É grave a crise pela qual passa já há algum tempo o Museu Paranaense. Originalmente a instituição se dedicava à pesquisa, estudo e divulgação da História, Antropologia e Arqueologia paranaenses. Diversos dos seus antigos gestores e profissionais publicaram trabalhos de grande importância naquelas áreas do saber. O Museu Paranaense também chegou a atuar em algum grau como formador de pessoal qualificado em tais disciplinas antes da criação dos cursos superiores na Universidade Federal do Paraná. É notório que a mudança para a sede atual não cumpriu com nenhuma das promessas enunciadas à época. Pior ainda, enormes erros e omissões verificados nas gestões recentes estão arruinando o papel social do Museu Paranaense como intérprete, divulgador e educador junto ao povo do Paraná na sua própria História.
A crise do Museu Paranaense contém elementos de ordem estrutural e conjuntural. No que se refere aos determinantes de ordem estrutural é indispensável encarar o fracasso da opção pela mudança para a sede atual, refletir sobre suas consequências e pensar alternativas. Já a conjuntura dos anos recentes revela graves equívocos teóricos e metodológicos que não só estão em antagonismo com a missão social e política daquela instituição como a inviabilizam. É urgente por fim a este estado de coisas através da adoção de medidas drásticas.
A mudança da sede anterior do Museu Paranaense para a atual, no Alto do São Francisco, foi uma decisão sustentada nas mais otimistas premissas – todas falsas. Imaginava-se que o Museu contaria com espaços mais amplos para exposição permanente, permitindo expor acervos até mesmo do tempo presente, evitando encerrar a cronologia histórica oferecida ao público no contexto da Guerra do Contestado (1912-1916). Também se afirmava que a nova localização atrairia mais público para o Museu, pela proximidade do novo prédio com a Feirinha do Largo da Ordem, há tempos um evento dominical gigantesco de escala metropolitana.
Na realidade a exposição seguiu restrita, desde a origem das atividades nas atuais instalações, ao período que se encerra com a Guerra do Contestado. Desta forma, mesmo em novas e mais amplas instalações, o Museu seguiu fracassando na sua missão de efetivamente ser Paranaense e, no processo, abarcar a totalidade da formação histórica do Estado. Seguiram ausentes da exposição permanente as etapas históricas correspondentes à colonização das regiões do Norte Novo, Norte Novíssimo e do Sudoeste do Paraná. A ausência da história dos últimos cem anos do Paraná no Museu implica em abrir mão justamente das interfaces mais imediatas e familiares que a instituição poderia apelar no esforço de manter interação com seu público, para não mencionar a perda de diversidade expositiva derivada da cultura própria que cada uma destas regiões criou e desenvolveu.
No que se refere à pretendida ampliação do público aconteceu o contrário. Ao tempo do funcionamento na sede anterior o Museu se localizava rigorosamente na frente de um modal de transporte de massa, no caso, dos pontos de passageiros das antigas linhas de ônibus Expresso que serviam ao eixo norte-sul da capital. Muitos milhares de passageiros que afluíam diariamente a tais pontos de ônibus acabavam sendo atraídos à condição de visitantes eventuais do Museu. Quantidade ainda maior de visitantes que planejavam conhecer o Museu contavam com a comodidade de um transporte coletivo de massa que o levava até a porta da instituição – literalmente. A vizinhança da Praça Tiradentes, também com ampla oferta de transporte de massa, era um fator igualmente relevante na ampliação da frequência do público ao Museu.
A idealizada interação entre o Museu e o público da feira de domingo, por outro lado, jamais se verificou. De fato, da vasta massa de muitos milhares de pessoas que frequentam o local aos domingos a maioria das poucas que se interessam em adentrar a instituição são os que desejam usar seus banheiros, públicos e gratuitos. Pior ainda, segue sem solução o problema de tornar atrativa a visita planejada ao Museu em todos demais dias da semana, uma vez que se trata de local de difícil acesso e carente de opções de transporte coletivo.
O que torna a atual crise do Museu Paranaense ainda mais crítica são as opções das gestões recentes. Numa manifestação de subserviência alienada e alienante para com a ideologia identitária dominante patrocinada pelo imperialismo cultural estrangeiro e os grandes interesses econômicos, como bancos nacionais e internacionais, estabeleceu-se o princípio da “representatividade” de “novos sujeitos históricos” tidos como “invisibilizados”, uma opção que é resultado de uma mistura de negacionismo histórico com anti-ciência. A vital tarefa de pesquisar o próprio acervo, composto por mais de uma centena de milhar de peças, foi abandonada em favor da geração de material gráfico e audiovisual de gosto duvidoso e nula utilidade. Trata-se de uma tentativa deliberada tanto de repudiar a materialidade histórica representada pelo acervo de fontes quanto meramente promover as carreiras de indivíduos sem conexão com as áreas de atuação do Museu como são as artes plásticas e a arquitetura.
Além do repúdio à prática das ciências que compõe o Museu também a própria denominação da instituição foi alterada, trocada por sigla de sonoridade infantil e destituída de qualquer significado social. Na atual identidade visual da instituição o nome do Museu aparece grafado abaixo da sigla, em caracteres bem menores e sem letra inicial maiúscula, afrontando a norma culta da língua nacional e tripudiando do rigor formal que deveria ser dever da instituição observar.
No seu formato atual o Museu Paranaense não é capaz de dar ao público nenhuma resposta a qualquer questão relevante da nossa História. Como se deu os contatos entre europeus e indígenas que levaram à criação dos primeiros núcleos de povoamento no Paraná? Como a exploração do ouro deu lugar à pecuária? Quais as formas de exploração do trabalho nas fazendas? Em que circunstâncias se deu o golpe político que permitiu a criação da Província do Paraná? Como a Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai afetaram a região? Como ocorreu a transição do trabalho escravo para o trabalho livre? Qual a relação do capital estrangeiro com a construção da infraestrutura de transportes e comunicações? Qual sentido social e político das revoltas e protestos de posseiros e meeiros em regiões como o Sudoeste do Paraná? Quando e como se reverteu a relativa democratização do acesso à propriedade rural no Norte do Estado? A Revolução Federalista foi mesmo decidida no Paraná? Qual a ligação entre a Guerra do Contestado e o Imperialismo? Qual foi o legado para a modernização dos investimentos das empresas de propriedade do Estado? Quando e como a indústria ultrapassou a agricultura na participação do PIB estadual? Como o Estado agiu face aos grandes eventos de importância nacional? Afinal, qual é o papel do Paraná na federação brasileira? O Museu Paranaense atualmente não coloca nenhuma questão que tenha relevância social e política como as citadas.
No que se refere as questões de espaço físico e acessibilidade a subutilização crônica da antiga sede do Museu Paranaense permite considerar seu retorno ao local de origem. Dos acervos adicionais que, desde então, ficaram sob sua guarda pelo menos um merece destinação específica. A magnifica e extensa coleção David Carneiro deveria ser mantida na íntegra, sendo destinada a uma instalação própria. O local ideal seria o prédio da Casa Andrade Muricy, atualmente ocioso, o qual seria convertido à função de abrigar o redivivo Museu David Carneiro.
Contudo, nenhuma mudança de sede, por mais vantajosa que possa parecer, poderá compensar a falta de uma direção competente, profissional e, acima de tudo, comprometida com a pesquisa do acervo e a educação do povo paranaense na sua própria História. E, neste quesito de importância estratégica, a atual gestão já deu mostras mais do que suficientes da sua total inaptidão e absoluta incompetência. Se os atuais titulares da administração do Museu não se enxergarem como incapazes de arcar com as responsabilidades que lhes foram confiadas e se demitirem então o Governo do Estado tem que agir no sentido da sua substituição. Quanto mais rápido melhor.
Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e organizador da obra “Memorial do Museu Paranaense – 6.ª Sede Praça Generoso Marques, para baixar clique aqui.
1 Comentário
É lamentável que o povo paranaense não conte mais com um Museu que conte a sua a origem e sua história. O Brasil notadamente sempre ignorou a sua própria história e agora existe um claro objetivo de também tentar recortar e promover sua revisão com o objetivo de a alinhar ao discurso reinante.