Gosto muito da escultura do Cavalo Babão ali na Praça Garibaldi. Escultura de bronze feita por Ricardo Tod. Sei que devo ser uma exceção porque muitos não gostam. É uma homenagem aos TROPEIROS que traziam suas mulas, cavalos, bois para beber água no Largo da Ordem. A água saindo da boca do cavalo é uma menção a isto. Não pensem que é um cavalo sofrendo ou vomitando.
Essa escultura me transporta a uma fase longa da vida quando acompanhei muito de perto a criação e treinamento de cavalos no haras e Jockey Club. O pai ficou desempregado e tinha uma área na Avenida 3 Marias (travessa da Avenida Toaldo Túlio) no bairro São Bráz. Aquilo era tudo mato ainda. Como o pai sempre foi apaixonado por cavalos, começou a criar puro sangue inglês iniciando com três éguas e um reprodutor.
Alguns devem estar pensando: “que fácil…ficar desempregado e ao invés de procurar emprego nos classificados do jornal, foi criar cavalos”. Antes disso tiveram algumas tentativas de empreender que não deram certo.
Lembro de que, como tudo na vida, também houve muita dedicação, sensibilidade e conhecimento envolvidos. A rotina de um treinador de cavalos é bem puxada. Devia estar às 5h nas raias do Jockey Club todas as manhãs. De segunda a segunda.
Quanto à criação de cavalos puro sangue, as éguas entravam no cio a partir de setembro, quando a luminosidade dos dias se estendia por mais horas. Nesses dias o pai e o caseiro tinham que apresentar as éguas para o garanhão e ver se elas aceitavam a cruza. Eram várias tentativas em vários dias. O pai levava os filhos no haras mas mandava a gente ficar dentro da casa nessas horas.
Até que cada égua ficava prenha. Não se fazia testes ou ecografias. Observava-se ao longo dos meses a barriga crescendo. Não lembro exato mas acho que eram 11 meses de gestação.
Aproximando-se a hora, a égua prenha ficava na cocheira ao lado da casa do caseiro. O chacareiro avisava quando chegava a hora. Não sei onde ele ia telefonar. Sempre de madrugada. Eu escutava o telefone e já levantava. Estávamos já de alerta. Íamos pela Rodovia do Café e pegávamos a Avenida Toldo Túlio e Avenida 3 Marias.
Nessa época era tudo completamente escuro, nada de poste de luz e as ruas eram de terra (exceto a Rodovia do Café). E não havia luz nas casas da região. O chacareiro segurava na alça o lampião de querosene e o pendurava em um prego ao chegarmos na cocheira.
Assistíamos o potrinho ou potranca tentando levantar e se equilibrar nas quatro pernas. Assim que conseguia, ia mamar na mãe. Teve várias situações não tão boas, inclusive quando uma égua morreu no parto. A cria sobreviveu.
O pai trouxe a potranca para nossa casa (um apartamento) e alimentamos com leite e mamadeira. Ficou no meu quarto (e da minha irmã) e inclusive subiu de elevador.
E na sequência normal, muitos potros cresceram e se desenvolveram no Haras Jelon na Avenida 3 Marias. Ao chegar perto de 2 anos, iam para o Jockey. Lá começavam os treinamentos. Diários, constantes. Mas sempre com muito carinho, cuidado.
E a gente se acostumou com as expressões faciais dos cavalos: narinas dilatadas podia ser uma agitação ou estado de alerta. Lábios para frente e para fora era como os garanhões faziam quando viam as éguas. Orelhas para trás era sinal de alerta. E essa boca torcida do cavalo babão não significava sofrimento.
A regra era uma só: nunca ficar atrás das patas traseiras. Podia levar um coice.
Aqui na foto vemos o Inajon logo após ter ganho uma corrida. Uma de muitas! Inclusive vários Grande Prêmios e provas em São Paulo. Ele chegava com essa cara! Sempre cavocando o chão com a perna direita. E a gente entendia que ele estava querendo mais! (Como o Inajon está bem de frente, não dá para ver a boca torta). Inajon era um craque e sabia disso! Nós também!
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