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28/04/2024



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Marcos Prado em sua última parceria poética

 Marcos Prado em sua última parceria poética

Segundo a crítica oficial, Marcos Prado nasceu em Curitiba, no dia 15 de dezembro de 1961. Foi poeta, escritor, tradutor, compositor, letrista e ator, considerado um dos maiores nomes da arte marginal do Paraná. Participou das coletâneas de poesia Sala 17; Reis Magros; Sangra:Cio; Feiticeiro Inventor; e Outras Praias/ Other Shores; 13 Poetas Emergentes. Aos 17 anos, publicou “De leve não vale a pena apesar”, em 1995 foi o “Livro dos Contrários” e no ano seguinte: “O Livro de Poemas de Marcos Prado”. Em parceria com outros poetas, publicou “Dois Mais Dois São Três em Um”; “Pérolas aos Poukos”; “Erdeiros do Azar”; “Eu, Aliás, Nós”; “Paraguayos do Universo”; “Passei Minha Mão na Cara”; e “Três Quadrúpedes Bípedes”. Traduziu obras de Edgar Allan Poe, Dante Alighieri, Yeats, Rimbaud, Baudelaire e outros, publicadas nos livros “Os Catalépticos” e “Presença de Espíritos”. Suas músicas foram gravadas por bandas como Beijo AA Força, Maxixe Machine, Lábia Pop e Os Cervejas. Como repórter, redator, editor, crítico e articulista colaborou com diversos jornais e revistas de cultura do Brasil. Publicou contos e crônicas na Folha do Paraná. Morreu em decorrência de seus problemas com a bebida, aos 35 anos, no dia 31 de dezembro de 1996.

 

Para quem o conheceu de verdade, foi bem mais que isto. Meu primeiro encontro com Marcos Prado foi uma das coisas que mais me marcaram na vida. Eu e o Renato Quege estávamos indo pela primeira vez para a Ilha do Mel, lá pelos idos de 1980, e chegamos à noite em Pontal do Sul. Como só podíamos atravessar para a Ilha durante o dia, acampamos na praia e ficamos tocando violão à luz de uma fogueira. Eis que surgem três personagens na escuridão, que ficaram falando um monte de barbaridades, alugações, poemas e canções (eram Marcos Prado, Thadeu Wojciechowski e um amigo deles). Do mesmo jeito que vieram, foram, e só fomos conhecê-los, às claras, alguns dias depois na Praia das Encantadas. Marcos chegou para mim e disse: “Prazer, Marcos Prado, sou poeta”. A partir daí foram muitos e muitos anos de risadas, sacanagens e até mesmo poemas.

 

Mas não é deste início, pleno de vitalidade, que quero falar hoje, mas da última fase poética do Marcos Prado, que nunca parou de fazer novos amigos e lançar modas literárias em todo seu percurso de vida.

 

No início dos anos 90, ele tinha juntado uma nova turma de comparsas como bem conta Ivan Justen de Santana, Mestre em Letras pela USP e Doutor em Literatura Paranaense pela UFPR, e autor dos livros de Poesia “64 Peças” e “Buquês de Limeriques”:

 

“Conheci o Marcos em 1992, no Bar do Joe, logo depois que foi publicado o livro “Os Catalépticos” com as traduções feitas em parceria com o Thadeu, Sérgio Viralobos, o Roberto Prado e o Edilson Del Grossi.

 

Quando o Marcos soube que eu estudava inglês na UFPR, logo propôs que traduzíssemos letras de poetas do rock, como Lou Reed, Tom Waits, Jim Morrison, entre outros.

 

Fazíamos isso na “Casa da Gláucia”, o apartamento da médica amiga da turma, onde o Marcos morava, junto com o Márcio “Cobaia” Goedert, que também participava dessas traduções em parceria, também com o Thadeu, o Edilson, o Edson de Vulcanis, entre o pessoal que aparecia por lá.

 

Isso sempre me fascinou na vida e obra do Marcos Prado: ele transformava praticamente todos os amigos em parceiros poéticos.

 

Sobre o final da vida dele, quando morava com a Léia Leite na Rua Solimões (ele disse que tinha nascido nessa rua) e os dois tocavam um bar chamado Carraspanas, perto da Reitoria, lembro que o Marcos estava doente de psoríase e alcoolismo, foi muito triste e especialmente irônico por ter acontecido na noite do último dia do ano de 1996.

 

O Marcos era a pessoa que sempre sabia o que dizer numa mesa de bar, eu invejava esse bom humor e essa grande presença de espírito que ele tinha. Sem evitar o trocadilho (que ele gostava muito de fazer e de ouvir), o Marcos marcou a vida de muita gente e segue sendo influente no meio cultural curitibano, depois de trinta anos desde a sua morte.”

 

Neste período final foram escritos vários livros em formato meio fanzine, meio cordel, como Paraguayos do Universo (com Edson de Vulcanis), Passei Minha Mão na Cara, O Amor é Lino (com Márcio Goedert, Edilson dei Grossi e Antonio Thadeu Wojciechowski) e Três Quadrúpedes Bípedes (com Márcio Goedert e Edson de Vulcanis), em que despontavam poemas quase absurdos, como:

 

A FELICIDADE BATE À MINHA JAULA

cheguei em casa truculento

estripei minha mulher

desossei meus filhos

taquei fogo nos vizinhos

não porque sou violento

mas por estar carente de carinho

acordei feliz e satisfeito

numa jaula cheia de companheiros

sem mulher, crianças e vizinhos

só amor, carinho e compreensão

guardas, grades, cães e carcereiros

aqui protegem do mal meu coração

Marcos Prado e Edson de Vulcanis

 

Mesmo tendo sempre cultivado parcerias poéticas, Marcos nunca deixou de escrever muito sozinho. Eis uma de suas últimas obras primas:

 

O dia em que o poeta descobriu que não estava morto entre uma pá de terra e outra

perdido, estou perdido / perdido o ritmo e a rima, perdido / nenhum achado, ideia, sentido / ando como se de nenhum lugar tenha saído por a lugar nenhum ter ido / se me aparecem símbolos, virgulo / se fatos, pontuo / não me sinto mais o coitado que bebeu o conteúdo / nem como o herói que não conseguiu se salvar, contudo / duvido de quem acredita na vida / detesto quem acha essa passagem um teste / falso quem acha tudo uma farsa e faz do mundo um pasto / estou entre quatro paredes em um universo infinito / cheio de verdades afasto a cortina e minto / conheço gente de todo o tipo / não sei o que é pobre, médio ou rico / alguns consideram caro serem ricos / outros uma graça serem pobres / dos médios, desisto / olhando para trás acho um desatino / ser ninguém meio a tanto destino / não modifiquei nada, nem mantive / sempre morri de rir de quem vive / a morte hoje comigo sobrevive / fugi de todos os compromissos com meus dois cérebros omissos / gostei de algumas pessoas de que esqueci o nome / odiei outras que desejaria além dele o sobrenome / quando passei bem, lembrei que deveria passar fome / é, eu não li a vida como você está vendo / não sou eu quem está escrevendo? / ainda bem que você não está lendo

 

Na época, eu estava entretida com outras coisas, além da Poesia, e confesso que não acompanhei muito de perto esta última fase do Marcos. Mas finalizo com o depoimento de dois de seus parceiros da vida inteira: Thadeu Wojciechowski e seu irmão Roberto Prado:

 

“O Marcos Prado era curitibano – pobre e beberrão. Imaginem o inferno que foi viver justamente na cidade mais conservadora do sul do cu do mundo. Aqui, para viver, artista tem que pedir por favor. Cidade má para com seus mais dotados, só dá valor quando o sujeito morre ou prestes a ir para o bico do corvo. Mas o Marcos não estava nem aí para essa cambada sem alma.

 

E escolheu, entre as muitas, a Curitiba que amava. Viveu como um dândi. E a mulherada fazia fila para entrar debaixo do seu cobertor. Genial, polêmico, Marcos Prado tinha um parceiro em cada canto. Ele, o canalha perfeito, capaz de fazer qualquer um rir a noite inteira e nem perceber que acabava pagando toda a bebida.

 

Tudo a seu redor respirava uma atmosfera de poesia e encantamento. Ébrio ou sóbrio, levou a vida além dos limites. E riu como poucos riram da mediocridade curitibana. Bebedor voraz, fumante insaciável, poeta em tempo integral. Prado é destes poetas que tiveram a coragem (ou imprudência?) de impregnar a chama eterna da poesia que tanto amava com os fragmentos descartáveis da vida. Clássico contemporâneo, lírico cibernético, épico barroco?

 

Ei-lo, inteiro, o nosso saudoso poeta que, como seus iguais, absorveu todo o bem e o mal-querer destes séculos e, em vez de expressar desencanto, cinismo, morbidez e tristeza, conseguiu ir além e nos brindar com a saúde dos seus poemas, esses frutos vivos que, certamente, têm polpa, seiva e caroço suficientes para atravessar, com sabor, os séculos futuros.”

 

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