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13/05/2024

Trapalhões a serviço das “informações”

trapalhões

Nunca tive curiosidade em saber o que os arapongas do Serviço Nacional de Informações, o famigerado SNI, teriam anotado sobre a minha modesta e humilíssima pessoa. Talvez não houvesse nada, talvez tivessem quilos de denúncias, passíveis de me levar às masmorras da ditadura por anos a fio, submetido a paus de araras, choques elétricos, queimaduras de cigarros, afogamentos e outras das usuais estratégias de dissuasão empregadas pela polícia política naqueles tempos.

 

Eis que, por acaso, considerando que tenho sido entrevistado sobre o primeiro comício da Diretas Já, a completar 40 anos em 12 de janeiro de 2024, uma pesquisadora teve acesso a dados, antes confidenciais, dos arquivos referidos a mim.

 

Sim, porque possuo dois. Os espiões, munidos da inerente preguiça com que executavam suas tarefas, ficharam-me como Ernani Lopes Buchmann, meu nome de batismo, e Ernani Buchmann, meu nome abreviado, em uso desde 1971, quando iniciei no jornalismo. Devem ter pensado que eu sou dois.

 

É uma sucessão de asneiras. Um informe declara, com pompa, que foi realizada em Curitiba a Semana de Cultura Popular, de que participaram “elementos” como Cecília Vieira Helm, Luiz Geraldo Mazza, Walmor Marcelino, Fábio Campana, Ruy Wachowicz e eu, entre outros. Foram exibidos filmes com “propaganda adversa”, como Anjo Azul, produção alemã de 1930, que o agente considerou como demonstração de “decadência”, e Cidadão Kane, a obra-prima de Orson Welles. Obra muito subversiva, como se sabe.

 

Há um extenso informe sobre a realização do 1º Encontro das Classes Trabalhadoras – Enclat, e outro sobre os perigosos nomes que apoiavam a candidatura da jornalista Télia Negrão à deputada estadual. A imensa maioria formada por jornalistas.

 

Também sou acusado de colaborar com o jornal clandestino Boca no Trombone, de rápida aparição e desaparecimento. Só saiu a primeira edição.

 

O mais hilariante é o documento sobre as Parcerias Impossíveis, que criei quando exerci a direção executiva da Fundação Cultural de Curitiba. O secreta ficou indignado que um órgão oficial patrocinasse encontros com pessoas contrárias ao regime, como Lula, Fernando Henrique Cardoso e outros. Tudo sob o olhar do prefeito Jaime Lerner e do Secretário de Cultura, Luiz Roberto Soares. Ambos se mantiveram impassíveis quando o cartunista Zélio Alves Pinto chamou o presidente da República, João Figueiredo de canalha e covarde.

 

Sobre a ideologia defendida por Jaime Lerner, o espião disse ser “democrata”. Já Luiz Roberto Soares era “democrata convicto”. Vá saber quais os critérios para que se estabelecessem tais gradações.

 

Sobre a minha tendência ideológica, eles ficaram em dúvida, no arquivo com meu nome completo: depois de grafarem-no por extenso, vinha sempre uma vírgula e as iniciais “SDQ”. Descobri que significa “Sem Dados de Qualificação”.

 

Já como Ernani Buchmann não houve tal preocupação. Decerto já me tomavam como perigoso terrorista, embora eu jamais tenha sofrido qualquer processo político naqueles tempos obscuros.

 

Sobre o fato de haver hospedado em minha casa o presidente do PcdoB, João Amazonas, e o ex-preso político Nilmário Miranda, não há nada. Naquelas noites a polícia secreta deveria estar em férias.

 

É de se admirar a pobreza da linguagem, a indigência das argumentações, a primariedade das suspeitas. Não passavam de trapalhadas, mas muita gente partiu em um rabo de foguete, como disse Aldir Blanc, graças a informações ridículas como as que me couberam.

 

Leia outras colunas do Ernani Buchmann aqui.

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