Compartilho texto de autoria de Tatiana Bruscky, médica de Recife (PE). A publicação mais antiga que encontrei é de 2009.
Como meus leitores são na maioria da faixa dos “enta” sei que muitos o apreciarão. Um detalhe que agrega para que a gente possa conhecer um pouco mais sobre ela, é que na pesquisa encontrei manifestação de um seu irmão que diz “Tati, além de excelente médica e ótima poetisa, é escritora e, achando pouco, ótima artista plástica!”.
O título original é “Onde Andará o Meu Doutor” e nele a autora, com conhecimento de causa, diz que de uma forma geral os médicos de hoje são muito diferentes dos generalistas de antigamente.
Sou do tempo em que quando o paciente não conseguia sair, o médico ia vê-lo em casa, sentava à cabeceira da cama para examiná-lo e, importante, conversava com ele e com o resto da família.
Rendo aqui, por justiça, um preito de saudade e reconhecimento ao Dr. Ayssor Jamur, médico humanista que nos deixou em 2006. A descrição acima espelha seu trabalho.
Não adianta apenas sermos saudosistas e temos que viver der acordo com os tempos de hoje; os médicos passaram a receber outra formação e existem excelentes profissionais que mesmo sendo moços, exercem aquele tipo de medicina “antiga” e fazem, se não tudo, muito do que se praticava antigamente.
Claro que hoje os médicos têm ao seu dispor um arsenal de equipamentos e exames que lhes permitem investigar e diagnosticar a doença com muito mais precisão. Como disse, vivemos uma outra época.
Vamos ao texto da Dra. Tatiana?
Onde andará o meu doutor?
Hoje acordei sentindo uma dorzinha, aquela dor sem explicação, e uma palpitação, resolvi procurar um doutor,
fui divagando pelo caminho…
Lembrei daquele médico que me atendia vestido de branco e que para mim tinha um pouco de pai, de amigo e de anjo…
O Meu Doutor que curava a minha dor, não apenas a do meu corpo mas a da minha alma, que me transmitia paz e calma!
Chegando à recepção do consultório, fui atendida com uma pergunta:
– QUAL O SEU PLANO?
– O MEU PLANO?
Ah, o meu plano é viver mais e feliz, é dar sorrisos, aquecer os que sentem frio e preencher esse vazio que sinto agora!
Mas a resposta teria que ser outra… o MEU PLANO DE SAÚDE…
Apresentei o documento do dito cujo já meio suada, tanto quanto o meu bolso, e aguardei…
Quando fui chamada corri apressada, ia ser atendida pelo Doutor, aquele que cura qualquer tipo de dor…
Entrei e o olhei, me surpreendi, rosto trancado, triste e cansado… será que ele estava adoentado?
É, quem sabe, talvez gripado não tinha um semblante alegre, provavelmente devido à febre…
Dei um sorriso meio de lado e um bom dia…
Sobre a mesa, à sua frente, um computador, e no seu semblante a sua dor.
O que fizeram com o Doutor?
Quando ouvi a sua voz de repente: O que a senhora sente?
Como eu gostaria de saber o que ELE estava sentindo…
Parecia mais doente do que eu, a paciente…
– Eu? ah! sinto uma dorzinha na barriga e uma palpitação, e esperei a sua reação.
Vai me examinar, escutar a minha voz auscultar o meu coração…
Para minha surpresa apenas me entregou uma requisição e disse:
– Peça autorização desses exames para conseguir a realização…
Quando li quase morri…
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA, RESSONÂNCIA MAGNÉTICA e CINTILOGRAFIA!?
Ai, meu Deus! que agonia!
Eu só conhecia uma tal de abreugrafia…
Só sabia que ressonar era (dormir),
De magnético eu conhecia um olhar…
E cintilar só o das estrelas!
Estaria eu à beira da morte? de ir para o céu? Iria morrer assim ao léu? Naquele instante timidamente pensei em falar:
– Terá o senhor uma amostra grátis de calor humano para aquecer esse meu frio? Que fazer com essa sensação de vazio? e observe, Doutor, o tal Pai da Medicina, o grego Hipócrates, acreditava que A ARTE DA MEDICINA ESTAVA EM OBSERVAR. Olhe para mim…
Bem verdade que o juramento dele está ultrapassado!
Médico não é sacerdote…
Tem família e todos os problemas inerentes ao ser humano…
Mas, por favor, me olhe, ouça a minha história! Preciso que o senhor me escute, ausculte e examine! Estou sentindo falta de dizer até aquele 33! Não me abandone assim de uma vez! Procure os sinais da minha doença e cultive a minha esperança! Alimente a minha mente e o meu coração…
Me dê, ao menos, uma explicação! O senhor não se informou se eu ando descalça… ando sim! Gosto de pisar na areia e seguir em frente deixando as minhas pegadas pelas estradas da vida, estarei errada?
Ou estarei com o verme do amarelão?
Existirá umas gotinhas de solução?
Será que já existe vacina contra o tédio?
Ou não terá remédio?
Que falta o senhor me faz, meu antigo Doutor!
Cadê o Scoth, aquele da Emulsão? Que tinha um gosto horrível mas me deixava forte que nem um Sansão!
E o Elixir? Paregórico e categórico.
E o chazinho de cidreira, que me deixava a sorrir sem tonteiras? Será que pensei asneiras?
Ah! meu querido e adoentado Doutor!
Sinto saudades dos seus ouvidos para me escutar, das suas mãos para me examinar, do seu olhar compreensivo e amigo… do seu pensar…
O seu sorriso que aliviava a minha dor…
Que me dava forças para lutar contra a doença… e que estimulava a minha saúde e a minha crença…
Sairei daqui para um ataúde?
Preciso viver e ter saúde!
Por favor, me ajude!
Oh! meu Deus, cuide do meu médico e de mim, caso contrário chegaremos ao fim…
Porque da consulta só restou uma requisição digitada em um computador e o olhar vago e cansado do Doutor!
Precisamos urgente dos nossos médicos amigos, a medicina agoniza… ouço até os seus gemidos…
Por favor, tragam de volta o meu Doutor!
Estamos todos doentes e sentindo dor…
E peço, para o ser humano, uma receita de calor, e para o exercício da medicina….. uma prescrição de amor!
Leia outras colunas do Gerson Guelmann aqui.
Complicado, hoje em dia, a maioria das pessoas querem que o médico passe exames, se só receitam e ascultam o coracao, pulmão, ou só medem pressão, falam que o convênio quer economizar.
Mas falando da autora, realmente fala com a alma, de uma forma leve e poética
Gerson, agradeço a divulgação dessa crônica, linda em sua lucidez e que confirma, em muito, o que estamos presenciando.