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02/05/2024



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Beijo de Língua

 Beijo de Língua

Já disse aqui mesmo e repito com prazer: Antonio Thadeu Wojciechowski é poeta por natureza, professor gabaritado, agitador cultural e executivo de um dos maiores grupos educacionais do Brasil. Tudo começou para valer em 1978, quando, em conjunto com o poeta e professor de Literatura Leopoldo Scherner, Thadeu organizou um recital na PUC do Paraná, intitulado “Sala 17”, com a participação de vários poetas. O sucesso foi tanto que o fez ver uma nova realidade. Foi um grande incentivo para que se iniciasse uma nova fase na literatura curitibana. Thadeu tomou o controle e iniciou o Movimento Sala 17, que culminaria com a publicação de três antologias: “Sala 17”, “Reis magros” e “Sangra: cio”. Além de Thadeu e do professor Sherner, Marcos Prado, Roberto Prado, Tatara, Roberto Bittencourt, Hamilton Faria, Paulo Leminski, Paulo Venturelli, Solda, Rettamozo, Eduardo Cabral, entre outros, assinavam a autoria. O lançamento da antologia Sala 17, na Casa Romário Martins, foi colossal, épico, com a presença de milhares de pessoas, no Largo da Ordem. E foi o elo para a vinda de dezenas de artistas para um convívio produtivo.

 

Perguntei ao poeta: Você começou produzindo eventos de grande repercussão como o lançamento do livro “Sala 17”. Ainda espera causar comoção em Curitiba?

 

Thadeu respondeu-me: “Mais do que a grande repercussão que teve o Movimento Sala 17, o encontro foi o principal acontecimento. Sim, sem dúvida, encontrar tantos poetas geniais, foi uma circunstância que mudou para sempre minha vida. Encontrar o Roberto Prado, Marcos Prado, Tatára, Roberto Bittencourt, Leopoldo Scherner, Paulo Venturelli, Leminski, José Carlos Correa Leite, Solda, Eduardo Cabral, entre tantos outros que vieram depois, Edilson Del Grossi, Ivan Justen Santana, foi como descobrir um novo país, um estranho continente, um planeta memorável: Sergio Viralobos, Rodrigo Barros Homem del Rey, Luiz Ferreira, parceiros e quase uma centena de parceiros, Walmor Goes, Octávio Camargo, Bárbara Kirchner, Troy Rossilho, Leprevost, e tantos outros, centenas de músicas, poemas, livros, traduções.”

 

 

Por falar em Luiz Felipe Leprevost, ele vem desenvolvendo um bonito trabalho como diretor da Biblioteca Pública do Paraná, que voltou a ser um polo cultural de Curitiba. Por isso, escolhemos este local histórico para fazer a exposição “Beijo de Língua”, um projeto apoiado pela Lei Paulo Gustavo. Deixemos que Thadeu descreva o que ele está aprontando:

 

Exposição de Poemas

BEIJO DE LÍNGUA.

Subversão para que a língua viva.

Nada mais tolo do que achar que se pode navegar de um idioma para outro capitaneando o barco AO PÉ DA LETRA. E quando se fala em poesia então, não dá pé de jeito nenhum. Daí surgem termos, palavras, expressões que tentam definir essa incrível tarefa: livre-adaptação, traição, tradução, recriação, etc. Nenhuma chega tão perto quanto a SUBVERSÃO. E foi com a clara intenção explícita que criei essa exposição que, na verdade, é uma espécie de Entradas e Bandeiras para um território que ainda não foi suficientemente descoberto, apesar de tantos belos indícios de sua existência. Escolhi quem eu amo e quero que viva para sempre. São muitos. Mas nesta exposição COM 13 BANNERS, é óbvio, não há espaço para todos que merecem.
Quantos mais poderiam estar aqui? Um número significativo com certeza. Mas prefiro que cada interessado no assunto siga o mapa do seu próprio coração, e encontre a palavra exata para tão incerto saber sentir.

Antonio Thadeu Wojciechowski
Poeta, compositor e subversivo

 

Perguntei-lhe de supetão: “De onde surgiu uma ideia tão subversiva como esta?”

 

Thadeu não se intimidou: “Da minha indignação com certas traduções. Eu lia e muitas vezes não entendia e nem compreendia o motivo daquele poeta, letrista ser tão badalado. O que chegava até mim, na sua grande maioria, eram textos bons, mas não me encantavam. Eram superfícies ásperas, duras, difíceis de penetrar. Posso até ser radical demais, mas acho que muitos dos que se diziam ou se dizem tradutores deveriam pegar outra coisa para fazer. Poesia é uma coisa que a gente cuida estar pegando, e por mais que a gente faça, só quem faz poesia é capaz de criar um novo encantamento na nova língua.”

 

SONETO XVIII

Vou comparar-te a um dia de verão?

Muito mais primavera há em teu rosto.

Os ventos frios desfolham até agosto

E a beleza anuncia-se em botão!

 

Muita vez vem do sol um calorão,

Mas o que brilha sempre perde o posto

E vai embelezar o lado oposto,

Para cumprir a lei da Terra então.

 

Teu verão não termina e nem acaba,

Menos ainda a luz de teu encanto.

Mas se o chapéu da morte inclina a aba,

 

Meu poema imortal sirva de manto!

E se os vivos temem a despedida,

Que ouçam o meu verso a dar-te vida!

William Shakespeare

 

CONVIVAS

uns se salvam indo no domingo à igreja

eu fico a salvo aqui no meu quintal

tenho um sabiá e seu recital

sem sair do pomar ou de onde eu esteja

 

outros guardam o domingo em roupas brancas

mas eu voo ao som de minhas asas tantas

ao invés de repicar dos sinos lá da cumeeira

meu pássaro canta suavemente ali na palmeira

 

é deus pregando de um jeito formidável

e eu sempre curto seu sermão admirável

assim em vez de entrar no céu só no fim

eu já convivo com ele desde o jardim!

Emily Dickinson

 

Depois de ler duas traduções tão belas, só poderia perguntar ao poeta: “Curitiba é uma escola de tradução de Poesia?”

 

Thadeu disse: “Pra mim, foi. Pois o Marcos Prado e o Ivan Justen começaram a traduzir letras de alguns astros do rock. E eu achei aquilo muito legal. Um dia o Marcos estava lá em casa e eu falei pra ele vamos traduzir O Corvo? Fizemos as duas primeiras estrofes e no dia seguinte fomos na casa do Roberto Prado, o Edilson Del Grossi estava lá e demos fim à tarefa. O Miran fez a arte final e foi muito, mas muito, bom fazer aquilo. Junto com o Roberto Prado e o Alberto Centurião fizemos TAO, O livro. Depois eu, Marcos Prado e Sergio Viralobos fizemos O Inferno, da Divina Comédia, do Dante Alighieri; em seguida, eu e o Sergio fizemos UM FAUSTO DOIS, de Goethe. Daí não parei mais, comecei a traduzir os poemas que falavam comigo porque diziam o que eu queria dizer. E aí está a exposição que será inaugurada dia 23/04 e irá até 22 de maio. No dia da abertura, eu, Sérgio Viralobos e Fernando Koproski, bateremos um papo sobre todo esse nosso jeito de amar e fazer poesia, porque esse é o melhor jeito de viver e conviver com os amigos.”

 

Além disso tudo, quem for à Biblioteca no dia 23/4, terça-feira, a partir das 18 horas, assistirá a gravação da leitura das subversões em atuação de Thadeu Wojciechowski e Monica Berger. Local de lançamento memoráveis de livros como “Os Catalépticos” e “Presença de Espíritos”, a Biblioteca sediará outro grande encontro dos poetas e artistas de Curitiba, acompanhados de alguns dos maiores monstros da Poesia mundial:

 

COM PÉ E CABEÇA

Após a guerra,

é bom deixar tudo melhor do que era.

As pessoas esquecem:

por si mesmas as coisas não se mexem.

Melhor tirar todo esse lixo,

assim os carros passarão em seu cortejo mortiço.

Abram caminho

pela lama de sangue,

entre as cinzas rubras,

as molas dos sofás vermelhos,

os cacos de vidro rubi,

os trapos carmim!

 

Tirem este poste daqui,

levantem as paredes aqui,

envidracem as janelas ali,

ponham as portas em seu devido lugar!

Essas tarefas não dão um bom documentário

e as equipes de TV

precisam de fatos novos para sobreviver.

Nós não, nossa vida tem pontes,

estações de trem de ida e volta.

 

Arregaçamos o tempo

e puímos mangas de camisas

em movimento.

O homem da vassoura quase sem cerdas

varre a memória

e lembra como foram sangrentos os fatos.

Um passante ouve e assente

com a cabeça, a salvo.

Os mais próximos acham

que a história está mal contada

e bocejam seu tédio atávico.

 

Aqui e ali, outros desenterram velhas evidências

e arrastam-nas para o lixo.

Os que sabiam em detalhes

cederam lugar aos que sabem pouco.

E aos que sabem menos ainda.

E àqueles que nada sabem.

Até que alguém, distraidamente,

sobre a grama que já cobriu causas e efeitos,

deite-se com um capim nos lábios,

o olhar perdido nas nuvens

a sonhar novamente com estrelas!

Wislawa Szymborska

 

NO FINAL DAS CONTAS

Uma e pouco da madrugada,

é quase certo, estás dormindo.

Na noite, nenhum choramingo

sob a via láctea derramada!

 

A tempo, nenhum telegrama meu

chegará para te tirar o sono.

Caso encerrado, nem você nem eu

deu outro fim ao próprio sonho.

 

Estamos quites, nada a discutir.

Para que pôr em desfile mágoas,

dores, pequenezas, se águas

passadas nunca hão de refluir?

 

No silêncio da noite imerso

estrelas pagam a minha conta.

A vida ainda não está pronta

e, em momentos assim, converso,

de pé, cabeça e voz erguidas,

com os séculos, com a história,

e o universo, em toda sua glória,

dando sentido às nossas vidas!

Maiakóvski

 

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