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28/03/2024



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Central de Despachos Nossa Senhora da Graça

 Central de Despachos Nossa Senhora da Graça

Confesso que, sendo um poeta instintivo, nunca dei muita bola pra crítica ou resenha literária. Ri muito quando ouvi aquele caso de Mallarmé, que, ao ouvir de Saint-Saens uma interpretação pessoal de um soneto seu, respondeu não ser aquele o sentido que pretendera dar à poesia – mas, tendo achado melhor o de Saint-Saens passava a adotá-lo…

 

Mas eis que o jornalista Maurício Marques me convida pra fazer desta coluna também um espaço de resenha literária para o HojePR e aqui estou, tentando me desincumbir da árdua tarefa. Pra facilitar, resolvi começar pela obra de um poeta que admiro: Amarildo Anzolin, o autor de CENTRAL DE DESPACHOS NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS. Como se pode ver na foto acima, Anzolin é um homem múltiplo, pois além de poeta, é letrista, escritor, redator publicitário, revisor, ministrante de oficinas de escrita, performer, radialista, roteirista e produtor cultural. Conheci-o em São Paulo, quando do lançamento do meu livro Piada Louca no bar Cemitério de Automóveis, de Mário Bortolotto. Como bom curitibano, Amarildo foi o primeiro a chegar e pudemos conversar um pouco sobre a experiência de morar em São Paulo, que ambos estávamos vivenciando. Só recentemente, quando voltamos pra Curitiba em momentos distintos, que pudemos trocar mais ideias e elaborarmos alguns projetos culturais bem interessantes, que esperamos estarem logo nas ruas da cidade.

 

Voltando ao livro, a primeira coisa que me impressionou foi o tamanho do catatau, nada menos que 472 páginas de poesia pura. Perguntei-lhe então: “o que te deu na cabeça de publicar um livro de poesia tão parrudo?” Ele respondeu fulminante: “Central de Despachos Nossa Senhora das Graças é o terceiro livro da minha série chamada Nomes Longos. Antes fiz Evite Permanecer Nesta Área e Hospedaria de Cuidados Paliativos. Os três são volumosos, sendo este atual o maior. Na verdade, nunca simpatizei muito com livros que não param em pé. Há exceções, claro. Livrinhos miúdos podem ser densos, robustos. Também tem calhamaços de péssima qualidade. O ponto não é esse. Acho que há espaço pra obras longas. Rock progressivo pode coexistir com canções de dois minutos, radiofônicas ou não. Acho que quem ama poesia, lê livros grandes ou pequenos.”

 

Depois da primeira parte, que tem o nome do livro, seguem-se outras doze partes intituladas: HAIKU (E ALGUM TANKA), ENCARTES PARA LP, BELO IMPOSTOR, BILAC COM CANETA BIC, SONZINHOS (POEMAS FAJUTOS), E-MAILS ADIADOS, GANCHINHO (POEMAS PARA REDE), CADERNO BALDIO, CAXIMBA, RAPINAS A PÉ, CONCRETA MACUMBA e MACUMBA À VISTA. Pela graça dos títulos dá pra antever a qualidade dos poemas contidos neles.

 

O poeta e professor de Literatura Marcelo Sandmann escreveu um prefácio intitulado UM LIVRO DE MUITOS LIVROS, em que analisa com muita perspicácia a estrutura de Central dos Despachos. Diz ele: “os poemas breves, de pendor epigramático, convivem com outros de vária extensão, poemas em prosa, ou poemas em que a prosa se infiltra cada vez mais, minando o ritmo, quebrando a dicção mais fluente, dissolvendo o que ainda resistia como melodia e harmonia em seu verso… Funde tudo a uma barafunda de referências culturais, colhidas em livros, em letras de canção, em filmes, no mundo da mídia, das redes sociais, com suas linguagens e convenções próprias, por vezes cifradas aos não-iniciantes.”

 

Perguntei também para Anzolin se houve uma estratégia para a montagem do livro em partes tão díspares. Ele disse que os dois livros anteriores também contam com uma seção intitulada Extras, em que versos, poemas sofrem versões, são apresentados com outra ênfase, foco de linguagem. Em Central, agora, os métodos foram extrapolados. Podem ser lidas de forma autônoma, mas seguem um fluxo rítmico e imagético.

 

A parte chamada CONCRETA MACUMBA é uma das mais interessantes, descambando em poemas que mostram o lado concretista que Amarildo também tem. Como este: PRÁXIS TAXI.

 

Outra faceta interessante do livro é uma espécie de esquizofrenia geográfica, tem horas que se passa em São Paulo, outras em Curitiba, e outras em que o local é uma mistura das duas cidades, como naquele filme Estômago, de Marcos Jorge. Como neste poema de Amarildo Anzolin:

 

POESIA EM QUARENTENA

 

Mendigo ucraniano é repreendido e retirado

da Via della Spiga em Milão

o covil se aproveita do covid-19

na Oscar Freira jogam balde d’água

quarentena do nojo

quarentena de novo

Dalton e João Antônio

não podiam supor

mesmo vendo ouvidos supurados

da Gripe Espanhola de 18 do 20

agora quase como num filme entre filmes

passam carros que arrotam

revolvem resolvem um poema mas não notam

um barbudo de xadrez espirra e cospe

deitado na estação tubo

com a TOPVIEW na cara

máscara de um clic mais ou menos pensado

no sol com terçol da Visconde de Nácar

com a capa da manequim de loja

fosca magra amarela azulada escarrada

 

A última pergunta que fiz pro Amarildo foi esta: “como estava seu estado de espírito quando escreveu o livro?”

 

Sua resposta: “estava um tanto melancólico. Ainda estou (risos). O trabalho se iniciou antes da pandemia, perpassou todo aquele período de quarentena, então penso que o livro acabou incorporando muito da atmosfera da época. Sem contar toda a situação política e econômica que ainda nos assola. Nenhuma poesia pode ou deve passar incólume a isso tudo. Seria até irresponsável de minha parte se assim o fizesse.”

 

Além de ter uma produção gráfica bonita e arrojada (concepção de Bruno Brum e do próprio Anzolin), o livro ainda tem orelhas do poeta Roberto Prado e contracapa do dramaturgo e diretor de teatro Felipe Hirsch. Time da Liga dos Campeões. Quem quiser comprar CENTRAL DE DESPACHOS NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS, esta obra-prima da poesia curitibana, entre em contato direto com o autor: [email protected].

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