HojePR

LOGO-HEADER-slogan-675-X-65

27/04/2024



Sem Categoria

Latim em Pó

 Latim em Pó

Eis um livro indispensável nas estantes dos dias de hoje. O idioma que usamos todos os dias no Brasil é muito bem explicado pelo professor, pesquisador e tradutor Caetano Galindo em Latim em pó, que foi lançado em 2022 e já está na terceira edição. Além de tudo isto, ele é irmão de Rogério Galindo, chefe de redação do portal de notícias Plural, concorrente de nosso democrático HOJEPR.

 

Caetano Waldrigues Galindo nascido em Curitiba, em 1973, é doutor em linguística pela Universidade de São Paulo e, desde 1998, professor de história da língua portuguesa na Universidade Federal do Paraná. Transpôs para o português obras de autores como Thomas Pynchon, David Foster Wallace, Charles Darwin, J. D. Salinger e James Joyce, de quem traduziu Ulysses, ganhador do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte 2012 , do Prêmio de Tradução da Academia Brasileira de Letras 2012 e do Prêmio Jabuti 2013.

 

Seu primeiro livro de Contos, Ensaio sobre o entendimento humano, venceu o Prêmio Paraná de Literatura de 2013. Em 2016, pela Companhia das Letras, Galindo publicou uma das mais importantes obras sobre Ulysses, o guia, Sim, eu digo sim: uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce, finalista do prêmio Rio de Literatura, além do livro de contos Sobre os canibais (2019). Em 2012, entrou na lista dos 100 brasileiros mais influentes do ano pela Revista Época.

 

 

Agora, voltemos ao “Latim em pó”. O título pode enganar alguns leitores distraídos. Talvez pensem: “Latim? Não me interessa”. Mas o subtítulo entrega o verdadeiro assunto: “Um passeio pela formação do nosso português”. O tal “Latim em Pó” é a própria língua portuguesa, na formulação poética de Caetano Veloso na canção “Língua”, do álbum “Velô”, de 1984: “Flor do Lácio, Sambódromo Lusamérica, latim em pó”. A citação não é gratuita, curiosamente, Galindo recebeu o nome de Caetano em homenagem ao Veloso.

 

Na orelha do livro, o dramaturgo Felipe Hirsh conta que tudo começou quando chamou Galindo pra participar do desenvolvimento de uma peça a partir da canção “Língua Brasileira”, de Tom Zé. Depois de anos de conhecimento trocado, o projeto resultou na peça, num disco, num show, no documentário “Nossa Pátria Está Onde Somos Amados”, além do próprio livro.

 

Nele, Galindo reconstitui a história de nosso idioma e fala sobre os desvios, muitas vezes considerados “erros”, que formam e modificam a língua desde sua criação. Logo no início adverte: “a verdade da verdade da linguística histórica é que as línguas mudam o tempo todo”.

 

Começando pela Europa e pelo latim, com especial atenção a Roma, passando pela Reconquista e pelo colonialismo na África e na América Latina, o autor traça um panorama amplo e compreensível da nossa língua materna. A motivação principal do livro é contar esta linda história para Luzia, sua filha recém-nascida. Com isso, aproveitamos nós leitores para entendermos melhor um tema à vezes tão árido como a linguística.

 

“Não contente em ser um dos melhores tradutores do país, Caetano Galindo também nos presenteia com uma das melhores leituras da nossa língua, sua história, seus aspectos e usos. Este livro é um passeio, uma navegação pelo português e pelo Brasil”, diz a escritora Noemi Jaffe.

 

“Latim em Pó” é também uma história social da língua. Galindo não perde ocasião de nos lembrar que não dá para passear pela formação do nosso idioma sem passar por classe, privilégio, desigualdade: “a grande mãe do português, do romeno, do extinto dalmático, do sardo, do provençal, do francês, do calabrês, do rético, do vêneto, do italiano, do catalão e do espanhol não é a variedade clássica da língua latina com que o mundo se familiariza através dos grandes poetas, juristas e filósofos da Roma Antiga. Todo este patrimônio linguístico deriva, diretamente, do latim vulgar. Da língua dos excluídos, desconsiderados e marginalizados. Da língua daquelas pessoas que ficam fora dos relatos da história e dos discursos registrados em livros, documentos e depoimentos”.

 

Como aponta Galindo, se o Brasil descobrisse uma ilha deserta que precisasse ser colonizada, quem estaria mais disposta a largar tudo e ir para lá? Não seriam os doutores e concursados, levando na bagagem a norma culta da língua.

 

Por isso, muitas das nossas palavras derivam não do latim culto, correto, clássico, mas do latim vulgar, pobre, rude. “Velho”, por exemplo, vem não de “vetus”, palavra que o douto orador Cícero teria utilizado, mas do humilde diminutivo “veclus”, equivalente ao nosso “velhinho”.

 

Aliás, é por isso que falamos “açúcar” e “algodão” (e não “súcar” e “cotão”), enquanto ingleses falam “sugar” e “cotton” e os franceses, “sucre” e “coton”. Nas línguas da Península Ibérica, durante os 700 anos de ocupação muçulmana, as palavras vindas do árabe foram absorvidas de ouvido, pelas camadas populares, nas feiras livres, barganhando preços, e o artigo acabou vindo junto, confundido com parte da palavra. Já no inglês e no francês, as palavras árabes entraram através das camadas mais cultas, por escrito, “em estado de dicionário”, na expressão de Carlos Drummond de Andrade.

 

Os exemplos, sempre interessantes, poderiam continuar sendo citados até reproduzir o livro quase inteiro. Outros capítulos traçam as influências indígenas e africanas na língua portuguesa, e também as origens e características dos diferentes sotaques brasileiros.

 

Ao mesmo tempo em que “Latim em Pó” incorpora as últimas pesquisas da linguística e cita desde Marcos Bagno a Yara Pessoa de Castro, de Carlos Alberto Faraco a Gabriel de Ávila Othero, ele também se mantém firme no propósito de ser um passeio, informativo e cativante, não apenas para o especialista, mas para qualquer pessoa que use e ame a língua portuguesa. Fazia tempo que eu não sentia tanto prazer com um livro.

 

Leia outras colunas Frente Fria aqui.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *