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20/04/2024



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Um vulcão de melda

 Um vulcão de melda

O notório Hermann Sheffield traz em seus genes o da teimosia. Seu avô de ascendência açoriana tinha a casmurrice como característica da personalidade, transmitida ao neto desencaminhado – posto que Hermann, já reprovado em aventuras na natureza, houve por insistir na perigosa empreitada.

Um casal de amigos, afeito a esse tipo de viagem, convenceu Hermann e Rosita e lhes acompanhar às cachoeiras de Prudentópolis. Providenciariam a barraca necessária ao casal e os petrechos exigidos. Aos convidados caberia apenas levar suas respectivas presenças.

Tudo combinado, deixaram Curitiba no início de uma tarde de sexta-feira. No caminho, compraram uma garrafa de cachaça com mel. Hermann abraçou-se a uma peça de kracóvia, o salame ucraniano que é marca registrada de Prudentópolis. As mulheres preferiram estoques de doces.

No fim da tarde estavam à beira da cachoeira. Era o paraíso transposto para o centro-sul do Paraná. O som da água, a bruma surgida do impacto com a rocha, a lua à espreita, tudo parecia obra do divino.

Aceso o fogo, os casais se ajeitaram para o convescote noturno. Iriam assar linguiça, a serem devoradas com pão. Antes, um aperitivo com a cachaça melada e a kracóvia. O primeiro cálice deu lugar a um segundo e este a um terceiro. O salame era delicioso e os nacos servidos passaram a ser generosos.

Quando a garrafa de cachaça evaporou, e da kracóvia restava pouco, chegou a vez das linguiças. E das garrafas de vinho, porque sim, o amigo era um cultor do líquido baconiano. Enfim chegou a vez dos doces.

Pelas tantas da noite, Hermann estava zonzo, semi-embriagado, o que ele resolveria com uma noite de sono. Ocorre que também sentia um peso no estômago, a baixar progressivamente – e a querer deixar aquele corpo em busca da liberdade.

O infeliz protagonista, para não acordar a pobre Rosita com o ribombar dos seus intestinos, procurou um local protegido, embaixo de um velho pinheiro, para aliviar as tripas.

Ali, de cócoras, na conhecida posição ridícula, Hermann deixou que a lei da gravidade exercesse seu papel. Passada a descarga, viu que, na urgência, havia esquecido o papel higiênico. Sujo como estava, não poderia entrar engatinhando na barraca a procurar o rolo salvador. Resolveu entrar no rio.

Tirou a camiseta, que iria servir como uma espécie de sabugo para esfregar as badalhocas resistentes, e pôs-se “al mare”, quero dizer, ao rio gelado. Depois de quase ter uma parada cardíaca pelo contato do corpo com a temperatura da água, o prejudicado Hermann deu seus primeiros passos aquáticos.

Foram só dois. No terceiro, escorregou em uma pedra coberta de limo e foi à pique. Levou um caldo e viu-se engolfado pelo turbilhão d’água. Só restava pedir socorro.

Seus gritos foram ouvidos nas barracas. Com a lua coberta por nuvens, restou ao amigo esquadrinhar a correnteza munido da necessária lanterna. Uma corda de escalada lhe foi jogada e assim Hermann conseguiu ser resgatado.

Puxado para a margem, o corpo tiritando, nu e, pior ainda, com seu instrumento exposto, embora deste muito pouco se enxergasse – estava reduzido a proporções mínimas pela ação da água gelada – era a imagem do desastre.

Rosita não perdeu a oportunidade, quando todos já haviam voltado aos sacos de dormir:

– Eu deverei ter visto que você era um idiota já na primeira vez, quando sua barriga roncou na frente da minha casa.

Hermann Sheffield foi obrigado a concordar. Suas estranhas eram similares a de um vulcão. Roncavam bastante, até que chegassem a explodir.

– Que vulcão, que nada. Dentro de você não tem lava, tem é um tipo de recheio que é melhor eu nem dizer qual é.

Era verdade. Ele trazia no bojo aquilo que seu avô açoriano teimava em chamar de melda. Nada mais, apenas e tão somente.

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