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As décadas perdidas na Educação Brasileira

08/08/2023
educação

Em recente pesquisa sobre a qualidade da Educação Brasileira o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que quase quatro em cada dez professores do ensino básico da rede pública no Brasil têm formação inadequada. Trata-se de chocante constatação, uma vez que em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabeleceu a Década de Educação ao final da qual (2007) não seriam mais admitidos professores sem diploma de curso superior em licenciatura na sua disciplina de atuação. Contudo, 27 anos depois o Brasil ainda segue com uma enorme quantidade de professores sem ter a formação legal exigida. Com quase três décadas perdidas na Educação o risco é que o atraso acabe se tornando secular.

 

O fracasso da primeira Década da Educação levou a criação de uma segunda, expressa no Plano Nacional de Educação (PND) de 2014 o qual estabeleceu como meta que todos os professores da educação básica da rede pública deveriam em um período de dez anos serem todos diplomados em nível superior em curso adequado às suas áreas de atuação. Porém, em 2020 ainda 37,4% dos professores seguem sem ter formação adequada, segundo a pesquisa do TCU. Tal percentual já havia sido denunciado em nossa coluna “Dia do Professor sem professor habilitado” para ler clique aqui.

 

A ser questionado sobre tais dados pelo TCU as respostas apresentadas pelo Ministério da Educação foram pífias. Inicialmente o MEC alegou ter criado um grupo de trabalho para “propor políticas de melhoria da formação inicial de docentes” e que ampliou de 90 mil para 100 mil o número de bolsas para iniciação à docência em 2023 e 2024. Mas estas políticas visam apenas os já matriculados em cursos de formação de professores, em nada afetando os que exercem a profissão sem ter concluído – ou mesmo sequer iniciado – um curso de licenciatura.

 

O MEC mantém o Programa Institucional de Fomento e Indução da Inovação da Formação Inicial Continuada de Professores e Diretores. Mas esta política visa apenas os já formados em cursos de licenciatura, em nada atingindo os que exercem a profissão sem ter concluído um curso de formação de professores.

 

A seu favor o MEC também citou o Parfor (Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica). Mas seu público-alvo são os professores selecionados pelos Processos Seletivos Simplificados (PSS). Trata-se de pessoas geralmente sem formação na área e que foram admitidos sob contratos precarizados e de curta duração. Não é de se admirar que alta rotatividade de professores temporários “inviabiliza o acompanhamento do programa”, uma vez que os matriculados irão deixar a docência no ano seguinte. É evidente que não pode haver profissionalização docente sem uma carreira permanente para os professores. Contudo, o número de professores PSS só vem aumentando em relação aos que pertencem à carreira docente.

 

O MEC é responsável pela UAB (Sistema Universidade Aberta do Brasil) com cursos de licenciatura e aperfeiçoamento de professores oferecidos a distância. O problema é que a UAB tem uma quantidade insignificante de alunos. A quase totalidade deles está matriculada em cursos EAD mantidos pelas faculdades privadas. Esta política também em nada afeta os que já exercem a profissão sem ter concluído um curso de formação de professores.

 

Em fevereiro de 2019 a gestão federal extinguiu a Sase (Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino), a qual agora foi recriada. Não fica claro como tal órgão irá exercer algum efeito sobre os que exercem a profissão sem jamais ter concluído um curso de formação de professores.

 

Uma vez divulgados os dados do TCU não faltaram especialistas para reafirmar o senso comum, como o fato de que professores mal formados “reproduzem educação ultrapassada”, “está demorando o salto de qualidade”, que “há pouco interesse pela carreira docente” ou que “os alunos que optam pela profissão têm as menores médias no ENEM”.

 

Só faltou dizer o óbvio: nunca faltará professor para trabalhar por qualquer salário se qualquer um pode ser “professor”. Não acabaremos jamais com os falsos professores, indivíduos sem habilitação mínima para o exercício da atividade docente, se 1) o Ministério Público seguir fechando os olhos para os ilegais editais PSS que permitem que bacharéis e estudantes de licenciatura atuem como professores e 2) enquanto a LDB não for imposta às escolas privadas através de multas e cancelamento de licença de funcionamento aos estabelecimentos que contratam falsos professores como demonstro em minha recente pesquisa sobre o assunto.

 

As décadas perdidas da Educação chegarão a somar um século?


Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e autor de “Bizarra e Grotesca Inversão: a luta perdida contra o exercício ilegal da profissão de professor no Brasil (2006-2021)”. Adquira o livro aqui.


Leia outras colunas do Dennison de Oliveira aqui.

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