Era um talentoso rapaz de uma cidade do interior de Minas, ali pelo Vale do Mucuri. Um talento diverso do que havia remediado seu pai, posto que o moço não trazia vocação para mascate. E, embora o sobrenome não negasse a origem árabe, em vez de ganhar a vida fazendo crescer o comércio da família, resolveu aprender violão.
No início a música foi vista pelo velho como excentricidade da juventude. A preocupação só veio quando o rapaz comunicou estar de partida para São Paulo. Iria tentar a vida na cidade grande. A mãe, como as mães árabes, prostou-se, ameaçando o filho com todas as desgraças, do banimento ao suicídio. Nesse caso as mães árabes em nada diferem das judias e italianas, todas capazes de vulcânicas chantagens emocionais.
Foi embora o violonista. Tomou um ônibus, já que o trem de ferro não mais existia naquelas bandas, abrindo uma lacuna na alma do jovem: os mineiros, como se sabe, sentem-se bem apenas no bar, na igreja e no trem. Avião é visto com desconfiança, sob diferentes argumentos. Quem avua é passarinho, uai.
Hospedou-se em uma pensão, iniciando no dia seguinte a romaria em direção aos estúdios de gravação, aos auditórios das rádios, aos camarins de artistas de periferia, buscando uma chance de mostrar suas habilidades. Mas a metrópole é cruel. Depois de gastar muita botina, restou ao violonista aboletar-se em um banquinho de churrascaria na Zona Leste. Ali, passou a entreter o público cantando os sucessos de ontem e anteontem. Fez tanto sucesso que a casa passou a lotar. O freguês gritava um nome de música ou um pedaço da letra (por exemplo: Viver…) e ele emendava:
E não ter a vergonha de ser feliz…
Mas dois anos depois, assim de repente, da noite para o dia, ele largou o emprego e voltou para Minas,
Desembarcou na casa do pai, empregou-se na loja da família e de lá nunca mais saiu. O violão, voltou a só dedilhar entre os amigos.
Muitos anos depois, quando o conheci tomando umas e outras num botequim vizinho à loja, confessou o que o tinha levado a abandonar São Paulo. Foi a música Barracão de Zinco.
Uma noite ele havia cantado aquela desgraça desde às dez da noite.
– Quando eu chegava ao trecho final – “…pobre tão infeliz” – entrava um novo cliente gritando:
– Ai, barracão…
“E eu continuava na mesma toada. Por volta das duas horas da madrugada, pulei do banquinho e vim embora”.
Preferiu vender sapatos pelo resto da vida, porque correr o risco de ser obrigado a cantar Barracão, nem por imposição de Alá.
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