, até para que eles façam a sua escolha de entrar ou não entrar no negócio. E caso não entrem na empresa, para compensar uma disfuncionalidade, é necessário criar um sentimento de pertencimento da família. Os sucessores e herdeiros podem mudar, ou não, e definirem se estão prontos para entrar na empresa. Podem decidir entrar numa fundação com o objetivo de preservar o legado, ou Family Office. Mas é preciso gerar o sentimento de pertencimento para ultrapassar as consequências das disfuncionalidades.

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