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SERGIO-CABECA-COLUNA

Fausto de Goethe

29/05/2025

Fausto é o protagonista da popular lenda alemã do “pacto com o demônio”, baseada no médico, mágico e alquimista alemão Dr. Johannes Georg Faust (1480-1540). O nome Fausto tem sido usado como base de diversos romances de ficção, o mais famoso deles do alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que o escreveu e reescreveu ao longo de quase sessenta anos. Sua obra prima foi publicada em fragmento em 1790, depois em primeira parte definitiva em 1808 e, por fim, numa segunda parte, em 1832, ano de sua morte.

Considerado símbolo cultural da modernidade, é um poema de proporções épicas que relata a tragédia do Dr. Fausto, homem das ciências que, desiludido com o conhecimento de seu tempo, faz um pacto com o demônio Mefistófeles, que o enche com a energia satânica insufladora da paixão pela técnica e pelo progresso. Sendo um arquétipo da alma humana, o mito de Fausto jamais se esgotou simbólica e literariamente, de modo que diversos artistas contemporâneos e posteriores a Goethe reagiram criativamente à personagem. O poeta russo Puchkin escreveu em 1826 um Fausto notável pelo diálogo com Mefistófeles. Christian Dietrich Grabbe também compôs em 1836 uma tragédia onde confrontava Don Juan e Fausto. No século XX, o poeta francês Paul Valéry escreveu a peça “Mon Faust”, sem a concluir. Depois foi a vez do poeta português Fernando Pessoa escrever ”Fausto: Uma Tragédia Subjectiva”, inusitadamente narrado na primeira pessoa. E por fim, Thomas Mann publicou seu primoroso romance “Doktor Faustus” em 1947.

Os poetas curitibanos Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos (este que vos fala) embarcaram na aventura de fazer uma nova tradução de Fausto no ano de 1994. Em 1996, publicaram o livro “Um Fausto”, hoje esgotado, com a transcriação da primeira parte da obra de Goethe. Na ocasião, o lançamento causou grande impacto em Curitiba, inclusive inspirando a peça “Um Fausto + Ato V do Fausto Dois”, elaborada por Felipe Hirsch e a Sutil Companhia de Teatro. Por sinal, o ator principal desta peça, Guilherme Weber, fez a curadoria do 1º Ciclo de Leituras Dramatizadas Raiz e Fruto, em 2014, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. Ao longo de cinco encontros, os atores Leonardo Neto, Erica Migon, Miguel Lunardi, Branca Messina, Adriano Garib e Georgette Fadel apresentaram um recorte da produção dramatúrgica atual criada a partir de grandes clássicos. Uma das leituras foi de nossa tradução do Fausto. Recebemos, também, uma Distinção do Instituto Goethe, por serviços prestados à cultura alemã. Em seguida, eu e Thadeu mergulhamos na segunda e mais difícil parte do livro e concluímos o trabalho dois anos depois. Esta segunda parte está inédita até hoje.

Nossa proposta é usarmos esta plataforma jornalística, a coluna Frente Fria, para publicarmos UM FAUSTO DOIS, com a transcriação integral da obra prima. A cada última quinta-feira dos próximos meses, daremos luz a um trecho do livro, como se fosse uma novela moderna que se desenrolará por um ano.

Organizador da Antologia de Poetas Paranaenses, que a Biblioteca Pública lançou em 2014, Ademir Demarchi escreveu sobre a tradução de poesia no Paraná no artigo “A antropofágica poesia paranaense contemporânea”, publicado no Cândido, de janeiro de 2014: “Uma das características mais interessantes dos poetas paranaenses hoje é a prática tradutória. Há um número expressivo de escritores motivados a deglutir poetas e culturas, numa forma de busca de contaminação e complexização desse eu poético que se manifesta agora (…). Nos anos 1960, Leminski se empolgou com a prática concretista da transcriação que o levou ao estudo de línguas e à tradução de Joyce, Lennon, Beckett, Jarry, Mishima, Petrônio, John Fante e outros, lançados nos anos 1980 (…). Estava-se já sob nova onda de diálogos com outras línguas no Paraná, especialmente num esforço tradutório que começaria por se expressar nas páginas do Nicolau, com Josely Vianna Baptista (tradutora dos ameríndios e hispânico-americanos), Rodrigo Garcia Lopes, com os norte-americanos (primeiro os beats, depois Sylvia Plath, Ashbery, Whitman), Jaques Brand (em seu único e ótimo livro “Brisais”), o grupo OSS, com Antonio Thadeu Wojciechowski, Alberto Centurião, Edilson Del Grossi, Marcos Prado, Roberto Prado, Sergio Viralobos (no Nicolau ou em livros peculiares como “Um Fausto”, de Goethe, e “Os catalépticos”).”

Em 1999, Édison José da Costa, doutorado em Literatura Brasileira pela USP, publicou o artigo Jardim Revisitado no número 51 da Revista Letras, da UFPR. Assim começa o texto: “Antônio Thadeu Wojciechowski, Marcos Prado, Roberto Prado e Sérgio Viralobos têm-se dedicado, no quadro da poesia publicada recentemente no Paraná, a um fazer poético singularmente coletivo. A produção individual não está excluída, mas a parceria a quatro, seis e até a oito mãos constitui a porção mais substancial de sua obra. Publicam regularmente e o conjunto de seu trabalho literário, incluindo os inéditos, aproxima-se já da terceira dezena de volumes, intitulados às vezes em tom de deboche, mas com resultado sempre instigador (…). Ao contrário do caráter transitório que em geral marcou a produção dos grupos de poetas constituídos no período, Wojciechowski e companheiros, atentos às novidades, mas irrequietos, rebeldes, continuam na estrada (…). “Os Catalépticos”, volume de 56 páginas saído em 1991, mostra-os dedicados à efetivação do que denominam adaptações livres de poemas de Dante Alighieri, Yeats, Rimbaud, Poe, Mickiewicz, Shakespeare, Baudelaire e Camões. Esses nomes, remetendo geralmente ao paideuma poundiano… numa homenagem que compõe-se, desafiante, como deglutição e ultrapassagem (…). O tradutor impõe, de modo inequívoco, sua presença em “Os Catalépticos”.”

Há 45 anos envolvidos no fazer poético, Thadeu e Sérgio, através da publicação de “UM FAUSTO DOIS”, estão prontos a continuar a tradição tradutória paranaense numa das maiores obras da humanidade e devolver à Fausto toda modernidade que ele merece. Dividido em duas partes, Fausto foi redigido como uma peça de teatro com diálogos rimados, pensado mais para ser lido do que para ser encenado. Sua criação ocupou quase toda a vida de Goethe e sua transcriação para nossa língua uma boa parte das nossas. Sua primeira versão foi composta em 1775, um esboço conhecido como “Urfaust” (Proto-Fausto). Isso nos inspirou a chamar nossa livre-adaptação de “Um Fausto” e assim batizamos a primeira parte do poema. Trabalhamos nela de janeiro de 1993 a agosto de 1994, em encontros, no mínimo, semanais. Mudamos o ambiente que permeia o livro de um teatro para uma editora e tentamos realçar seu caráter cômico, sem perder o trágico de vista.

Em 1808, estimulado por seu amigo e poeta Friedrich Schiller, Goethe publicou a versão definitiva da primeira parte, intitulada “Faust, eine Tragödie” (Fausto, uma tragédia). E somente em 1826, começa a escrever uma segunda parte, que seria publicada em 1832, postumamente, sob o título “Faust. Der Tragödie zweiter Teil in fünf Akten” (Fausto. Segunda parte da tragédia, em cinco atos). A nosso ver, este é o ponto alto da obra prima e a chamamos de Fausto Dois. Selecionamos as cenas que mais gostamos e nos divertimos em transformá-las em novos mesmos poemas. Isso se passou por alguns anos, que já não sabemos precisar quais.

Como escrevemos no prefácio de “Um Fausto”, publicado em 1994:

“De como Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos, mesmo sem entender bulhufas de alemão, fizeram essa livre-adaptação da obra de Goethe, sem prejudicar-lhe o gênio, conseguindo ainda, emprestar-lhe modernidade suficiente para os próximos mil anos e, além disso, propiciar ao povão alemão a oportunidade de uma nova e total tradução.

A nossa receita é simples
bastam cortes e mixagem
além de variar os timbres
pra visão pedir paisagem!

Se a obra perdeu é mal,
mas se ganhou, pior ainda:
a pedra filosofal
até hoje nos chacina!”

Antonio Thadeu Wojciechowski e Sérgio Viralobos

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2 comentários em “Fausto de Goethe”

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