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A reintegração social dos veteranos da Segunda Guerra Mundial e a Legião Paranaense do Expedicionário (LPE)

28/11/2023
expedicionário

A LPE surgiu em Curitiba menos de um ano após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), resultado da iniciativa de um grupo de ex-combatentes paranaenses da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Campanha da Itália (1944-1945). O foco da entidade eram os dramas humanos e familiares que envolviam os veteranos, a grande maioria dos quais foi abandonada à própria sorte pelo governo federal tão logo retornou ao Brasil. O exame da documentação da Secretaria de Assistência (SA) da LPE permite compreender a importância da entidade para a reintegração social dos veteranos da Segunda Guerra Mundial.

 

A pesquisa englobou 1.519 fichas de atendimento da SA/LPE realizados no período 1946-1960. A ação mais recorrentemente exercida por parte da SA/FEB era atender aos pedidos de dinheiro por parte dos ex-combatentes. Em nada menos de 288 casos (18,95%) foi pedido dinheiro uma ou mais vezes. Alguns veteranos de guerra demandaram auxílios desse tipo por vários anos à SA/LPE.

 

Depois do auxílio financeiro, o segundo tipo de pedido de ajuda mais frequentemente feito à SA/LPE foi o de indicação para obter emprego. Foram 193 casos (12,70%) de veteranos de guerra pedindo alguma colocação, tanto em empresas privadas quanto no serviço público. As demandas de emprego no serviço público costumavam ser mais detalhadas. Numa fase mais adiantada do processo, era o próprio interessado que informava à LPE, inclusive, onde havia vaga para a função pretendida. Se bem que, em muitos casos, o requerente apenas fazia a LPE saber do seu interesse em ser aproveitado no serviço público.

 

Em terceiro lugar em ordem de importância, aparece o tópico Atendimento Médico. Entendidas em termos estritos as ações da SA/LPE relativas ao Atendimento Médico somam 191 casos (12,57%). São números expressivos que, somados a outros itens correlatos ao que se pode considerar atendimento à saúde, constituem o impressionante total de 348 casos ou 22,89% de todas as ocorrências. De acordo com essa interpretação, mais de um quinto dos casos de veteranos atendidos pela LPE demandava algum tipo de atendimento à saúde. Destes casos, as perícias médicas, necessárias para compor os processos de reforma e obtenção de pensões envolvem 85 ex-combatentes (5,59%). Já o auxílio para compra de medicamentos foi concedido a 47 indivíduos (3,09%). Finalmente, o auxílio para realização de exames médicos foi prestado a 25 veteranos (1,64%)

 

Em quarto lugar em quantidade de atendimentos da SA/LPE aparecem os 166 (10,92%) pedidos dos interessados em obter os benefícios da Lei 1.095 de 07/01/1953, do estado do Paraná. Essa lei concedia uma pensão às viúvas e órfãos de expedicionários nascidos no estado. Mais de dez por cento dos atendimentos prestados pela SA/LPE se referem à montagem e encaminhamento de processos visando obter o pagamento de pensões concedidas pela lei.

 

A SA/LPE também formatava os pedidos e acompanhava a concessão de benefícios concedidos pelas leis federais, como a número 2.579. Neste item, foram atendidos 36 indivíduos (2,36%). A SA/LPE atendeu, também, dois requerentes dos benefícios da Lei 2378 (0,13%), que previa a doação de moradias pelo governo federal aos familiares dos expedicionários mortos em combate ou em decorrência destes. Somando-se todos pedidos de encaminhamento e acompanhamento de processos demandando acesso a benefícios de leis diversas, conclui-se que somaram 13,41% dos atendimentos da SA/LPE.

 

Em quinto lugar, aparece o fornecimento de passagens, tanto terrestres quanto aéreas. Em se tratando de passagens terrestres, principalmente de ônibus, para localidades relativamente próximas, geralmente a própria SA/LPE providenciava a aquisição ou adiantava pequenas somas em dinheiro suficientes para que os ex-combatentes as adquirissem. Já as passagens de trem e aéreas, geralmente interestaduais, eram obtidas através de ofício encaminhado à Rede de Viação Paraná – Santa Catarina (RVPSC) ou à Chefatura de Polícia que, geralmente, as forneciam. No pior cenário, se conseguia apenas e tão somente um desconto no preço da passagem, ou a isenção de pagamento de um trecho da viagem.

 

Em sexto lugar, aparece um dos recursos mais frequentemente utilizados pela SA/LPE para auxiliar os ex-combatentes no esforço de ver seus direitos garantidos, qual seja, a emissão de ofícios de apresentação. Tais ofícios eram encaminhados para uma variedade de instituições públicas e privadas, geralmente apresentando o ex-combatente como candidato a uma vaga para emprego.

 

Também se tentava através desses ofícios garantir atendimento médico e, em um caso particularmente dramático, até mesmo viabilizar a entrega dos filhos a um orfanato. Foram contabilizados 92 pedidos desse tipo (6,05%), isto é, ofícios de apresentação que foram emitidos a pedido do próprio interessado. Mas é importante notar que a emissão de ofícios por iniciativa da LPE era um expediente comum, amplamente adotado para a resolução de diferentes problemas enfrentados pelos ex-combatentes em uma série de instâncias e instituições.

 

A sétima atividade mais frequentemente exercida pela SA/LPE dizia respeito a assistência jurídica. Foram 87 casos (5,72%) de veteranos de guerra demandando tal tipo de auxílio para resolver questões extremamente diversificadas, como a defesa em ações judiciais, casos policiais, efetivação em emprego público, isenção de impostos, obtenção de empréstimos, pagamento de vencimentos atrasados etc. Como notado, em alguns casos a LPE usava sua influência política junto a instâncias superiores da administração para lograr êxito no atendimento às demandas do ex-combatente, indo muito além do que seria considerado, em sentido estrito, uma assessoria jurídica.

 

O caráter multifacetado, polivalente, híbrido da ação social da LPE e, por decorrência, de todo processo de reintegração social de veteranos de guerra, é um fato que talvez não esteja sendo suficientemente salientado pelos pesquisadores do tema. Até onde se pode perceber, a entidade atuou de formas tão diversas e tão relevantes como banco ou financeira, órgão assistencial, de atendimento médico e odontológico, agência de viagens, tribunal de pequenas causas, incubadora de negócios e empresas, operadora de plano de saúde e de seguridade social, hotel, restaurante, barbearia, tabelionato, agência funerária, central de empregos, escritório de advocacia, dentre tantas outras.

 

Mais do que tudo, porém, e esse é um fato sempre sublinhado pelos antigos gestores da LPE, a entidade era um local onde o ex-combatente podia ser acolhido e entendido por indivíduos que partilhavam do mesmo destino: ter sido enviado pelo governo de seu país para travar uma guerra no estrangeiro e ter se defrontado com outra guerra quando do seu retorno ao Brasil – aquela pela reintegração à sociedade nacional.

 

Encerrado o processo de reintegração social dos veteranos de guerra em 1980 a Casa do Expedicionário, sede da LPE, foi inteiramente convertida em Museu do Expedicionário, o qual se mantém ativo até hoje.

 

Glória Eterna à LPE e sua incomparável obra em prol da reintegração social dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial.


Dennison de Oliveira é professor de história na UFPR e autor de “Reintegração social do ex-combatente no Brasil: o caso da Secretaria de Assistência da Legião Paranaense do Expedicionário – SA/LPE (1946-1960)” Para ler clique aqui.

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