Pular para o conteúdo

HojePR

Habanera com bife à milanesa

06/04/2023
karin

Pontualmente ao meio dia, vovô deixava o consultório anexo à casa e adentrava na sala seguindo diariamente o mesmo ritual: ligava a vitrola, colocava um disco de ópera e sentava à mesa. E com o volume quase alto, o almoço se iniciava

 

– Vovó, serve uma panqueca? (vovó servia sempre o prato dos netos)

 

Carmem de Bizzet (minha ópera preferida. A voz da solista, a entrada súbita da orquestra com o ritmo bem marcado. Aquilo me impactava).

 

– Vovó, pouco feijão, mais purê de batatas!

(Acho que a música triunfante à mesa era a forma de abolir conversas triviais; assim ninguém falava de ninguém, nem fofocas, nem queixas, coisas que com certeza o Vô Dante não apreciaria)

 

“Figaro Figaro Figarooooo Figaro cá, Figaro lá, “Figaro cá, Figaro lá” (esse era o único trecho que sabia de cor do “Barbeiro de Sevilha”).

 

– Vovó, mais um bife à milanesa! As garfadas seguiam os compassos e o andamento da música. O alimento chegava na boca, passava pelo esôfago e alcançava o estômago

 

– FÍGARO CÁ FÍGARO LÁ

 

Às vezes parava de mastigar por uns instantes enquanto o tenor segurava a nota.

 

– FÍGARO FÍGARO FÍGARO O O O O O

 

E num “diminuendo” a comida chegava a pausar na boca, à espera do cantor respirar.

 

Intervalo para engolir – pausa de “semibreve”

 

Os movimentos digestivos combinavam com as pregas vocais do tenor. E se alternavam.

 

“De subito” passava a mastigar e engolir num “crescendo desenfreado” tentando acompanhar os compassos acelerados.

 

– FÍGARO QUA FÍGARO LÁ FÍGARO QUA FÍGARO LÁ.

 

– Vovó, passa a água? (e naquela dança de colcheias, semicolcheias e semínimas com staccatto e andamento “forte” e “prestíssimo”, encerrávamos a refeição.

 

Levantava da mesa “mo!to” satisfeita).

 

– Minha vó era a melhor cozinheira do mundo!!!

 

BRAVO!!!

 

(Lembranças de meus avós Dante Romanó e Cylá Mader Romanó)

 

Leia outras colunas da Karin Romanó aqui.

1 comentário em “Habanera com bife à milanesa”

  1. Marcia Regina Chizini Chemin

    Ótima tática para evitar “diz-que-me-diz”…ao ler me imaginei a ouvir e saborear no ritmo proposto, vou tentar.
    Tem sido ótimo partilhar das suas memórias afetivas, agradeço muito.
    Como estou dedicada a recuperar a árvore genealógica familiar, me beneficiei outro dia com seus escritos sobre a Família Schier.
    Continue escrevendo e eu continuarei me deliciando com cada coluna!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *