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A República que nunca foi

15/11/2022
república

A palavra República geralmente é usada para designar um sistema de governo cujo poder emana do povo, ao invés da hereditariedade ou do direito divino, uma manifestação comum ou em paralelo com a Democracia. Outro uso da palavra se refere à sua origem latina (res publica) usada para se referir à gestão dos bens públicos ou do interesse comum, em contraposição ao patrimonialismo dos regimes absolutistas, onde o soberano é que é proprietário dos bens e recursos de interesse coletivo. Decorridos cento e trinta e três anos da proclamação formal da República se constata como o Brasil ainda está longe de se constituir em um regime autenticamente republicano.

A proclamação formal da república em 1889 prometia fazer do Brasil uma nação de regime republicano. Contudo, uma vez deposto o Imperador e empossado um novo Presidente da República se assistiu a imposição de uma nova ordem pautada por práticas profundamente antirrepublicanas que, com substanciais variações, tem se mantido desde então. Tudo isso a despeito da Constituição de 1988 ter estabelecido como princípios da administração pública a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A primeira fase do regime republicano passou à história como a República Oligárquica (1889-1930). A palavra oligarquia se refere ao governo de poucos, justamente o contrário do que se pretendia com a instauração da República. Por todo Brasil se assistiu a monopolização do poder político em cada um dos Estados da federação por um único grupo ou alguns poucos grupos políticos. Como resultado se instaurou um sistema no qual o situacionismo era condição de sobrevivência política e as condições para o exercício da oposição ao governo eram poucas ou inexistentes. Com diferentes variações trata-se de uma situação completamente antirrepublicana que se mantem até hoje, com se constata no texto “A República dos Governadores” (para ler clique aqui)

Outra característica profundamente antirrepublicana que tem marcado o regime instaurado em 1889 é o Patrimonialismo. Objetivamente a Proclamação da República visava o fim desta situação em que o patrimônio coletivo era possuído e gerido pelo monarca, mas na realidade o que se viu foi a permanência – sob outras formas – das mesmas práticas patrimonialistas. Seguem sem controle ou no máximo sob escassa contestação o uso do patrimônio público como se fosse propriedade pessoal do governante. O abuso na utilização de veículos, embarcações, aeronaves, propriedades etc. pelos governantes para fins puramente pessoais é uma indicação segura da continuidade do patrimonialismo. Na sua pior manifestação, o governante usa do patrimônio (e até dos funcionários) públicos para fazer campanha eleitoral, em proveito pessoal ou de seus aliados políticos.

Outra prática antirrepublicana mantida até hoje é o Nepotismo. Embora várias leis e normas proíbam às autoridades a nomeação de parentes e familiares, na prática, tais ilícitos seguem acontecendo. Seja através de brechas na legislação, seja pelo nepotismo cruzado, familiares e parentes de autoridades eleitas e também não-eleitas como são os juízes, seguem sendo nomeados para cargos de confiança. O caso extremo é a escolha de parentes para servirem como suplentes (não-eleitos) de senadores eleitos, uma prática já denunciada nesta coluna em “Quem o Congresso Nacional representa” (para ler clique aqui).  No interesse da República e dos princípios constitucionais que regem a administração pública deveriam ser extintos imediatamente todos os cargos de assessores de livre nomeação, os conhecidos “Aspones”. A suplência dos senadores tem que ser eleita pelo voto direto.

Muito ainda poderia ser dito sobre as práticas antirrepublicanas da República Brasileira, o que demandaria várias páginas. Contudo, considero indispensável citar ainda a questão da imposição de sigilo sobre assuntos afetos ao público exclusivamente para atender a interesses privados. Tal prática começou a ser mais intensamente utilizada nas negociações entre autoridades públicas e empresários privados na concessão de benefícios fiscais e isenções tributárias no decorrer do funesto – e antirrepublicano – processo conhecido como “guerra fiscal” a qual se arrasta até hoje. Mais recentemente assuntos de interesse público como são as investigações sobre as autoridades políticas, registros de compras estatais suspeitas e as recusas de transferências de lideranças criminosas presas para cumprirem pena em outros Estados também passaram a serem protegidas pela imposição de sigilo, em alguns casos de duração centenária.

Parece claro que a mera Proclamação da República em 1889 não conseguiu garantir, por si só, a adoção de práticas de caráter efetivamente republicano. A superação desta República que nunca foi, caso venha a acontecer, irá depender da conscientização e mobilização dos cidadãos para erradicar as práticas aqui descritas e todas outras manifestações políticas de caráter antirrepublicano e contrárias aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor do livro História do Brasil: política e economia (Intersaberes, 2012)

1 comentário em “A República que nunca foi”

  1. Dalton Martinez Silva

    Parabéns meu amigo , pelas suas publicações! Artigos interessantes e muita informação objetiva e atual! 🤙

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