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28/04/2024



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A sociedade de classes da antiga União Soviética

 A sociedade de classes da antiga União Soviética

A antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) durou de 1917 a 1991 e sempre se definiu como uma sociedade de regime socialista, na qual inexistiriam classes sociais. Ao se descrever como um país no qual vigoravam os princípios marxistas da abolição da propriedade privada e das diferenças sociais, a URSS reiterava a inexistência de classes sociais. O nivelamento social legado pelo regime socialista teria, enfim, abolido as diferenças sociais que derivavam da desigualdade de renda e eram típicas das sociedades de classes, isto é, capitalistas. Contudo, o exame da estrutura social vigente na maior parte da história da URSS permite questionar esta versão.

 

Uma vez instaurada a ditadura do Partido Comunista da URSS em 1917 passou a vigorar um regime de partido único, sendo todas demais agremiações políticas proibidas. A extinção da propriedade privada e a estatização de praticamente todos os meios de produção fez dos diferentes comitês gestores estatais da economia e dos órgãos de planejamento econômico públicos as arenas decisórias mais importantes da URSS, sendo a filiação ao Partido Comunista uma exigência para neles ingressar.

 

Esta era a classe dominante da antiga URSS: a alta cúpula de burocratas, gestores, planejadores e administradores que decidiam com base no “centralismo democrático” do Partido Comunista os destinos da Rússia e demais nações afiliadas a URSS. Seus membros residiam nos melhores endereços, tinham seus próprios automóveis, telefones, empregados, eletrodomésticos, casas de campo ou na praia, acesso às melhores escolas e hospitais disponíveis etc.

 

O degrau seguinte da estrutura social soviética era ocupado pelos operários industriais. Num contexto de acelerado crescimento econômico e crescimento urbano, proliferavam os estabelecimentos industriais e, neles, eram grandes as chances de ascensão social e progressão na carreira. No melhor cenário, os indivíduos mais talentosos e mais politicamente fiéis ao regime soviético conseguiam ter acesso a promoções na carreira, serem pagos para cursarem estudos de nível superior, se qualificar para ocupações mais prestigiosas ou, melhor ainda, ascender à categoria privilegiada dos burocratas, gestores, planejadores e administradores.

 

No nível abaixo dos trabalhadores industriais se encontravam os camponeses. Estes indivíduos inicialmente levavam uma vida que pouco se diferenciava de seus ancestrais. Trabalhavam a terra, recebiam parte da colheita como pagamento pelos seus serviços e enfrentavam severas restrições a sua liberdade de locomoção. Tais restrições visavam impedir o êxodo rural, confinando os camponeses ao trabalho no campo.

 

Contudo, mesmo a tais indivíduos estavam abertas pelo menos algumas oportunidades de ascensão social. Era possível melhorar a condição de vida estudando para exercer profissões de nível técnico e superior. Destas as mais ambicionadas eram as dos ramos administrativo e contábil que permitam aos seus formados assumirem cargos de direção e administração nas fazendas coletivas e estatais. Dentre estes eram recrutados os futuros gestores, burocratas, planejadores e administradores de diferentes ramos da economia rural da URSS.

 

Finalmente, no último degrau da escala social soviética estavam os escravos. Tal era a situação dos condenados a cumprirem sentenças de trabalhos forçados nos campos de concentração soviéticos, conhecidos pela siga Gulag (Administração Geral dos Campos, em russo). Teriam existido mais de 50 grandes campos de trabalhos forçados, além de outras 400 colônias de trabalho. Os prisioneiros incluíam criminosos comuns, prisioneiros políticos, dissidentes e críticos do socialismo.

 

Na origem da ditadura soviética tais prisioneiros somavam cerca de cem mil pessoas, mas seu número cresceu rapidamente até atingir um auge de mais de dois milhões de sentenciados em 1940. Calcula-se que cerca de 18 milhões de pessoas tenham sido detidas nos Gulags, das quais aproximadamente mais de um milhão e meio tenham morrido neles. O trabalho compulsório, exaustivo e não-pago destes prisioneiros em diferentes obras públicas, organizações industriais, minas e serviços de colonização foi de grande valia para o crescimento econômico soviético.

 

A utopia da sociedade sem classes e do nivelamento social segue sendo influente em diferentes grupos políticos e culturais. No entendimento das implicações da implementação de uma futura sociedade “sem classes” pode ser oportuno se refletir sobre a experiência histórica da URSS.


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor do livro “História Contemporânea” (IESDE, 2007)


Leia outras colunas do Dennison de Oliveira aqui.

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