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A “Operação Condor” nas ditaduras militares latino-americanas e a espionagem dos EUA

17/10/2023
condor

Durante a maior parte da vigência das Ditaduras Militares latino-americanas as grandes potências ocidentais, Estados Unidos da América (EUA) e seus aliados europeus na Organização do Tratado do Atlantico Norte (OTAN), puderam relativizar os horríveis crimes contra os direitos humanos que aqui eram então praticados por agentes do Estado. Em 2020 ocorreu a revelação do esquema de espionagem dos serviços secretos dos EUA e da Alemanha nas ditaduras militares latino-americanas no decorrer da “Operação Condor”. Ficou demonstrado que os EUA e seus aliados sabiam, de fato, da forma criminosa pela qual seus aliados brasileiros e latino-americanos combatiam a subversão de esquerda.

 

O medo de alienar aliados fiéis e absolutamente intransigentes no combate à subversão do movimento comunista internacional, no contexto da Guerra Fria (1945-1991) foi um fator importante na política externa dos EUA e seus aliados para com a América Latina. Tal receio fez com que durante um bom tempo a maioria dos países avançados do sistema capitalista mundial ignorasse as graves denúncias de crimes cometidos em toda América Latina pela repressão estatal aos inimigos internos – reais ou imaginários.

 

Em 2020 a imprensa mundial foi dominada por matérias sobre a empresa Crypto Aktiengesellschaft (Crypto AG), formalmente uma empresa privada com sede na Suíça, que se dedicou, entre 1950 e 2018, à venda de máquinas de codificação e dispositivos de decodificação para mais de 120 países. Foi revelado que a empresa era propriedade secreta da Central Intelligence Agency – Agência Central de Inteligência (CIA) – e o seu homólogo alemão, o Bundesnachrichtendienst – Serviço Federal de Inteligência (BND). Ambas as agências de inteligência fraudavam vários dos dispositivos vendidos pela empresa, para que pudessem quebrar facilmente os códigos que os países usavam para enviar mensagens criptografadas. As máquinas criptográficas foram assim transformadas em equipamentos de espionagem, tornando-se fontes permanentes e inestimáveis de informação. O Brasil e a Argentina estavam entre os muitos países que compraram equipamentos da Crypto AG.

 

A Operação Condor (1968-1989) foi um esforço coletivo de seis ditaduras militares sul-americanas (Chile, Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Brasil) em combater o que entendiam ser uma guerra revolucionária em escala mundial conduzida por organizações clandestinas de grupos de esquerda armada para a subversão da ordem capitalista e burguesa. O combate ao terrorismo de esquerda foi feito predominantemente através do terrorismo de Estado, com organizações policiais, militares e paramilitares usando sistematicamente de violência extrema e ilegal contra antagonistas e suspeitos.

 

O acordo inicialmente previa ampla troca de informações sobre o paradeiro de indivíduos procurados. Numa fase posterior ele tanto permitia que agentes da repressão de um país entrassem em outro para efetuar prisões e sequestros, quanto suspeitos ou procurados em um país fossem presos, sequestrados e deportados pelas autoridades locais para seus países de origem.

 

As evidências confirmam uma série de violações dos direitos humanos contra a população civil, independentemente das vítimas terem ou não quaisquer ligações com a esquerda. Isto incluiu a prisão de suspeitos, bem como sequestro, tortura e assassinato daqueles que se opunham ou simplesmente criticavam os governos militares.

 

Para coordenar as atrocidades e manter as comunicações seguras, os países participantes da Operação Condor confiaram em dispositivos de criptografia da Crypto AG. Vários países da América do Sul começaram a usar máquinas daquela empresa na segunda metade da década de 1970. Há provas de que o Brasil agiu como fornecedor deste equipamento criptográfico para as demais ditaduras sul-americanas envolvidos na Operação Condor. Posteriormente, a Argentina também desempenhou o papel de fornecedor destes equipamentos.

 

Em 1976 as autoridades estadunidenses já sabiam que o Brasil havia concordado em fornecer equipamentos para a “Condortel”, que é como ficou conhecida a rede de comunicação do grupo. O sistema de comunicação da Operação Condor utilizava tanto equipamentos de voz quanto de teletipo, cujas mensagens eram cifradas e decodificadas usando as máquinas da Crypto AG.

 

Dois anos depois os gestores da segurança nacional dos EUA tomaram conhecimento de que a Argentina havia fornecido equipamento da Crypto AG à Condortel para melhorar a segurança de suas redes de teletipo. Já então as comunicações para operações repressivas na América Latina eram todas supridas pelas instalações da Condortel. As máquinas para a operação Condor fornecidas pela Argentina eram tão adulteradas para favorecer vazamentos para a inteligência estadunidense e alemã quanto aquelas adquiridas pelo Brasil.

 

Não se pode mais falar em desconhecimento, por parte dos EUA e seus aliados, das atrocidades então cometidas pelas ditaduras militares latino-americanas. Pode-se afirmar que a recusa em levar em consideração as provas de cruéis violações dos direitos humanos foi uma componente da prática discursiva que implicava em condenar o terrorismo das organizações de esquerda enquanto silenciava sobre o terrorismo de Estado praticado pelas ditaduras militares latino-americanas.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e coautor em parceria com Vitelio Brustolin e Alcides Peron do artigo “Exploring the relationship between Crypto AG and the CIA in the use of rigged encryption machines for espionage in Brazil” (Cambridge Review of International Affairs, 2020)


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