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FARRACHA-CABECA-COLUNA

Do Estado de Direito ao Estado de Exceção Judicial? Uma reflexão sobre os limites do STF

24/03/2025

Com efeito, nunca se pode esquecer que o Supremo Tribunal Federal já foi motivo de orgulho para a sociedade civil organizada, especialmente em momentos em que seus ministros enfrentaram a tirania da Ditadura Militar. Registre-se aqui a conduta do Ministro Gonçalves de Oliveira, que renunciou em 1969 em solidariedade à cassação dos Ministros Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal e Hermes Lima, bem como por não aceitar a submissão do STF ao regime militar. Todavia, infelizmente, a realidade atual é diversa.

A sociedade civil organizada, de forma recorrente, tem direcionado severas críticas aos atuais ministros do STF, em especial ao Ministro Alexandre de Moraes. Por óbvio, algum motivo deve haver para tanto — quiçá sua intensa exposição pública nas investigações envolvendo o ex-Presidente Jair Bolsonaro.

Não se pretende aqui defender o ex-Presidente. Pelo contrário — até porque ele já conta com excelentes advogados, para dizer o mínimo, sem olvidar de sua irresponsabilidade durante a pandemia da Covid-19. Todavia, causa perplexidade a condução do Inquérito nº 4.781. Essa investigação, instaurada em 2019 por iniciativa do Ministro Dias Toffoli, com base em uma interpretação inusitada do artigo 43 do Regimento Interno do STF, encontra-se sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que, ao mesmo tempo em que figura como suposta vítima, também preside e julga o referido inquérito.

Infelizmente, a Portaria que instaurou essa investigação não define com precisão o seu objeto nem estabelece prazo determinado para sua conclusão. Pelo contrário: trata-se de um inquérito de escopo indefinido e duração indeterminada, o que se revela incompatível com os princípios do devido processo legal.

Situação diversa ocorre na ação penal proposta contra o ex-Presidente da República. Nessa, observa-se celeridade e eficácia raramente vistas em outros processos. O que é mais grave: ministros que, antes de sua investidura no STF, já se posicionavam publicamente como adversários políticos do ex-Presidente — como é o caso do Ministro Flávio Dino — agora entendem não haver impedimento para julgá-lo. A situação agrava-se pelo fato de que a maioria de seus pares endossou tal entendimento, com exceção do Ministro André Mendonça. O próprio Ministro Alexandre de Moraes, que figura como vítima no inquérito, também declarou não haver impedimento para sua atuação no caso. No mínimo, trata-se de situação inusitada.

A perpetuação de investigações conduzidas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal abre margem para interpretações de que estaríamos vivendo um Estado de Exceção Judicial — hipótese absolutamente repudiada pela Constituição Federal. Nesse contexto, é pertinente a advertência do Professor Clèmerson Merlin Clève, ao afirmar: “Os inquéritos já cumpriram sua função. O ‘estado de exceção judicial’ (a palavra é dura, mas é disso que se trata) não pode durar indefinidamente. (…) O Supremo Tribunal Federal se protegeu e obteve êxito nesse propósito. Desenvolveu, igualmente, um hercúleo trabalho de defesa da democracia. Agora é tempo de aprofundar sua legitimidade, de retomar o caminho do Estado de Direito e, portanto, sempre observado o devido processo legal, exercer a guarda integral da normatividade constitucional.” Oxalá que assim seja.

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