Pontualmente ao meio dia, vovô deixava o consultório anexo à casa e adentrava na sala seguindo diariamente o mesmo ritual: ligava a vitrola, colocava um disco de ópera e sentava à mesa. E com o volume quase alto, o almoço se iniciava
– Vovó, serve uma panqueca? (vovó servia sempre o prato dos netos)
Carmem de Bizzet (minha ópera preferida. A voz da solista, a entrada súbita da orquestra com o ritmo bem marcado. Aquilo me impactava).
– Vovó, pouco feijão, mais purê de batatas!
(Acho que a música triunfante à mesa era a forma de abolir conversas triviais; assim ninguém falava de ninguém, nem fofocas, nem queixas, coisas que com certeza o Vô Dante não apreciaria)
“Figaro Figaro Figarooooo Figaro cá, Figaro lá, “Figaro cá, Figaro lá” (esse era o único trecho que sabia de cor do “Barbeiro de Sevilha”).
– Vovó, mais um bife à milanesa! As garfadas seguiam os compassos e o andamento da música. O alimento chegava na boca, passava pelo esôfago e alcançava o estômago
– FÍGARO CÁ FÍGARO LÁ
Às vezes parava de mastigar por uns instantes enquanto o tenor segurava a nota.
– FÍGARO FÍGARO FÍGARO O O O O O
E num “diminuendo” a comida chegava a pausar na boca, à espera do cantor respirar.
Intervalo para engolir – pausa de “semibreve”
Os movimentos digestivos combinavam com as pregas vocais do tenor. E se alternavam.
“De subito” passava a mastigar e engolir num “crescendo desenfreado” tentando acompanhar os compassos acelerados.
– FÍGARO QUA FÍGARO LÁ FÍGARO QUA FÍGARO LÁ.
– Vovó, passa a água? (e naquela dança de colcheias, semicolcheias e semínimas com staccatto e andamento “forte” e “prestíssimo”, encerrávamos a refeição.
Levantava da mesa “mo!to” satisfeita).
– Minha vó era a melhor cozinheira do mundo!!!
BRAVO!!!
(Lembranças de meus avós Dante Romanó e Cylá Mader Romanó)
Leia outras colunas da Karin Romanó aqui.
Ótima tática para evitar “diz-que-me-diz”…ao ler me imaginei a ouvir e saborear no ritmo proposto, vou tentar.
Tem sido ótimo partilhar das suas memórias afetivas, agradeço muito.
Como estou dedicada a recuperar a árvore genealógica familiar, me beneficiei outro dia com seus escritos sobre a Família Schier.
Continue escrevendo e eu continuarei me deliciando com cada coluna!