O Palácio do Planalto tem um novo inquilino. O governo de Jair Bolsonaro já está no pretérito. Mesmo assim, não se pode esquecer das tentativas do “Capita” de fechamento do STF, intervenção militar ou mesmo o Exército como Poder Moderador, dentre outros absurdos. A democracia e o Estado do Direito, até o momento, resistiram e prevaleceram, embora ainda exista uma manada de neófitos, manipulados por milícias digitais, que continuam destilando ódio às instituições democráticas.
Pois bem, nesse conturbado cenário destacou-se a figura do Ministro Alexandre de Moraes, denominado pela manada bolsonarista de “Xandão”. Renomado constitucionalista, com notório saber jurídico, prestou relevantes contribuições ao direito constitucional até ingressar na política como Secretário de Justiça de São de Paulo, no Governo de Geraldo Alckmin. Posteriormente, foi Ministro da Justiça e Segurança Pública do Presidente Michel Temer, o que resultou em sua indicação e nomeação como ministro do Supremo Tribunal Federal.
Nesses temos difíceis, Alexandre de Moraes enfrentou ataques à democracia, milícias digitais e presidiu a polarizada eleição presidencial de 2022, com agressões diuturnas as urnas eletrônicas. O futuro, portanto, demonstrará seu efetivo papel (ou não) na defesa do Estado Democrático de Direito. Infelizmente, porém, a questão é um pouco mais complexa.
Afinal, em março de 2019, houve a abertura de um inquérito pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para investigar ataques por meios de notícias falsas e ameaças que atingiam o STF, ministros e familiares. O ministro Alexandre de Moraes, sem sorteio, foi designado relator. Passou assim da condição de vítima para relator do inquérito, com poderes indeterminados. Resultado: diversas prisões foram decretadas, envolvendo empresários, bolsonaristas e blogueiros, com os advogados dos acusados reclamando da dificuldade de acesso aos autos. Em que pese, o STF tenha decidido pela legalidade do inquérito, é fato que a questão é controversa. Afinal, nessa temática geralmente as acusações eram direcionadas ao mesmo Relator, sem sorteio. Correto ou não, houve insurgência da Procuradoria Geral da República. A situação permanece. Tanto que na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes determinou o cancelamento das redes sociais dos comentaristas Guilherme Fiúza, Rodrigo Constantino e Paulo Figueredo, sob o argumento de “divulgação de discurso de ódio e antidemocrático”.
Esse malsinado cenário faz lembrar de Simão Bacamarte, personagem de Machado de Assis, no conto “O Alienista”. Em apertada síntese, conta-nos Machado de Assis que Simão Bacamarte, médico psiquiatra, constrói um hospício, denominado Casa Verde, na cidade de Itaguaí. Ato contínuo, Bacamarte começa internar em seu hospício todas as pessoas que agem de modo inadequado, segundo sua ciência, razão pela qual, setenta e cinco (75%) da cidade estava internada. Os cidadãos ficaram apreensivos, o que gera um movimento de revolta. Ao final, Bacamarte libera todos os pacientes e conclui que louco era ele. Tranca-se no hospício morrendo meses depois.
Enfim, nunca existirá consenso. Interessante que, nesses casos difíceis, as vezes a solução está ao seu lado. Registro aqui a conduta da ministra Rosa Weber. Currículo invejável. Notório saber jurídico, a exemplo dos seus pares. Todavia, somente manifesta-se nos autos, sem qualquer exposição ou manifestação midiática. E quando o faz, sempre privilegia o Estado Democrático de Direito e a independência dos poderes. Mas não é só. Suas decisões habitualmente são submetidas ao colegiado, com ampla transparência. Talvez aqui um sólido exemplo para pacificação desses embates.
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