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28/04/2024



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Antologia de Rio Spoon

 Antologia de Rio Spoon

Acabo de ler o melhor livro de poemas lançado até o mês de julho deste ano de 2022. Uma tradução da obra Spoon River Anthology, do modernista americano Edgar Lee Masters, perpetrada pelo poeta curitibano Ivan Justen Santana. Conheci Ivan nos anos 90, junto com outros poetas de sua geração, como o falecido Cobaia, que estavam produzindo com Marcos Prado, na sua última fase. Ele me disse que foi como uma pós-graduação em artes poéticas: “O Marcos e o Cobaia faziam uma dupla muito engraçada e fascinante para um jovem como eu, que estudava língua e literatura inglesa na UFPR. Começamos traduzindo letras de canções de Lou Reed, Tom Waits, David Bowie, entre outros, junto com o Edson de Vulcanis, Edilson Del Grossi e Thadeu Wojciechowski”.

Anos depois, participamos do livro Presença de Espíritos, produzido pela Editora Base, com traduções de alguns dos maiores poetas da humanidade, como Dante Alighieri, Rimbaud, Edgar Allan Poe, Mallarmé, etc, etc. O livro diferia de outras produções do tipo porque não era assinado por um autor, mas por sete: Thadeu Wojciechowski, Sérgio Viralobos, Ivan Justen, Roberto Prado, Alberto Centurião, Edilson Del Grossi e Marcos Prado. Há poemas em que a produção pertence a quatro poetas, outros em que participam três, dois autores; de modo que o processo criativo se torna democrático e abrangente. Ivan me disse que essa experiência bem característica da poesia curitibana foi muito importante na sua formação contínua como poeta. “Desde os anos 1990, o trabalho poético em grupo, tanto nas traduções quanto na produção original é uma experiência interessante e marcante.”

Ivan Justen Santana é mestre em Letras (área de Literatura Inglesa e Norte-Americana) pela USP, mas a descoberta de Edgar Lee Masters foi muito mais recente, coisa de uns três anos atrás, quando ele fez um rascunho completo da tradução da Antologia de Rio Spoon. Recentemente, Ivan passou por um período de desintoxicação e aproveitou para revisar o livro todo. “Eu diria que foi uma espécie de complemento do meu tratamento, em termos de método de trabalho regular e mais disciplinado.”

Edgar Lee Masters , nascido em 1868, foi um poeta e romancista americano. Em 1909, após ler Epigramas da Antologia Grega, foi tomado pela ideia de compor uma série semelhante de epitáfios de versos livres na forma de monólogos. O resultado foi Spoon River Anthology (1915) , em que os antigos habitantes de Spoon River falam do túmulo de suas vidas amargas e insatisfeitas nos confins sombrios de uma pequena cidade. A comunidade de Spoon River era fictícia; seus personagens eram compostos por habitantes de Petersburgo e Lewistown, Illinois, que Masters conhecera quando menino.

No período de aproximadamente 1912 a 1925 houve um florescimento da atividade literária em Chicago. Os principais escritores desse renascimento – Theodore Dreiser , Sherwood Anderson, Edgar Lee Masters e Carl Sandburg – retrataram realisticamente o ambiente urbano contemporâneo, condenando a perda de valores rurais tradicionais na sociedade americana cada vez mais industrializada e materialista e o fracasso da promessa romântica que o trabalho duro traria automaticamente recompensas materiais e espirituais. A maioria desses escritores era originária de pequenas cidades do Centro-Oeste e foi profundamente afetada pelo regionalismo da década de 1890 que prenunciou o realismo da literatura do século XX.

Sem dúvida, o maior sucesso comercial e de crítica desta geração de escritores foi Spoon River Anthology com sua coleção de 245 epitáfios em versos livres na forma de monólogos. Os oradores falam de suas esperanças e ambições e de suas vidas não realizadas. Os poemas realistas mostraram-se controversos quando foram publicados pela primeira vez, pois destoavam da visão popular das pequenas cidades como repositórios de virtude moral e respeitabilidade. A obra foi banida das escolas e bibliotecas de Lewinston até 1974, com o voto até da mãe de Edgar, que fazia parte do conselho da biblioteca da cidade. No entanto, ou por isto mesmo, o livro vendeu 80 mil exemplares em quatro anos, tornando-se um best-seller internacional pelos padrões da época. Em sua resenha, Ezra Pound celebra que finalmente a América descobrira um poeta. No final da Antologia há ainda um longo poema dramático, chamado Epílogo, com as vozes de divindades como o Deus altíssimo, Belzebu, Yoganidra e Lóki. Em 1963, uma encenação de Spoon River Anthology foi apresentada na Broadway.

Para entender o sucesso desta obra, muito bem traduzida por Ivan Justen Santana, nada melhor do que ler alguns de seus poemas:

 

Chase Henry

EM vida, eu fui o bêbado municipal;
Quando morri o padre me recusou o enterro
Em solo sagrado,
O que redundou em minha boa sorte.
Pois os Protestantes compraram este lote,
E enterraram meu corpo aqui,
Perto do túmulo do banqueiro Nicholas,
E de sua esposa Priscilla.
Tomai nota, almas prudentes e piedosas,
Das correntes cruzadas na vida
As quais dão honra aos mortos, que viveram na vergonha.

 

Fletcher McGee

ELA levou minha força minuto por minuto,
Ela levou minha vida hora por hora,
Ela me drenou como uma lua em febre
Que suga o mundo rodopiante.
Os dias passaram como sombras,
Os minutos giraram como estrelas.
Ela pegou a piedade do meu coração,
E a transformou em sorrisos.
Ela era um pedaço de argila de escultor,
Meus pensamentos secretos eram dedos:
Eles voaram à sua fronte pensativa
E a escavaram com dores profundas.
Ajustaram seus lábios e murcharam suas bochechas,
E inclinaram seus olhos de tristeza.
Minha alma penetrou o barro,
Lutando como sete diabos.
Não era minha, não era dela;
Ela a segurou, mas suas batalhas
Modelaram uma face que ela odiava,
E uma face que eu temia ver.
Bati nas janelas, sacudi os cadeados.
Me escondi num canto
E então ela morreu e me assombrou,
E me perseguiu pelo resto da vida.

 

Emily Sparks

ONDE está meu menino, meu menino –
Em qual longínqua parte do mundo?
O menino que eu mais amava na escola? –
Eu, a professora, a velha senhora, o coração virginal,
Que fez deles todos meus filhos.
Conhecia eu bem o meu menino,
Ao pensar nele como um espírito inflamado,
Ativo, sempre aspirante?
Ah, menino, menino, por quem rezei e rezei
Em muitas horas de vigília à noite,
Você se lembra da carta que lhe escrevi
Sobre o lindo amor de Cristo?
E se você um dia a recebeu ou não,
Meu menino, onde quer que esteja,
Trabalhe pelo bem da sua alma,
Que toda a sua argila, todos os seus detritos,
Capitulem ao seu fogo,
Até que o fogo seja nada além de luz!…
Nada além de luz!

 

Trainor, o Farmacêutico

SOMENTE um químico pode dizer, e nem sempre,
O que vai resultar da combinação
De fluidos ou sólidos.
E quem pode dizer
Como homens e mulheres vão interagir
Um com o outro, ou que filhos vão nascer?
Lá estavam, Benjamin Pantier e sua esposa,
Bons individualmente, mas ruins um ao outro;
Ele oxigênio, ela hidrogênio,
O filho deles, um fogo devastador.
Eu, Trainor, farmacêutico, avarento da química,
Morto enquanto fazia uma experiência,
Vivi solteiro.

 

 

Masters morreu na pobreza em um lar de idosos em 5 de março de 1950, em Melrose Park, Pensilvânia, aos 81 anos. Foi enterrado no cemitério de Oakland em Petersburg, Illinois. Seu epitáfio foi o seguinte:

Bons amigos, vamos aos campos…
Depois de um pequeno passeio, peço perdão,
Mas acho que vou dormir. Não há nada mais doce,
Nem destino mais abençoado do que dormir.
Eu sou um sonho de um sono abençoado –
Vamos caminhar e ouvir o passarinho.

1 Comment

  • Brilhante a matéria, iluminados os poemas. O Ivan havia me mostrado.algumas traduções na Uninter, no período em que dividimos o mesmo ambiente de trabalho.

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