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02/05/2024



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Poty, 25 anos depois

 Poty, 25 anos depois

Em 2013, na coletânea de crônicas que fiz publicar com o título de O Homem Com Dois Lados Esquerdos, incluí o texto abaixo, homenagem à simplicidade e o imenso talento de Poty Lazzarotto, falecido há 25 anos.

 

“Ele veio chegando, sandálias de franciscano, rosto redondo de eslavo que não era, antes italiano com nome de imperador. Notei os pés inchados, bolachudos. Poty parecia sofrer de gota. Havia concordado em fazer uma visita à fábrica de caminhões da Volvo, para quem tinha ilustrado uns anúncios. Os textos eram meus, pequenas histórias no formato de uma página de Veja, a compor a campanha institucional da marca naquele ano.

 

Era a segunda vez que eu procurava o artista. A primeira tinha sido alguns anos antes, quando resolvi fazer um anúncio saudando Curitiba para uma caderneta de poupança gaúcha prestes a se instalar aqui. Sérgio Mercer encarregou-se de convencer Dalton Trevisan, em troca de bom dinheiro, a ceder os direitos de sua crônica Em Busca de Curitiba Perdida. Para ilustrá-la, escolhemos um ou outro desenho do livro Curitiba de Nós, textos de Valêncio Xavier com ilustrações de Poty.

 

Para os anúncios dos caminhões, mandei os textos pelo correio para o Rio de Janeiro, cidade em que vivia Poty. Seriam quatro anúncios, ele devolveu uma dúzia de ilustrações. Eram lindas, difíceis de selecionar – o espaço não permitia mais de uma. Os anúncios começaram a ser publicados e elogiados. Na época já não se criavam anúncios com textos grandes, institucionais contando uma história, como havia sido comum nos anos 60 e 70.

 

Então ele veio passar uns dias em Curitiba. Avisei a Volvo, que organizou uma visita dele à fábrica. Apanhei Poty na casa de seu irmão João Lazarotto e seguimos para a Cidade Industrial. Ao subir a Brigadeiro Franco, ele quis parar na Praça 29 de Março, onde havia produzido o painel de concreto que domina o local.

 

Falamos sobre o campo do Poty F.C., curiosa coincidência, que ficava ali até o time ser expulso para a construção da praça. A região era chamada de Galícia, não sei se influência espanhola ou polonesa, eis que ambos os países têm a sua.

 

Fiquei sem vê-lo mais de 10 anos. Quando ele já estava vivendo outra vez em Curitiba, fui visitá-lo para que fizesse um painel em nanquim sobre papel para a Master, agência da qual eu era sócio. Poty criou outra das suas obras-primas, incluindo cenas do Circo Sarrasani, do pescador de bacalhau do anúncio de Emulsão de Scott, do bar Buraco do Tatu e da Antisardina, o segredo da beleza feminina, entre outras. Talvez seja o menos conhecido dos seus painéis e um dos poucos a adornar ambientes fechados ao público em geral.

 

Anos depois da morte do artista, a Imprensa Oficial, sob a direção de Miguel Sanches Neto, publicou um álbum com dezenas dos seus desenhos em pranchas. Quando recebi meu exemplar, encontrei lá diversos desenhos da série dos caminhões. Eram reproduções dos originais não utilizados na campanha, que eu lhe havia devolvido na manhã em que visitamos a fábrica. Selecionei alguns, mandei enquadrar e pendurei na sala de casa. Napoleón Potiguara Lazarotto era um sujeito tão desprendido, tão generoso, que tratou de me mandar presentes cinco anos depois de morto, como se aqueles desenhos não pertencessem a ele, mas a mim que os havia encomendado.

 

Jamais vi alguém tão parecido com São Francisco e não apenas pelas sandálias. Não foi por acaso que o santo é o personagem central do mural em azulejos que ornamenta o jazigo da família no Cemitério da Água Verde, onde ele foi enterrado ao cair da tarde do mal-humorado dia 8 de maio do já longínquo ano de 1998”.

 

Tudo isso me vem à mente porque agora são necessários todos os esforços para que seja restaurado o belo painel Tropeiros, instalado no obelisco à entrada da Lapa. A obra de Poty é um dos maiores patrimônios da cultura paranaense. É preciso respeitá-la e conservá-la integalmente.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

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