HojePR

LOGO-HEADER-slogan-675-X-65

27/04/2024

OPINIÃO PESSOAL

Sem Categoria

A fixação irrisória do dano moral é forma de estímulo a violação dos direitos

 A fixação irrisória do dano moral é forma de estímulo a violação dos direitos

Por José Augusto Araújo de Noronha

 

O anuário “Justiça em Números”, relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), tem apontado que os pedidos de indenização por dano moral crescem a cada ano e estão sempre entre as demandas mais frequentes nos Judiciário brasileiro.

 

De acordo com a edição divulgada no ano passado, com dados consolidados de 2021, o tema Direito do Consumidor – Responsabilidade do Fornecedor/Indenização por Dano Moral é o segundo mais frequente entre 1.655.989 de demandas distribuídas para a competência da Justiça Estadual em todo o Brasil.

 

O dano moral entrou com maior peso na agenda nacional a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal. E é fácil entender a razão: a Carta enfatizou a proteção à dignidade das pessoas e pôs em evidência os seus direitos. Não por acaso, recebeu o epíteto de Constituição Cidadã. Também o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, e o novo Código Civil, de 2002, reforçaram um novo conceito de cidadania e estimularam a conscientização de cada brasileiro sobre seus direitos.

 

Apesar do sólido arcabouço legal, ainda é comum que muitas empresas ainda pratiquem a violação aos direitos do consumidor por meio de má prestação de serviços, contratos de adesão com cláusulas abusivas e outras táticas vedadas pela legislação consumerista. Ao consumidor lesado em seus direitos e em sua dignidade resta contar com o Poder Judiciário e uma boa prestação jurisdicional.

 

A ação de indenização para reparação de danos morais é, afinal, o meio legal e legítimo de tentar compensar aquele que teve sofrimento, angústia e com alteração negativa no estado anímico, psicológico ou espiritual da pessoa, podendo ser ainda fixado de forma mais contundente como forma de punir aquelas empresas que abusam da boa-fé do cidadão e sistematicamente continuam adotando práticas que sabidamente causam prejuízos aqueles que deveriam receber serviços ou produtos de qualidade.

 

Um dos grandes dilemas nos Tribunais, debate constante entre os julgadores, é a correta fixação do valor da indenização por danos morais. O tema é polêmico, todos sabemos. Os caminhos para a justa fixação nem sempre são tão simples quando se busca a reparação de forma efetiva, sem “tarifação” rígida de valores, pois evidente que cada um tem uma forma de encarar os reflexos decorrente dos atos ilícitos praticados pelos causadores do dano moral.

 

Há os que defendem, ao arrepio da Constituição, o escalonamento em tabela que classificaria as práticas em três categorias – leves, moderadas e graves. Não raro a justificativa para a fixação em valores irrisórios aos danos morais aponta para a tese de que a fixação mais elevada poderia gerar aumento na judicialização de demandas semelhantes, o que ao meu sentir não se sustenta.

 

Em minha experiência, justamente a fixação em valores módicos e que não são suficientes para recompor todo o sentimento de angústia e abalo sofrido é que fazem com que muitas empresas insistam em continuar causando “danos morais em escala industrial” e somente com a fixação em valores condizentes com o gravidade do dano e com a quantidade de demandas que são respondidas pelo ofensor é que se terá uma mudança gradativa e efetiva no respeito aos direitos dos consumidores.

 

Decisões que não analisam adequadamente a contumácia do desrespeito praticado, a qualidade e condição das partes e o potencial de irreversibilidade de todos os danos morais causados estão colaborando para que o dano moral seja apenas uma rubrica no orçamento de muitas empresas que entendem ser mais barato pagá-los do que mudar as práticas ou promover o respeito aos direitos que foram violados dolosamente.

 

Tenho como certo que quando uma indenização por danos morais é fixada em valores baixos ou irrisórios e não possibilitam a própria mudança na forma de atuação do violador, estar-se-á impondo ao prejudicado um duplo dano moral.

 

Se é razoável defender a cautela de quem reivindica direitos, por que não argumentar também que o dano moral pode ser instrumento para mudança de prática das empresas que lesam o consumidor? Nesse sentido, é fundamental que a capacidade financeira de quem causou o dano seja levada em conta para o arbitramento do valor da indenização, não ficando livre de outras medidas administrativas e de firme atuação do Ministério Público quando as ações forem rotineiras e dolosas.

 

É preciso discutir o tema para que possamos colocar luzes no problema pois não existe “indústria do dano” quando não se comete danos. Se o pedido levado sob análise é descabido, a Justiça tratará de negá-lo.

 

Os danos morais servem para ressarcir pelos danos extrapatrimoniais causados a alguém por ato ou prática sabidamente ilícita e, para não os enfrentar na Justiça tão mais fácil seria que todas as empresas cumprissem a lei e respeitassem os consumidores. Afinal, ao fim e ao cabo, são eles que dão sentido à atividade empresarial.

 

Não fixar os danos morais de forma adequada é punir duplamente aquele que já sofreu uma vez e que não pode ser penalizado novamente.


José Augusto Araújo de Noronha é advogado e conselheiro federal da OAB.

7 Comments

  • É exatamente assim que me sinto, duplamente agredido. Comprovado o dano moral a justiça aplica um valor irrisório. Desde o ano de 2020 o Detran não me entrega o documento do carro, que foi devidamente pago na data, e hoje ainda estou para receber um valor que não paga os IPVAs dos anos que o próprio réu causou o atraso. De fato, não existe indústria do dano moral, o que existe é um ecosistema econômico/judiciário para manter quem é pobre cada vez mais pobre. A dor só aumentou.

  • Esse é ponto crucial. Ter o direito a justa indenização na medida do dano causado. No caso posto, o dano moral suplanta eventual prejuízo material. Não se trata de mero aborrecimento cotidiano, justificativa para afastar o pleito, e quando se reconhece o dano, a indenização deve alcançar seu objetivo, sendo um deles uma maneira de dissuadir o causador a reiterar a ofensa. Tomara que ser artigo desperte essa visão e sensibilize o Poder Judiciário.

  • Excelente! A fixação de indenizações irrisórias é uma nova ofensa à vítima. O caráter pedagógico das sentenças e acórdãos tem sido praticamente nulos. Um estímulo ao desrespeito ao consumidor.

  • Parabéns pelo excelente texto!
    Sabem que muitos não recorrerão à justiça, já que o trabalho e o tempo necessários para acioná-la muitas vezes não compensam, o que perpetua a impunidade e a falta de respeito

  • Perfeita análise, nossos tribunais têm que ter a coragem de não se deixar dominar pelo lobby doutrinário hipócrita encomendado pelas grandes empresas. Parabéns!

  • Excelente. Minha experiência pessoal é péssima.

  • Meus parabéns! Realmente causa novo dano para as vítimas. Este novo dano é irreparável e se resume na descrença na Justiça!

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *