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27/04/2024



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Beijo AA Força

 Beijo AA Força

Dando continuidade ao artigo MOVIMENTO PUNK EM CWB, publicado no dia 1º de setembro passado, contarei algumas histórias do Beijo AA Força, grupo mais emblemático da época.

Em depoimento exclusivo para a coluna Frente Fria, Luiz Ferreira, guitarrista e principal compositor do Beijo AA Força (BAAF), fala sobre a produção do mitológico PRIMEIRO FESTIVAL PUNK DE CURITIBA, realizado em 13/11/1983:

“Certa vez acabamos uma banda, a Contrabanda, tudo certo, não resistimos ao nosso primeiro fracasso. Cada um pegou um pedaço do espólio da ex-banda: um saiu com um cabeçote, outro com uma caixa de som, instrumento, e estava feita a divisão justa de quase dois anos de banda e muita loucura envolvida, que acabava ali, naquele instante.

O Renato Quege foi o primeiro a verbalizar a vontade geral: “vou virar punk”. Ali, na última reunião na casa que o Sérgio Viralobos tinha alugado (era o único com bom emprego na turma) pra gente ensaiar. O Viralobos, em contrapartida, sempre foi um grande manipulador, um arquiteto de jogadas que poderiam passar batidas, não fosse pelo carisma e o karma dos envolvidos. Ele mesmo, junto com o Fernando Tupan, arquitetaram trilhar o caminho de Malcolm McLaren e criar uma banda punk para revolucionar o mercado fonográfico mundial. A ideia se fortaleceu até chegarmos à conclusão de que o grande lance seria criar um festival punk, sugestão do Sérgio, claro, que a essa altura já havia criado o nome da banda: Beijo AA Força. A banda era o Viralobos no microfone Shure (espólio da Contrabanda que ele mesmo havia comprado que depois virou sucata nos ensaios), Rodrigão nos vocais e guitarra, eu na guitarra, Renato no baixo e o Foguinho (Oswaldo Baby Jr) na bateria. Todos remanescentes da Contrabanda.

O que aconteceu depois foi o seguinte: eu resolvi colocar em ação a tal máxima clássica e hoje o maior chavão punk: “faça você mesmo” e saí dali direto para a domingueira heavy metal da Sociedade Protetora dos Operários, o popular Operário, clube com um salão enorme e uma tradição de grandes bailes, que ficava a umas quatro quadras do Bar do Lino e da casa do Rodrigo. A domingueira heavy tinha um público médio de umas duas mil pessoas e, na cara dura, cheguei com meu jaquetão preto e pedi pra falar com o presidente, pois eu tinha uma proposta de um grande festival: o PRIMEIRO FESTIVAL PUNK DE CURITIBA. Blefei, claro, que tinha contato com bandas de nome nacional do estilo e que traria para tocar numa domingueira especial se eles nos dessem o palco, o público e o som; tentei mais alguma coisa (transporte, cachê, alimentação, hospedagem), mas foi o que consegui, além de algumas cervejas para o dia do show.

Ao encontrar os amigos, repassei o progresso das negociações e procurei vender a todos a ideia de juntarmos as forças para realizar o festival, pois ainda não tínhamos a banda nem a logística pra trazer alguém de “nome nacional”. Porém, o Sérgio sugeriu que fôssemos para São Paulo e convidássemos alguma banda punk forte de lá. A saudosa Andreinha Giovannetti, nossa amiga e musa punk, garantiu o pouso no porão da casa dela, no Jardim Social, e uma vaquinha entre os amigos garantiria alimentação e alguma ajuda para o transporte da banda. Pra mim bastou.

Fomos pra Sampa eu e o Sérgio e chegamos numa noite agitada no Napalm, o pub punk mais punk que Sampa já teve, o barman era o João Gordo, que ficava dublando o DEVO enquanto servia o balcão.

Conhecemos o Clemente, dos Inocentes, naquela noite. Ele estava com uma banda nova, os “Skunks Neuróticos” (ou NeurótiKos) – uma banda “oi” – e no palco estava tocando um grupo new wave chamado U.T.I. – tocavam de jaleco e máscaras cirúrgicas, faziam um som alegre, interessante, nada punk, mas moderninho, legal. Cheguei roubando um bottom (e rasgando a jaqueta) do Clemente, que aliviou quando o convidei para um “grande festival em Curitiba, para mais de 2.000 pessoas em um clube fantástico no centro da cidade”. Ele topou na hora e os rapazes da U.T.I. estavam ouvindo a conversa e se escalaram para o festival, iriam a Curitiba por conta própria e tudo certo. Fechamos o line up do festival: Beijo AA Força, Skunks Neuróticos (ou Neurotikos) e U.T.I. O resto eu conto outra hora”.

Lembro que fomos em bando buscar os punks de São Paulo na rodoviária, às 6 da manhã. Tínhamos emendado a noite e a madrugada numa festa na boate gay Belle Époque, com convites arrumados pela nossa amiga Monica Berger. Os frequentadores adoraram nosso visual e a dança do pogo, com direito a correntadas a torto e a direito.

No entanto, os seguranças do lugar não eram tão antenados: ficaram bastante nervosos com a situação e foram pra cima dos punks, resultando no nariz quebrado de nosso companheiro Edilson Del Grossi. De lá fomos a pé pra rodoviária e me recordo de olhar pra trás e ver centenas de punks nos seguindo. Me senti como o Flautista de Hamelin.

O Festival do Operário foi um grande sucesso e o começo de uma amizade que dura até hoje com os punks de SP. Careca, vocalista dos grupos Paz Armada e Maus Elementos, deu um depoimento para o documentário Punks na Cidade, produzido por Darwin Dias, que explica o impacto daquele dia:

“Naquele show tinha uns quarenta punks e uns dois mil metaleiros, como eu. Eles não curtiram muito, mas eu fiquei fascinado. Quando vi aquele show no Operário foi o começo: passou uma semana e eu raspei o moicano.”

Depois do Beijo AA Força surgiram centenas de bandas punks na cidade, como as já citadas Paz Armada e Maus Elementos, e outras de destaque como Indigentes e SS20, do punk inglês Kevan Gillies, aquele que fundou a Carne Podre, a banda original. Um ponto de virada foram Os Catalépticos, que trouxeram o Psychobilly, uma vertente do punk inglês, para Curitiba, que se tornou um polo mundial deste gênero. Basta ver o sucesso do evento Psycho Carnival produzido há mais de 20 anos por Vlad Urban, o guitarrista e vocalista de Os Catalépticos.

O ponto de encontro inicial dos punks curitibanos era o Bar do Lino, único que nos aceitava como clientes. Renato Quege, o baixista do Beijo AA Força, lançou recentemente um livro chamado Amadeo, que resenharei brevemente aqui na Frente Fria. Num trecho, ele descreve com maestria a cena da época:

“O local achava-se na subida da Alameda Cabral e nos anos 80 do século passado foi o reduto dos punks e simpatizantes quando a seminal Beijo AA Força passou a ensaiar aos domingos à tarde na sala da mesa de bilhar, ao lado dos banheiros imundos, e esses ensaios iniciais aos poucos transformaram-se em apresentações antológicas acionando a atenção da mídia e do público em geral.

Acontece que a polícia, sempre preocupada com o bem-estar geral da comunidade e atenta à ordem social e à garantia dos bons costumes, também batia ponto no lugar com batidas memoráveis que incluíam a chegada de dezenas de policiais, que desciam das viaturas com cães farejadores e armas em punho como se a garotada lá presente fosse uma ameaça para a segurança nacional.

De uma maneira geral a vizinhança aprovava as movimentadas domingueiras e até assistiam às ferozes apresentações do BAAF, que trazia a reboque outros grupos iniciantes e mais assistência a cada semana.

Quando a moçada ficou de saco cheio da perturbação matinesca e o velho dono do boteco indispôs-se com os sabujos servis tudo mudou: o balcão e as mesas foram ficando cada vez mais desocupados e um novo tipo de clientela aos poucos substituiu a saltitante juventude anárquica: bêbados e bandidos apossaram-se da lendária e saudosa esquina que testemunhou a fase musical mais pujante da gélida metrópole.”

Outro bar mitológico da época era o Voltz, da Moema Zucherelli. Era um ponto de encontro entre punks, new waves e pessoas interessadas em conhecer aqueles seres estranhos. A partir de um certo momento, as coisas começaram, também ali, a ficarem violentas, com investidas da turma de playboys da Praça Espanha. Certa noite, o bar estava completamente lotado e eu conversava com o querido Black, um punk da mais alta estirpe. Daí entra um garoto de uns 17 anos, vestido de punk de butique. Quando ele foi ao banheiro, o Black resolveu provocar, gritando: “tira a corrente pra mijar!”. O guri veio correndo na nossa direção com uma arma branca e deu duas facadas no Black. Ele só conseguiu quebrar uma garrafa de cerveja na cabeça do canalha, que depois descobrimos ser filho de um desembargador, saíndo impune de toda esta história. O Rodrigão levou o Black para um hospital a tempo dele se safar dessa. Morreria alguns anos mais tarde, deixando uma falta enorme na cena underground curitibana.

Este crescendo de violência foi afastando o Beijo AA Força do movimento punk e logo fomos tachados de traidores do movimento. Neste momento, eu estava morando em Manaus, mas continuava mandando letras pra banda, na maioria em parceria com Marcos Prado, e as músicas passaram a ser mais elaboradas, com influência do Dark, movimento que entrou com força em Curitiba. Um exemplo é o grande sucesso do BAAF: Homem de Ferro! (veja aqui). Também foi criada uma sub banda chamada Maxixe Machine, que tocava samba antigo, uma heresia para os ouvidos punks.

O BAAF fez mais de 300 shows na carreira, com apresentações marcantes em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, e participou de seis álbuns, sendo um dos últimos “Sem Suingue”, lançado em 1995. Sobre o BAAF e o Sem Suingue, o renomado crítico musical Hermano Vianna publicou um artigo no jornal O Globo, em 17 de maio de 2013 – “Preciso deixar bem claro (a nova audição reconfirmou essa impressão antiga): “Sem suingue” não deixa nada a dever se comparado com “Acabou Chorare” ou com “Samba Esquema Novo”. Na minha humilde opinião leva até vantagens, pois reflete bem minha experiência de geração e meus interesses diante do mundo pop atual. Isso só parece exagero porque quase ninguém ouviu a obra prima curitibana. Quem escutar agora vai pensar que é gravação nova, de tão atual e original (ou não original, já que abusa do sampler)… Pode haver disco melhor?”

Em artigo, também publicado no jornal O Globo, o dramaturgo Felipe Hirsch confessou ter obtido “o momento da revelação de seu tema eterno” como artista aos 13 anos de idade, ao assistir o show “Êxtase sob Dureza”, do Beijo AA Força.

Mas um dia chega a hora de pendurar as guitarras, baixos e baquetas. O último show do BAAF foi no auditório do Museu Oscar Niemeyer, num domingo, primeiro de junho de 2014, no lançamento do meu livro Piada Louca. Pra variar uma apresentação memorável. Vocês não acham que esta história merece um documentário ou um livro biográfico?

 

Último show do Beijo AA Força. Foto: Samuel Lago

10 Comments

  • Rende um livraço!

  • Fui e sou fã do BAAF
    Foi graças a banda que me tornei amigo/primo do Renato Quege.

  • Inesquecíveis também os shows no Blues Bar, na Jame Reis. Merece tudo e muito mais. Beijo eterno!

  • Inesquecíveis também os vários shows que vi no Blues Bar, na Jaime Reis. Merece tudo e muito mais! Beijo eterno!

  • Obrigado pelos comentários. Deram resultado: em breve vai sair um documentário sobre o BAAF, é um livro também.

  • Com certeza merece um documentário e um livro biográfico (por que não os dois?!)…

  • Que eu lembre o Volts era da Andiara Zucherelli, não da Moema, ela tinha um sócio que não recordo quem era. O Volts foi o primeiro bar de Curitiba a tocar punk e new wave, nos outros era MPB e rockão,

  • Merecemos

  • Lendas do Punk de Curitiba! Parabéns pela publicação!! Merece Sim um Documentário!!!

  • Merece isso e muito mais.

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