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29/03/2024



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Carlos Careqa

 Carlos Careqa

Trinta anos separam o lançamento do primeiro disco de Carlos Careqa, “Os homens são todos iguais” (1993), de seu vigésimo álbum, “Somos todos estrangeiros”. Detalhe: praticamente todos produzidos às próprias custas. Careqa é a própria encarnação do dínamo criativo: “Nunca pensei que pudesse fazer tanto. Mas sempre tive vontade de fazer muito! Uma vida toda dedicada à canção. À música, a musa das musas”.

 

A inspiração para o álbum veio da frase “Todos somos estrangeiros, em quase todos os lugares”, escrita pelo Dr. Umes Arunagirinathan, que migrou do Sri Lanka para a Alemanha aos 13 anos. “O álbum começou a ser pensado em 2018. De lá pra cá fui repensando as canções. Sei que sou um estrangeiro em São Paulo. Aliás, sempre fui um estrangeiro! Nasci em Santa Catarina, migrei aos 4 anos para Curitiba, aos 15 fui para Ponta Grossa (PR), aos 22 para Nova Iorque, aos 29 para Berlim e finalmente me assentei em São Paulo, terra de tantos estrangeiros. É sobre isso que o disco fala”. Continua Careqa: “Humanos migram. Humanos constroem e destroem cidades. O estrangeiro convida a ver coisas que aquele que habita não vê. O disco fala um pouco sobre Vincent Van Gogh, Rei Salomão, Sansão, Taoismo, Umbanda, Nordeste, etarismo e, principalmente, do meu próprio êxodo”, completa Careqa. Ouça Somos Todos Estrangeiros aqui.

 

Feito este introito sobre sua última obra, vamos saber mais sobre o hiperativo Carlos Careqa. Nascido no distrito de Guatá em Lauro Muller (SC), ele estudou música e teatro em Curitiba, radicando-se em São Paulo nos anos 1990. Trabalhou em trilhas sonoras para teatro e atuou em peças e filmes de cinema. Atua no mercado publicitário desde 1986, com mais de 80 comerciais. Eu o conheci nos anos 80, mas no início não éramos amigos. Lembro que meu irmão tinha montado uma banda chamada Lábia Pop, junto com o diretor de teatro Felipe Hirsch, que era o vocalista e autor de algumas letras. Eles musicaram também alguns poemas meus e do Marcos Prado. Um belo dia, estavam dando um show no Teatro da Caixa e surge o Careqa do meio da plateia e começa a xingar a banda, dizendo que aquilo tudo era uma merda. Fiquei puto com a situação e escrevi um artigo contra o Careqa no caderno Trendie que circulava no Correio de Notícias. Provavelmente ele nunca leu e nos tornamos amigos anos depois através do Marcos Prado. Curiosamente, depois da morte do Marcos o Felipe Hirsch produziu uma antologia de seus melhores poemas, intitulada Ultralíricos, e me pediu um texto para a contracapa do livro. No dia do lançamento, o Hirsch veio me dizer constrangido que tinha trocado meu texto por outro do Carlos Careqa. Detalhe: o lançamento foi feito com um show do Beijo AA Força no mesmo Teatro da Caixa.

 

Quando pedi autorização do Careqa pra escrever este artigo na coluna Frente Fria, ele ficou feliz e me mandou este depoimento de improviso quinze minutos depois. O homem é um gênio mesmo:

 

“Hey, anos 80
Charrete que perdeu o condutor
Hey, anos 80
Melancolia e promessas de amor
Melancolia e promessas de amor”

Raul Seixas

 

“Só sei que sai do seminário salesiano em 1979. Tocando violão e sabendo algumas músicas do padre Zezinho de cor. Ainda não havia para mim nenhum tipo de cultura curitibana ou brasileira que eu pudesse me orgulhar. Tinha o Roberto Carlos e as canções que minha mãe cantava, lavando roupa na Vila Guaíra. Meu pai me deu o primeiro violão aos 12 anos, comprado nas lojas Hermes Macedo. Modelo brasinha. Giannini. Ainda existe, mas é todo fabricado na China. Made in China.

 

Meu debut foi com o Laete Ortega, musicando uma peça dele. A Rua de Pirulito. Chamei meu amigo Lino Procópio para me ajudar. Fizemos uma trilha bacana. Lembro ainda das músicas como os Passeantes da Noite. Falava dos catadores de lixo e sem teto de Curitiba em 1979. Então ali no Teatro Guaíra pude conhecer muita gente boa. Atores e atrizes. Músicos e musicistas. Meu amigo de adolescência Fernando Vieira trabalhava com som. Também músico da melhor qualidade. Ele já tocava nos bares eu acho. Eu ainda não. Bancário e cursando direito na Faculdade de Direito de Curitiba. Em 1982 me chamou para ajudar num show de uma turma no pequeno auditório do Teatro Guaíra. O nome da banda? Contrabanda. Num show intitulado Por um Novo Incêndio Romântico. Eu fui roadie sem saber o que significava isto. Ajudei a puxar cabo e armar o som. Talvez tenha sido o primeiro show de rock que eu tenha assistido. Não sei. Ao fundo, como cenário, tinha um poema do Caco Machado. Gostei da letra e logo fui musicando. Já tinha algumas músicas feitas, então virei parceiro de um cara que eu não conhecia. Não sei se este show aconteceu em 1980 ou 1982.

 

Eu e Fernando já tínhamos participado do grupo Sal da Terra da Vila Guaíra. Então eu era jovem. Um novo jovem. Estreando os anos 80 ali: totalmente eu. Logo em seguida conheci meu parceiro Adriano Sátiro. A primeira de nossas parcerias foi Manhãs de Sol. Ainda lembro e tenho gravada nas minhas fitas cassetes. Um símbolo dos anos 80. Quem não tinha um bom cassete não podia fazer música. A gente corria pra comprar logo uma boa. Tipo Basf. Sony. Philco. Enfim estas marcas que dominam o mercado até hoje com outros nomes e fabricando outras coisas.

 

Adriano Sátiro era desta turma ligada ao Beijo AA Força, novo grupo punk da turma da Contrabanda. Este universo do duplo sentido. Do triplo sentido, que agora eu saberia utilizar sabendo que outras pessoas faziam isto. Fizemos algumas parcerias escrevendo juntos as canções. Eu chegava com o mote e o Adriano debulhava a caneta e logo saia uma canção. Não lembro o ano, mas fui participar de um festival de música no Cefet. Onde talvez eu era aluno de Comunicações, pois eu estudei lá um ano.

 

Coloquei a canção Passeantes da Noite parceria com Lino Procópio e Laerte Ortega. A gente chegou na final com o grupo Sal da Terra, mas quem ganhou foi a Contrabanda. No júri tinha o poeta Thadeu W.

 

E fui conhecendo melhor os anos 80. 81, 82, 83 tudo estava caminhando. Fazíamos as canções e levávamos na Censura Federal as fitas cassetes para serem liberadas ou vetadas. Era uma aventura ir na Ubaldino do Amaral, perto da igreja e do estádio do Coxa. Tudo à pé. Aliás outra marca indelével dos anos 80. Andar a pé na rua XV de Novembro. E encontrar todo mundo por ali. Trindade. Oswaldo Rios, Baxo, Pimenta, Leminski (às vezes) entre tantos outros. O trindade dizia que aquele banco na frente da Confeitaria Schaffer era o escritório dele. O trindade é um grande representante dos anos 80. Eu estava cursando Direito e em 84 parei com tudo. Banco, faculdade e fui para Nova Iorque. Virei músico. Comecei a tocar em restaurantes e bares lá. Mui ousado, como disse minha amiga cantora aqui em SP. Não posso revelar o nome. Ela sempre diz que eu sou mui ousado.

 

Esta turma do Beijo AA Força e todos os poetas desta geração fizeram minha cabeça como se dizia naquele tempo. Frases, poemas, traduções, canções, shows, performances. Eu lancei um disco compacto Poema do telhado da Feira do Poeta da Fundação Cultural de Curitiba. Lá embaixo estava o Marcos Prado rindo e tirando uma onda. Me provocando. Soubesse eu que era o Marcos Prado teria convidado para subir no telhado e recitar alguma pérola. Uma vez, eu estava no Rio fazendo um show com o Arrigo Barnabé numa casa, acho que era o Jazz Mania, e uma voz lá do fundo gritou: eu gosto de Curitiba… Era o Marcos Prado em pessoa. Que ser adorável… e ao mesmo tempo provocador.

 

Ainda me lembro do sol dos anos 80. Feira do Poeta. Incenso. Roupa branca. Sandálias. Hippies tardios. Eu fui. O sol era diferente. Era um sol mais arejado. Tinha um frescor. Tinha a nossa virgindade sendo deflorada pelo tempo. Eu não sabia que iria ficar velho. Tinha certeza que velhos seriam somente aqueles. E que eu viveria eternamente jovem e provocador. A gente adorava ir nas vernissages de Curitiba. Pois tinha muita comida e bebida de graça. Eu não bebia. Mas bebericava um pouquinho.

 

Fiquei amigo de todos. Esses poetas dos nos anos 80. Até parceiro do Leminski eu fui. Nena Inoue e Marisia Brunning foram no bar onde eu tocava depois de voltar de N.Y.C. Para me convidar para fazer a trilha de um espetáculo chamado Alles Plastik, de Adriano Távora e Madalena P. Traduziram e Leminski adaptou as letras das canções. Virei parceiro dele na música tema que está no meu primeiro álbum. Lp. Bolachão. Geraldo Henrique Torres Lima, meu professor, também me ajudou nesta trilha. Isto foi em 1985. Alles Plastik (tudo plástico) falava sobre isto. Este consumo de plástico. A peça foi gerada em Berlin pelo Wolker Ludwig do Grips Teatro.

 

Acho que os anos 80 talvez tenha sido um copião do que viria a ser o futuro. Um esboço. Um desenho mais rabiscado. Não sei se tenho saudade ou se sou agradecido por ter vivenciado tudo isto em Curitiba. Sei que a cidade era muito efervescente nesta época. Tinha cultura em todo canto. E eu ia em todos os lugares de ônibus ou a pé. Encontrava os parceiros. A gente gostava de brincar com Curitiba. Sacanear a cidade. A gente era muito crítico de tudo. Às vezes gratuitamente. Sem saber do que se estava falando. Com Adriano Sátiro e Oswaldo Rios fizemos a famigerada eu gosto de Cu… ritiba…

 

Eu estava na Secretaria de Cultura estadual fazendo algum contato. Cavando alguma coisa. E tinha uma exposição sobre o Lápis, compositor paranaense. Eu fiquei vendo aquelas fotos e senti uma tristeza. Então é isto. Uma vida. E se acaba aqui no hall da Secretaria. Saí dali chocado e triste. E comecei a cantarolar o refrão. Pelo menos a primeira frase. Logo ali no escritório estava o Sátiro, que curtiu e completou. Depois fomos na casa do Oswaldo Rios registrar e completar e Oswaldo nos ajudou a terminar a canção. isto foi em 86.

 

Anos 80 tinha o Fernando Klug fazendo com o Nelson de Paula uma mini revolução no teatro underground de Curitiba. Com o Tubarão do Deserto. Tinha muita gente boa fazendo teatro.

 

E como tinha. Sinto até hoje o cheiro da cochia do pequeno auditório do Guaíra. Fizemos um show, eu o Klug e o Nelson de Paula no pequeno auditório chamado Sangue de Artista. Foi muito bom e tinha casa cheia todos os dias. Pois misturava teatro e música… Com José Mauro Santos, Raquel Rizzo, Fernando Klug.

 

Bem, isto não é uma autobiografia. Me pediu o Sérgio Viralobos apenas para falar dos anos 80 em Curitiba. Na próxima, eu conto outros causos. Sem cronologia. Não sou disso. Só sei que foi assim…”

 

Depois de toda esta enxurrada de informações, ainda travamos este diálogo pelo WhatsApp:

 

Viralobos Sérgio: Você era puro punk, sem as vestimentas.

Careqa Carlos: Um punk bossa nova como disse o Zeca Baleiro.

Careqa Carlos: Era nada. Era um cavalo solto no pasto…

Careqa Carlos: Sinceramente nem sei o que era ou o que sou.

Viralobos Sérgio: A verdade é que somos todos estrangeiros.

 

Leia outras colunas Frente Fria aqui.

1 Comentário

  • Carlos Careqa é o estrange mais curitibano do mundo. Acompanho cada passo desse artista genial faz muito tempo. Ser seu parceiro tem um significado enorme para mim. E ter dois amigos parceiros aqui neste momento é uma alegria desmedida.

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