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05/05/2024

Guaranap de estação

guaranap

Dorival Caymmi disse que quem não gosta de samba bom sujeito não é. Um amigo meu diz que quem não foi de esquerda bom sujeito não é. Embora eu considere que há controvérsias, estendo o conceito ao trem.

 

Sim, aquele trem que habita o sonho dos brasileiros, o velho trem de ferro, doce expressão criada por nós, brasileiros, porque os portugueses sempre preferiram chamá-lo de comboio. Trem de ferro, como a castelhana ferro carril, são expressões superiores à seca palavra saxônica que designa o meio de transporte. Railway serve às rimas em inglês, mas não incorpora poesia em si mesma.

 

O trem levou a civilização pelos continentes adentro, fazendo em terra o que os navios faziam nos mares. O mundo expandiu-se em torno dos trilhos. Ainda hoje, e cada vez mais, nos dois hemisférios ele é fundamental no transporte de pessoas e cargas.

 

Mas, em determinado momento político, o Brasil resolveu que não precisava mais dos trens. Era melhor abandonar as estradas de ferro e investir no asfalto, no transporte rodoviário. Criminosa e ignorante opção, cujos prejuízos continuamos amargando. Ainda assim o trem segue seu trajeto como parte do imaginário infantil, com uma infinidade de vagões repletos de imaginação e aventuras, no qual as crianças dão voltas ao mundo, sem nenhum compromisso com a exiguidade do tempo.

 

Nos anos 1950, quando ainda se viajava de trem, ali pelos lados de Irati havia na estação local um vendedor que atravessava a plataforma gritando, sempre que um trem parava:

 

– Olha o guaranap, olha o guaranap!

 

Certo dia um passageiro chamou o vendedor e esclareceu:

 

– Olha, meu amigo, não é guaranap. É guaraná.

 

– Mas aqui o trem faz uma parada. Parada em inglês é stop. Então eu anuncio guaranap. É a minha bossa para impressionar o cliente.

 

O homem insistiu que a palavra estava errada.

 

O vendedor encarou o sujeito e passou ao ataque:

 

– O senhor é o chefe do trem?

 

– Não.

 

– É engenheiro do trecho?

 

– Não.

 

– É diretor da empresa?

 

– Não.

 

– Bem, como também não é o presidente da República, estamos conversados.

 

E saiu, peito empinado, gritando para todo mundo ouvir:

 

– Olha o guaranap!

 

O simples vendedor de guaraná tinha inventado uma boa maneira de despertar a curiosidade da clientela, muito antes dos livros de autoajuda profissional. Não precisou ser “fodástico” para vender seu guaranap. Stop final.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

 

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