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13/05/2024

Nas mãos da polícia

polícia

A irmã de um colega de colégio iria fazer aniversário. Festa chique, na região do Country Club, a exigir gravata até a adolescentes como eu. Meus pais deixaram-me no local, com uns cruzeiros no bolso e recomendações de toda ordem sobre como voltar para casa. Seria minha primeira festa – eu tinha uns 14 ou 15 anos.

 

Alguns convidados já namoravam, circulando de mãos dadas e dançando de rosto colado. Nada que me fosse usual, porque eu não dançava nem tinha tido namorada. Fiquei um tanto alheio, inclusive porque na época eu era baixinho, prejudicado verticalmente, como hoje se denominam os outrora anões.

 

Por volta da meia-noite, com outros três colegas, resolvi ir embora a pé. No caminho, um deles encontrou um pedaço de cabo de vassoura e saiu batendo nas portas de aço das lojas que encontrava. Já na descida da João Gualberto um camburão da polícia civil encostou ao nosso lado e dele saem dois ou três tiras prontos a prender os vagabundos.

 

Os três correram. Eu, uns passos atrás, absorto em alguma futilidade, baixote de lenta percepção, fiquei parado. Um policial, munido de duas manoplas assustadoras, agarrou-me pelos ombros e ergueu meu corpo como se fosse um troféu:

 

– Peguei um, berrou aos outros.

 

Um parceiro gritou:

 

– Esse não correu, é inocente. Vamos atrás dos que correram.

 

O brutamontes me largou e começaram a perseguição. Fiquei ali, tremendo feito cachorro no frio. Pedi carona a um ciclista, mas não se sensibilizou. Como já haviam me soltado, eu que continuasse meu trajeto.

 

Saí andando na maior das velocidades que as pernas conseguiam imprimir, olhando para trás a cada minuto, mas sem correr. Passei pelo Colégio Estadual, cruzei a Praça do Homem Nu e a Tiradentes, desemboquei na Praça Zacarias uma hora mais tarde. Deu tempo de embarcar em um ônibus madrugueiro, que me deixou na Avenida Nossa Senhora Aparecida, a duas quadras de casa, no Jardim Centenário, hoje incorporado pelo Seminário.

 

(Interessante que na caminhada não encontrei ninguém que me quisesse roubar, bater ou prender. Eram sábados de noites calmas)

 

Avisei meus pais que havia chegado e fui dormir. Às 7h da manhã, toca o telefone, minha mãe atendeu. Só podia ser má notícia. Do outro lado, o pai do Júlio Santos, um dos que fugiram.

 

O homem explicou que seu filho havia chegado em casa todo sujo, contando o episódio e o fato de haver ficado escondido embaixo de um carro, nas imediações do estádio do Coritiba. Dali esgueirou-se até em casa e contou que eu tinha sido preso. Quando começou a correr, tinha visto o policial me agarrar.

 

Ambos foram para a delegacia de plantão, nenhuma notícia minha. Ligaram para os hospitais, nada. Assim, o homem aguardou o dia amanhecer e, sem outra alternativa, ligava para contar que eu havia desaparecido. Minha mãe agradeceu, mas disse que eu estava dormindo. Foi conferir, confirmou. Agradeceu muito a atenção, era um equívoco.

 

Nenhum dos outros três foi preso naquela noite. Ao acordar para o almoço, fui perguntado sobre a confusão. Expliquei que não tive a presença de espírito de correr para me esconder. Por um acaso, saí incólume.

 

Meus pais não me criticaram, embora devam ter pensado:

 

– Além de não se desenvolver fisicamente, é apalermado, esse nosso filho.

 

Não poderia discordar, nem teria a sagacidade de exaltar a minha sorte. É que aos parvos não é facultado o dom da argúcia.

 

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1 Comment

  • Parabéns colega!!!!! As vezes é melhor ser parvo mesmo.

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