HojePR

LOGO-HEADER-slogan-675-X-65

13/05/2024

A língua sob tortura

ernani

É inimaginável a capacidade das pessoas escreverem mal. Nesses tempos digitais, então, a coisa extrapolou. Todos os dias há uma quantidade imensa de asneiras nas redes, prontas para serem colhidas pelos cultores da língua. Por exemplo, semana passada li que algo se deu “por calza daquilo”. Um primor.

 

Os tempos verbais são torturados a cada frase. Existe também uma propensão à crase, o que faz com que tudo seja acentuado: “à todos” é muito comum. Também existe uma confusão entre acentos graves e agudos: portanto, “á todos” pode ser encontrado aqui e ali. O uso do “há” e do “a” é outro mistério para os escritores de Facebook e Instagram. Erram com frequência inaudita. A inexistência de vírgulas é permanente: foram abolidas sem qualquer cerimônia.

 

Existem ainda as teses esdrúxulas, em que o besteirol está no âmago da redação, às vezes até escrita com certa competência. Mas como se trata de defesa de uma ideia, deixemos isso para lá. A não ser que o autor seja pretensioso e deixe sua mania de grandeza contaminar o texto.

 

Vejam que bela construção, para anunciar um evento com o título “Vivência de Ecoarterapia e Poesia Clínica”, seja lá o que isso signifique. Eis a pérola:

 

“Neste encontro, vamos convidar os participantes a visitarem sua natureza interior promovendo inter-relações humanas consigo mesmo, com o outro e com a natureza de forma integradora”.

 

Fico curioso em saber como farão para visitar sua natureza interior. Se eu estivesse lá, exigiria que fosse chamado o cirurgião cardíaco que me operou, o único a ser tido contato com a minha “natureza interior”, embora haja sérias dúvidas se foi possível promover inter-relações humanas comigo mesmo na mesa de cirurgia.

O texto encerra com a observação de que a “atividade será facilitada” pelo especialista Fulano de Tal, cujas qualificações são citadas na sequência.

 

Imagino que, de fato, a coisa vai precisar ser facilitada, porque de minha parte não entendi bulhufas. Mas estou fascinado em saber da existência de uma poesia clínica. Seria composta por poemas lidos em consultórios?

 

Tudo isso, esqueci de dizer, será realizado em um encontro de literatura infantil. Coitadas das criancinhas. Elas não merecem tamanho suplício. Por favor, abram a porta que elas querem descer. Eu também.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

z