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25/04/2024



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Curitiba no Tempo do Jazz Band

 Curitiba no Tempo do Jazz Band

O livro a ser resenhado hoje foi lançado em janeiro de 2018, mas continua atualíssimo e à venda em sites como Estante Virtual e Mercado Livre. Em “Curitiba no tempo do Jazz Band”, o jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior usou parte da pesquisa realizada para o projeto cultural “Vestido Branco, Uma Aventura Musical”, assinado por ele em parceria com a jornalista Miriam Karam e publicado em formato digital em 2006. A pesquisa original para este projeto, feito com apoio da Fundação Cultural de Curitiba, consumiu oito anos de trabalho em trezentas entrevistas com músicos, empresários da noite e frequentadores das rodas de jazz e bossa nova da cidade. A edição do livro hoje resenhado tem 276 páginas, valorizadas pela capa de Guinski, um dos grandes artistas plásticos do Brasil.

 

Um dos temas principais desta obra tem sido tratado em alguns artigos da coluna Frente Fria: a “invisibilidade histórica” dos artistas de Curitiba. Ela retrata um período em que a música na cidade, em especial o jazz, viveu seu auge, no entanto, Adherbal tentou achar fotos, filmes ou um frame de vídeo tape daquele momento. Consta que fitas de vídeo históricas eram desgravadas pelas emissoras sem dinheiro para armazenar vídeos comerciais de 30 segundos. Nada sobrou, mas o resgate é feito nas páginas de “Curitiba no tempo do Jazz Band”. “Não é um livro histórico, mas é um livro de muitas histórias da música produzida em Curitiba e dos músicos que ajudaram a escrever a história da cidade com notas musicais”, enfatiza o autor.

 

O recorte histórico da obra retrata o ciclo do café, que começou no início do século passado e atingiu o seu auge na década de 1960. Além de uma explosão demográfica e de desenvolvimento social para o Paraná, a economia cafeeira também influenciou o cenário musical de Curitiba, onde passaram a brilhar grandes instrumentistas, compositores e cantores. Em O JAZZ CURITIBANO: A TRAJETÓRIA MUSICAL DO PIANISTA GEBRAN SABBAG -1950 A 1960, trabalho de conclusão do curso de Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes do Paraná de Marilia Giller, é descrito o ambiente econômico da época:

 

“PARANÁ 1950: A MODERNIDADE FORJADA

A partir de 1950, os principais centros urbanos do Brasil começaram a transformar sua feição, com a expansão sócio econômica nacional, as cidades cresceram tornando-se metrópoles, tendo reflexos na estrutura populacional e nos hábitos da população. De acordo com Rodrigues (1993, p. 31): antigos bairros se descaracterizaram e mudaram de função; antigos moradores cederam espaço a migrantes recém-chegados; residências familiares tornaram-se habitações coletivas. Edifícios, antes referenciais da cidade, foram destruídos e substituídos por centros comerciais. O Paraná neste período compactuava com o modelo político adotado pelo governo central, conhecido como era desenvolvimentista, e prosperava como grande produtor de madeira e café, assegurando ao Estado uma participação decisiva na economia brasileira. Nesta conjuntura o prestigio nacional do Paraná se faz acompanhar pela elevação do nível de vida da população, ao mesmo tempo em que atrai migrantes de diversas procedências, fazendo a população do Estado dobrar, (MAGALHÃES, 2001, p.58). Como confirma Trindade (2001, p109): ‖além da tão propalada prosperidade econômica entre 1950 e 1960 a população do estado dobrou novamente de 2.100.000 habitantes para 4.200.000 , contribuindo a região cafeeira com 57% do total e tornando-se o Paraná o quarto estado mais populoso do Brasil. O jornalista Adherbal Fortes de Sá Jr. (2006, p.10), comenta que, no Paraná dos anos 60 se esbanjava capital financeiro: “a cafeicultura, que havia chegado no início do século, entrou em grande expansão a partir de 1950 devido aos altos preços do mercado internacional. De 300 mil hectares, em 1951, o Estado passou a 1,6 milhões de hectares em 1962, ano em que atingiu o apogeu: colhemos 21,3 milhões de sacas de 60 quilos, equivalentes a 54% da produção brasileira e 28% da produção mundial. De cada dois dólares que o país faturava com exportações, um vinha para o bolso de alguém que plantava café em Londrina, Maringá ou Cornélio Procópio. Sobre esse dinheiro, o governo do Estado cobrava o Imposto de Vendas e chegavam a todo instante empresários interessados em empréstimos do Banestado ou do Banco de Desenvolvimento do Paraná-BADEP. (FORTES SÁ JR. 2006, p.10)”.”

 

O ciclo do café não trouxe apenas explosão demográfica e desenvolvimento social ao Paraná. A pujante economia cafeeira que engordou os cofres do Tesouro e enriqueceu agricultores também influenciou o cenário musical de Curitiba. O Instituto Brasileiro do Café (IBC) tinha sua sede regional em Curitiba e, mensalmente, distribuía cheques para os prefeitos do interior, onde vicejava o café. Eles aproveitavam a estadia na fria capital paranaense para visitar suas famosas zonas de prostituição. Todas tinham música ao vivo, com orquestras onde brilhavam grandes instrumentistas, compositores e cantores, além de mulheres fantásticas que vinham da Argentina dançar nos cabarés e boates. Todos atraídos pelo dinheiro que circulava abundante.

 

Um dos nomes importante desta época é o de Paulo Wendt, conhecido como “Rei da Noite”, o grande comandante das madrugadas curitibanas. Empresário de visão, ele fazia da Marrocos uma boate de primeira linha, com dois a três conjuntos fixos e muitas atrações musicais. Com seu espírito empreendedor, Wendt chegou a promover temporadas no então inacabado Guairão, desde teatro de revistas até companhias de óperas. Seu reinado ampliava-se em restaurantes e outras casas, como a Tropical no Passeio Público. Paulo Wendt, e o seu principal concorrente – o paulista João Pedro Guimarães – dono da Moulin Rouge e Jane 2, movimentavam a noite da cidade de 300 mil habitantes. Como comenta o jornalista Renato Ribas (1982, p.12): “era grande o número de profissionais trabalhando nela, músicos, artistas, cantores, garçons, empregados de toda ordem, profissionais de restaurantes. A noite era, na verdade, um fator econômico da cidade, noitadas embaladas pelo bolero, tango, mambo, samba e mais tarde o jazz e a bossa-nova”. Compositores como o gaúcho Lupicínio Rodrigues se apresentavam mais em Curitiba do que no Rio ou São Paulo. Estes personagens hospedavam-se em hotéis, passavam no Bar Palácio, que só fechava às 7 da manhã, iam ao Teatro Guaíra e depois às casas noturnas ver os balés e as gringas eletrizantes. E tanto no hotel como no restaurante, no teatro e nas casas noturnas o que se ouvia era música ao vivo, quase sempre de boa qualidade, com isto a demanda jogava para cima o cachê dos músicos e atraía mais talentos. Havia muito dinheiro e pouco juízo nesse tempo de ‘ouro verde’. (FORTES SÁ JR, 2006, p.27).

 

A qualidade musical da cidade cresceu bastante com a chegada de um grupo de músicos cariocas em 1957. O brigadeiro que comandava o CINDACTA II, localizado no bairro do Bacacheri, gostava de música e resolveu criar uma banda militar de primeira linha: a Banda da Base Aérea da Aeronáutica. Mandou seu ajudante de ordens ao Rio de Janeiro, onde moravam os melhores músicos de jazz do Brasil, e este ofereceu emprego e moradia para quem quisesse mudar pra Curitiba. Logo recrutou profissionais na escadaria do Teatro João Caetano e no Beco das Garrafas, como Geraldo Elias, Dario Livino Torres, José Ribeiro de Brito, Hildofredo Alves Correa, João Bento de Lacerda, Dalgio Nagele, Antônio Barbosa de Moura, Ari Lunardon e, principalmente, Raul de Souza, que acabaria se projetando individualmente.

 

Reconhecido pelo improviso suingado e pelo samba-jazz, Raul de Souza é o inventor do “souzabone”, um trombone de pistão com quatro válvulas, uma a mais do que no instrumento tradicional. Não à toa, seus solos e improvisos são amplamente estudados por trombonistas das principais escolas de música popular do mundo. Com a canção Sweet Lucy, que foi lançada em seu álbum de mesmo nome, obteve sucesso mundial no final da década de 1970. Raul trabalhou e/ou gravou com Sérgio Mendes, Flora Purim, Airto Moreira, Milton Nascimento, Sonny Rollins, Cal Tjader e a banda de jazz fusion Caldera, além de ter participado de vários festivais internacionais de jazz. Em novembro de 2020, Raul anunciou a aposentadoria por conta de um câncer na garganta. As complicações desta doença o fizeram vir a óbito em junho de 2021. Ele morreu em Paris, onde residia desde o fim dos anos 1990.

 

Durante o dia, os cariocas da Banda da Aeronáutica treinavam dobrados militares. Um trabalho nada estafante. Começava com a parada matinal, às oito horas. Depois, duas horas de ensaio. Após o meio-dia nada para fazer. E às quartas-feiras não havia expediente à tarde. Por isso sobrava energia para a noite, à paisana, fazer bailes e tocar em boates. Ainda tinham tempo para a Orquestra 14 Bis, onde tocavam bebop e cool jazz nas rádios Guairacá e Clube Paranaense. Foi uma revolução musical para quem estava com o ouvido de saco cheio de tanto tango e bolero. Era o jazz que estava chegando. Na cabeça daqueles músicos da Base Aérea só repercutiam os sons de Satchmo, Gillespie, J.J. Johnson e Art Tatum. A 14 Bis concorria com as orquestras de Genésio Ramalho e Ângelo Antonello nos bailes da cidade. Já a orquestra do maestro Beppi (Giuseppe Bertollo), que formou inúmeros músicos na época, era exclusiva da Caverna Curitibana, imenso “taxi-girl”, com salão de 600 metros quadrados, que funcionava no porão do Clube Curitibano, então localizado no Centro da cidade.

 

Curitiba passou a ser um grande centro musical. Cada emissora de rádio tinha orquestra e conjunto regional. Clubes, cafés, restaurantes e hotéis procuravam músicos. A demanda maior era das casas noturnas, que se multiplicavam no centro da cidade. Marilia Giller continua a descrever a cena em sua tese de bacharelado:

 

“É claro que toda esta efervescência musical era apoiada por algumas pessoas que se interessavam por este universo, empresários, jazzófilos, jornalistas, conviviam neste período, constituindo o grupo que fomentou este estilo na capital paranaense. Podemos citar o nome do jornalista, escritor e crítico Roberto Muggiati, que aos 16 anos iniciou os primeiros apontamentos jornalísticos na Gazeta do Povo e entre 1954 e 1960 escreveu em vários jornais curitibanos. Em 1960 foi estudar jornalismo em Paris e depois de mais três anos trabalhando na BBC de Londres, em 1965 retorna ao Brasil como repórter e editor na revista Manchete. Também é tradutor de livros e autor de Mao e a China, O Que É Jazz, História do Rock, Blues 34 da Lama a Fama, New Jazz de Volta para o Futuro e Improvisando Soluções – O jazz como estratégia para o sucesso; conviveu com artistas, músicos e ainda recepcionou músicos estrangeiros de passagem pela cidade. Como lembra Muggiati: “um dos encontros mais insólitos na redação era o de Dalton Trevisan com o músico Raulzinho (…). Da Pavuna, Raulzinho saltou de páraquedas na Base Aérea do Bacacheri com o seu trombone de válvula. Ele tocava na banda da Aeronáutica e, de farda azul, percorria com a turma da “Gazeta” as loucas noites de Curitiba, ainda mais delirantes depois que chegou à cidade o trombonista Maciel. Naquelas ruas vazias, fui o ouvinte privilegiado de duetos entre Raul e Maciel que lembravam o melhor som de J.J. Johnson e Kai Winding. (MUGGIATI, 1992, p.3)”.

 

No livro, Adherbal também relata as carreiras de Breno Sauer, que montou um quinteto inspirado no vibrafone do Modern Jazz Quartet e fez sucesso em Curitiba e São Paulo (Boate Oasis, Baiuca e La Vie em Rose), seguindo depois para o México e Estados Unidos, e de Gebram Sabbag, que Luizinho Eça e outros craques consideravam o maior jazzista do Brasil. Mesmo com esse título, Sabbag nunca aceitou convite para sair de Curitiba. Raros talentos deixavam Curitiba para tentar o sucesso no Rio de Janeiro ou em outros centros, como o quarteto Bitten-4, liderado por Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis, que se apresentou para uma plateia de 30 mil pessoas no Maracanãzinho, na final do Festival da TV Excelsior.

 

Outro músico legendário a atuar aqui foi Airto Moreira, que chegou em 1956, nascido em Itaiópolis (SC). Ele impressionava pelo seu modo de cantar e tocar percussão. Em seguida, a emissora de rádio Guairacá lhe deu um programa que ia ao ar todas as tardes de sábado. Aos 15 anos de idade, tornou-se músico profissional tocando percussão, bateria e cantando em bandas de baile. Cantou no Clube Juvenil M-5 e como instrumentista trabalhou em muitas boates, integrando a grande orquestra de Osval Siqueira, e a Orquestra de Beppi na Caverna Curitibana. Em 1962, saiu de Curitiba para integrar o Sambalanço Trio, juntamente com César Camargo Mariano e Humberto Cláiber. Com a saída do César do grupo, Airto e Humberto convidaram Hermeto Pascoal para substituí-lo, e assim nasceu o Sambrasa Trio, que possui um único álbum, lançado em 1965. Entre 1966 a 1969 integrou o Quarteto Novo com Theo de Barros, Heraldo do Monte e Hermeto Pascoal e, no fim dos anos 1960, mudou-se para os Estados Unidos. Lá participou da gravação do álbum Bitches Brew de Miles Davis na faixa Feio, que definitivamente o colocou no cenário da música internacional. Hoje mora em Curitiba, com Flora Purim sua esposa e grande cantora de jazz.

 

Esta incrível cena musical ganhou efervescência durante um quarto de século, que começou em 1950, com a eleição de Getúlio Vargas, e as festas do centenário da emancipação política do Paraná. No entanto, toda esta festa de jazz e bossa nova acabou como num golpe de magia: em 1975 houve uma noite fatídica em que foi devastada praticamente a totalidade dos pés de café existentes no estado sob o frio da geada negra. Com isso, o ouro verde desapareceu do Paraná e com ele, as grandes orquestras e os gordos cachês pagos para os músicos, que ficaram como estão até hoje: a ver navios.

 

Adherbal Fortes de Sá Júnior é curitibano, nascido em 9 de maio de 1939. Estudou no antigo Colégio Santa Maria da Praça Santos Andrade, na Escola de Cadetes de Porto Alegre e cursou a Academia Militar de Agulhas Negras. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, em 1962.

 

Sua vocação para o jornalismo levou-o ao Diário do Paraná, nos anos 50. Passou pela revista Panorama e pelo jornal Última Hora, do qual foi o principal colunista, o que lhe rendeu um processo instaurado pelo regime militar, depois arquivado pelo Supremo Tribunal Federal. Contratado pelo O Estado do Paraná, passou depois para a TV Iguaçu, para escrever e dirigir o Show de Jornal, com Renato Schaitza, a partir de 1968.

 

Escreveu com Paulo Vítola os espetáculos teatrais Cidade sem Portas, em cartaz de 1973 a 1975, e Paraná, Terra de Todas as Gentes, para a inauguração do Grande Auditório do Teatro Guaíra, em 1974. Trabalhou nos jornais Correio de Notícias e Indústria & Comércio, em emissoras de televisão e em emissoras de rádio. Participou da elaboração da Carta de Belo Horizonte, que denunciou a corrupção no Governo Collor, e idealizou a Greve do Fumo e a Meia Maratona de Curitiba.

 

Em 1997, publicou o livro Ney Braga – Tradição e Mudança na Vida Política. Escreveu Vestido Branco – Uma Aventura Musical, publicada em formato digital. Como diz o autor, “Vestido Branco, como todo retrato, mostra só um ângulo. O nosso é o ângulo da música, que explodia nas bocas da Rua Cabral, nos clubes sociais (porque existiam clubes antissociais), nos muquifos do Parolin, onde tocava Zé Pequeno e seu maravilhoso regional”.

 

Recebeu em 2006 o título de Vulto Emérito de Curitiba, concedido pela Câmara Municipal. Foi eleito para a Academia Paranaense de Letras, tomando posse em 2 de outubro de 2007, saudado por Ernani Buchmann, colunista do HojePR.

 

Leia outras colunas Frente Fria aqui.

1 Comment

  • Meus comprimentos pela matéria. Sou sobrinho do Gebran Sabbag e gostaria de obter um exemplar do “”O JAZZ CURITIBANO “ . Como posso adquirir ? Parabéns por seu trabalho de resgatar um tema tão importante, obscurecido pela tradicional timidez curitibana. Obrigado.

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