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02/05/2024



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Quando fui Antônio Fagundes

 Quando fui Antônio Fagundes

Faz tempo, muito tempo, várias décadas. Em determinado ano a Globo lançou uma novela chamada Vale Tudo, em que pontificavam Antônio Fagundes e Regina Duarte, como casal romântico.

 

Até aí, nada demais. Ocorre que, sei lá por que cargas d’água, talvez pelos óculos ou pelo cabelo encaracolado, alguém notou certa semelhança entre o ator e este humilde escrevente não juramentado.

 

Não era a primeira pessoa com quem me confundiam. O ator cômico Paulo Silvino também me era oferecido como sósia, este pela dentadura proeminente, o que fazia algum sentido, e pela pele morena, que o excesso de sol do Rio de Janeiro me fazia portar.

 

Ao voltar a viver em Curitiba, fiquei livre do Paulo Silvino, mas entrou o Fagundes na história. Desse período lembro de três episódios, ambos constrangedores. No primeiro deles, caminhando em uma feira de rua em Lisboa com minha primeira mulher, que guardava semelhança com Regina Duarte, tanto na altura como no cabelo liso e escuro – mas nunca nas convicções políticas da atriz, esclareça-se – começamos a ser perseguidos por umas duas ou três senhoras portuguesas.

 

Descobrimos assim, da pior maneira, que a novela estava em exibição em Portugal. O personagem do Fagundes atendia por Ivan, a de Regina era Raquel. Em poucos minutos estávamos cercados por uma pequena multidão, a nos chamar de Ivan e Raquel. Não adiantava negar, aquelas mulheres tinham plena convicção de quem não éramos, com o que nos empurravam papel e caneta. Escrevi um garrancho aqui, outro ali e escapamos, ouvindo atrás de nós comentários pouco elogiosos, tipo “brasileiros mal educados”.

 

Na mesma época, lembro-me do Fagundes usando bata branca em alguma novela ou minissérie. Foi o que bastou para me cercarem em Congonhas, ao circular pela área de embarque. Eu, distraído, estava de calça jeans e camiseta branca. Virei Fagundes durante os cinco minutos em que assinei AFagunnnns, usando o traço do A para cortar também o F. Ficou uma porcaria, mas não saí sob xingamentos.

 

A última vez foi no Caribe. Não sei se em Cuba ou Porto Rico, estávamos Tânia e eu sentados com todo o conforto em um ônibus de turismo, aptos a fazer um giro pela ilha, ao lado de visitantes de outros países, quando uma venezuelana cravou os olhos em mim:

 

– Usted es el rey de ganado!

 

Era o meu karma: a novela O Rei do Gado estava sendo exibida na Venezuela. Desta vez não deixei barato. Decretei, já em pé, brandindo o passaporte:

 

– Sou brasileiro, mas não sou ator. Está aqui meu passaporte pra quem quiser comprovar. E pior ainda: acho Antônio Fagundes um tremendo “canastrón”!

 

Ninguém mais abriu a boca, à exceção da Tânia, que me perguntou baixinho:

 

– Você tem certeza que ator ruim em castelhano é canastrón?

 

Eu não sabia, mas pouco importava. O fato é que nunca mais me incomodaram com isso. Fagundes segue a vida dele, eu a minha – e as semelhanças se diluíram no tempo, nas rugas e no grisalho do cabelo.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

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