As eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016 foram vencidas por Donald Trump. Este processo eleitoral foi fortemente influenciado pelas ações de guerra cibernética então desenvolvidas pelos russos, interessados em impedir a vitória da candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton. No processo tiveram importância decisiva duas entidades, uma estatal e outra privada. Da parte do aparelho de Estado da Federação Russa atuou o Departamento Principal de Inteligência do Estado-Maior do Exército Russo (o GRU, na sigla em russo). Outra entidade importantíssima foi a fundação privada Agência de Pesquisa da Internet (Glavset, na sigla em russo). O estudo da maneira pela qual tais entidades agiram para influenciar a eleição do candidato de sua escolha serve como importante advertência para os riscos da negligência nas atividades de inteligência eletrônica, monitoramento e supervisão das mídias relacionadas à segurança nacional brasileira.
A Glavset foi criada em 2013 em São Petersburgo e empregava então cerca de 400 pessoas. Naquela época estava sob controle de Yevgeny Prigozhin, um bilionário russo frequentemente associado ao Presidente Putin. Posteriormente ele viria a ser conhecido também como organizador e principal financiador da Empresa Militar Privada conhecida como o Grupo Wagner, de intensa atuação em diversos conflitos armados no continente africano e na atual Guerra da Ucrânia. Na Primeira Guerra da Ucrânia (2014) já haviam sido empregados pelos russos diversas ações de guerra cibernética para falsificar resultados eleitorais e desmoralizar o processo democrático ucraniano.
A guerra cibernética travada por estas entidades nas eleições dos EUA em 2016 atuou em três principais atividades. A primeira se referia à espionagem das comunicações telefônicas e cibernéticas da candidata Hillary Clinton e membros de sua organização de campanha. Foram roubados documentos e grampeadas conversações sigilosas da candidata. Os resultados desta espionagem eram repassados ao comitê de campanha de Donald Trump, permitindo explorar vulnerabilidades e expor operações de sua adversária.
A segunda dizia respeito a manipulação da opinião pública nas redes sociais. Foram empregados usuários reais e virtuais (perfis fakes), para divulgar fake news e pautar o debate político nas redes sociais a fim de manipular a opinião pública. Ainda em 2017 o Twitter admitia ter 2.752 contas de usuários da Glavset e 36.746 outras contas vinculadas à Rússia. O conteúdo assim disseminado influenciava os eleitores americanos que passavam então a replicá-los, tornando-os virais. Finalmente, uma terceira vertente de operações cibernéticas visava aumentar a polarização política, confinando a disputa apenas a dois candidatos, ao mesmo tempo em que aumentava o descrédito na democracia e a desconfiança na validade dos resultados eleitorais.
A guerra cibernética russa jamais seria capaz de determinar o resultado das eleições americanas, mas produziu um efeito inegável. Conseguiu tornar Hillary Clinton tão rejeitada quanto Trump, até então o detentor dos mais altos índices de rejeição pelo eleitorado. Também é altamente provável que os russos tenham conseguido diminuir a confiança do eleitor na capacidade dos EUA de realizar eleições limpas e seguras. São indicativos desta tendência o elevado número de abstenções nas eleições de 2018 e a desconfiança generalizada nos resultados das eleições recentes.
É urgente que o Brasil reveja sua Política de Defesa Cibernética conforme denunciado nesta coluna em “Por uma Política Nacional de Defesa” para ler clique aqui.
Dennison de Oliveira é professor de História na UFPR e participou da banca de avaliação da Dissertação em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança da Universidade Federal Fluminense de Linneo Augusto dos Santos Torres Machado intitulada “Intervenção Eleitoral na Era Cibernética: Um Estudo de Caso da Interferência Russa na Eleição Estadunidense de 2016” (2022) para ler clique aqui.
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